Finalizadas as formalidades procedimentais da retificação (conferência da documentação juntada pelo requerente, eventual complementação do polo passivo mediante notificações de confrontantes e de terceiros interessados e decurso dos prazos para impugnação), os autos deverão ser conclusos ao oficial de registro, que decidirá pela procedência ou não do pedido, após sua qualificação registral.
A qualificação registral é uma decisão, é uma sentença emitida pelo oficial de registro em sua atividade de zelar pela segurança jurídica das relações privadas.
Para decretar a procedência ou não do pedido retificatório, o registrador deve decidir com base em seu livre convencimento motivado, ou seja, sua decisão deve ser imparcial, livre de pressões, independente e fundamentada nos termos da lei. A justiça do caso concreto e a segurança jurídica dos registros públicos somente são alcançadas em decorrência dessa autonomia do registrador. Sem ela, o sistema registral imobiliário, como garantidor do direito de propriedade privada, não existiria.
Como não existem verdades absolutas, a razoabilidade deve pautar todas as decisões, ou seja, o pedido será deferido sempre que o oficial não encontrar indícios suficientes para desconfiar de sua irregularidade, bastando a presença de “fumus boni juris” e da certeza de que analisou com o devido rigor todas as possibilidades de falhas. Mas, diante de fundada suspeita, não poderá deferir o pedido, mesmo que todas as formalidades procedimentais tenham sido cumpridas na íntegra pelo interessado.
Sendo os autos conclusos ao oficial, será procedida a qualificação registral, que se divide em duas etapas: análise preliminar e análise de mérito. A análise preliminar, que se refere a uma minuciosa conferência do cumprimento das regras procedimentais, pode ser resumida em um “check-list” com as seguintes questões:
- foi omitido algum titular do imóvel objeto de retificação no procedimento retificatório?
- dentre os titulares do imóvel, há algum incapaz que deixou de ser representado ou assistido na forma da lei?
- foi omitido, nos trabalhos técnicos, algum imóvel confrontante, resultando na falta de anuência de seu proprietário ou ocupante?
- faltou notificar algum confrontante ou terceiro interessado que não anuiu expressamente aos trabalhos técnicos?
- faltou a juntada de algum documento relativo ao imóvel retificando necessário para a abertura de matrícula (cadastro municipal, CCIR, DIAC-DIAT/ITR)?
- faltou a juntada de algum documento necessário para a complementação da qualificação pessoal dos titulares (RG, CPF, certidão de casamento, certidão do registro do pacto antenupcial)?
- faltou colher a manifestação do requerente e do agrimensor diante de uma eventual impugnação fundamentada (que se refira aos trabalhos técnicos ou à titularidade da área)?
- houve alguma outra falha procedimental (não-publicação de edital, notificação de pessoa errada, prazos em aberto)?
No caso de ser identificada qualquer uma dessas falhas, o oficial emitirá uma decisão interlocutória determinando as providências necessárias para saná-la, podendo tal decisão ter reflexos apenas sobre seus escreventes (providências meramente administrativas) ou sobre os requerentes (complementação de dados e outras providências).
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Findo o prazo concedido para o saneamento das falhas, não tendo o interessado cumprido todas as exigências, o pedido retificatório deverá ser indeferido (sem julgá-lo improcedente; qualificação negativa formal), pelo descumprimento das regras procedimentais.
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2. Análise de Mérito
Não encontrando nenhuma falha procedimental, passa-se à mais complexa fase da qualificação registral: a análise do mérito, que requer muita atenção aos detalhes e uma franca disposição para solucionar os casos sem causar prejuízos a quem quer que seja.
A análise de mérito pode ser resumida no seguinte “check-list”:
- há indícios de inclusão de área não titulada no imóvel objeto da retificação, ou seja, estaria sendo utilizado o procedimento retificatório para aquisição originária de imóvel?
