sábado, 17 de setembro de 2011

Cadastro e Registro; irmãos siameses da regularização fundiária

Em muitas palestras em que faço pelo Brasil, costumo tratar da diferença entre Cadastro e Registro. 
A aula começa mais ou menos assim: 
Vamos tratar agora da diferença de cadastro e registro.
Meu amigo Sérgio Jacomino ensina, com muita propriedade, que “cadastro e registro são irmãos siameses da regularização fundiária”, pois, apesar de diferentes, um depende do outro para a solução dos problemas fundiários deste País. 
Em todos os fóruns que tratam desse assunto, tenho ouvido um discurso-padrão.
Os palestrantes costumam afirmar o seguinte: 
1) o Brasil não conhece suas terras;
2) inexiste um cadastro imobiliário que represente a realidade do País; e 3) os cadastros imobiliários que existem são falhos, lacunosos e conflitantes.
Diante disso, pergunto-lhes: isso realmente é verdade?
Todos os