- há indícios de omissão de parcela do imóvel, ou seja, estaria tentando regularizar um destaque de área resultante de uma alienação não formalizada?
- a planta apresentada refere-se apenas à posse localizada do requerente, tendo sido omitido o restante do imóvel de posse dos demais condôminos, ou seja, estaria sendo utilizado o procedimento retificatório para encobrir uma divisão amigável?
- foi incluída alguma área pública (estradas, rios navegáveis, linhas férreas, escolas, independentemente de ter ou não havido procedimento expropriatório) no interior do imóvel privado?
- trata-se de retificação cumulada com unificação, em que não há perfeita identidade de titulares, fato este que impede a fusão das transcrições ou matrículas?
Sendo identificada qualquer uma dessas situações, o pedido deve ser indeferido. Dependendo da falha, pode o registrador emitir uma decisão interlocutória concedendo prazo para o interessado corrigir o erro. Para indeferir a pretensão retificatória, não há necessidade de comprovar a existência do vício, sendo suficiente a fundada suspeita. Nesses casos, compete ao interessado comprovar seu direito, ou seja, dirimir a suspeita levantada pelo registrador.
Não confundir fundada suspeita com a falta de certeza do que foi alegado pelo interessado. Exigir segurança jurídica máxima é uma utopia, pois isso não existe. Deve-se atuar com prudência, razoabilidade, sem contudo deixar de conferir todas as possibilidades de falhas. De todos os profissionais do direito, o registrador imobiliário é o único que pode analisar com a devida segurança se o levantamento planimétrico está ou não incluindo área não titulada. Ele é o único que conhece a fundo os registros de sua circunscrição, sabe das deficiências locais, conhece o histórico dos imóveis e tem o melhor e mais exclusivo arquivo existente para pesquisar a “vida pregressa” desse bem de raiz.
Sendo assim, o registrador tem plenas condições de qualificar o pedido de retificação de registro da maneira mais justa e jurídica, possibilitando o aperfeiçoamento do sistema registral brasileiro e, consequentemente, propiciando a desejada segurança jurídica do patrimônio privado imobiliário que a sociedade almeja e o registro público imobiliário tem o dever de garantir.
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3. O Mérito da Impugnação Fundamentada
Há apenas uma hipótese envolvendo o mérito em que o registrador necessariamente decidirá pelo indeferimento do requerimento, mesmo convicto pela total procedência do pedido retificatório: impugnação fundamentada em que não haja conciliação. Neste caso, não pode o registrador decidir pela procedência do pedido, pois isso resultaria em alteração de informação registral, fato este que, devido à impugnação do confrontante ou de terceiro interessado, estaria prejudicando direito alheio. Apenas neste caso, o juízo de valor favorável não prevalecerá, cabendo ao registrador emitir uma qualificação negativa formal. Em todas as demais situações, o registrador não poderá se eximir de decretar seu juízo de valor (inafastabilidade da qualificação registral).
Julgar improcedente a argumentação de confrontante, quando fundamentada, é competência exclusiva do Judiciário, pois não pode o registrador “condenar alguém a sofrer as consequências de um assento registral por ele impugnado”, ainda mais uma terceira pessoa que foi surpreendida pelo procedimento. Por outro lado, julgar procedente a impugnação (por exemplo: “do marco 7 ao marco 12, a planta invade parcela da faixa de domínio da rodovia, conforme comprova a cópia do mandado de desapropriação anexa a este ofício”) e determinar a correção dos trabalhos técnicos ou, dependendo do caso, indeferir o pedido retificatório, é competência do registrador, pois sua decisão de mérito não resultou em nenhum assento registral, cabendo à parte que se sentir prejudicada requerer a remessa dos autos ao juiz corregedor, que decidirá de plano ou após instrução sumária, nos termos do §6º do artigo 213 da LRP.
Explicando melhor: o procedimento retificatório surge por iniciativa do titular do direito real e sua condução é de competência do registrador, que recebeu o poder-dever de analisar a questão e sobre ela decidir, com a máxima cautela para que nenhum direito seja criado, modificado ou extinto. Diante de qualquer irregularidade, o registrador deve julgar o pedido improcedente, não importando se o vício foi encontrado por ele ou foi informado por meio de uma impugnação fundamentada de confrontante ou terceiro interessado. Essa decisão contraria apenas a pretensão daquele que se sujeitou às regras da retificação extrajudicial, portanto a qualificação negativa de mérito não invadiu a competência do Poder Judiciário de dirimir conflitos. Além disso, essa decisão não gerou nenhuma alteração no registro imobiliário, pois, como já foi dito, diante de qualquer indício de irregularidade, a retificação não pode ser efetivada.
Havendo, portanto, impugnação fundamentada de confrontante ou de terceiro interessado, o registrador deverá, inicialmente, analisar o mérito e fazer seu juízo de valor, que poderá ser:
- a impugnação é procedente, pois trouxe informação que comprova uma falha no pedido retificatório;
- a impugnação trouxe informação que merece melhor averiguação para apurar sua procedência ou não; ou
- a impugnação é improcedente.
Em todos os casos, o registrador intimará o requerente e o agrimensor para que se manifestem sobre a impugnação à retificação. Tratando-se de impugnação procedente (não há necessidade de certeza quanto ao alegado, bastando uma forte suspeita), convém aproveitar a intimação para determinar as providências necessárias para sanar os vícios revelados. O prazo de 5 dias determinado pelo §5º do artigo 213 pode ser ampliado pelo registrador, a seu prudente critério (exemplo: prazo adequado às providências de saneamento), uma vez que o objetivo da lei não é punir o requerente com prazos, mas apenas impedir que a sua desídia emperre o procedimento.
Recebidas as manifestações do requerente e do agrimensor, o registrador decidirá quem tem razão. Se a razão estiver com o impugnante, julgará o pedido retificatório improcedente ou, se for o caso, determinará as correções necessárias mediante decisão interlocutória. Se a razão estiver com o requerente (aqui também não há necessidade de certeza sobre isso), poderá ser tentada uma conciliação (“transação amigável”), nos termos do §6º do artigo 213.
As regras procedimentais do artigo 213 não podem ser interpretadas de forma literal, não podendo um instrumento superar a importância da verdade real (realidade jurídica). Não pode haver uma “transação amigável” que contrarie os fatos noticiados por uma impugnação procedente. Isso é um absurdo. Comprovado que a planta invade parcela do imóvel lindeiro, não pode uma simples transação para fins retificatórios ter o condão de alterar o direito real de propriedade nas duas matrículas. Para isso, seria necessária uma série de providências: a prévia retificação dos dois imóveis (dificilmente o imóvel lindeiro estaria com sua descrição perfeita); escritura pública de alienação de parcela de imóvel; planta e memorial do desmembramento (parcela destacada e remanescente); projeto de unificação dessa parcela com o imóvel do adquirente; recolhimento do imposto de transmissão; e outras exigências a depender do caso concreto.
A “transação amigável” (a lei deveria dizer “conciliação”) serve apenas para esclarecer o impugnante quanto à regularidade do pedido retificatório, dissuadindo-o de sua contrariedade ao feito. Sendo possível, convém marcar uma audiência de tentativa de conciliação, pois o contato direto com os litigantes possibilita ao registrador formar um juízo de valor ainda mais seguro, além de poder colaborar explicando às partes os objetivos da retificação e do quanto mais seguro tornará o direito de propriedade tanto de um como de outro.
Não havendo conciliação, nem havendo providências de saneamento a serem tomadas pelo interessado, o registrador deverá indeferir o pedido (e não julgá-lo improcedente), pois se trata de uma qualificação negativa formal, em decorrência de impugnação fundamentada de terceiro interessado sem sucesso na conciliação.
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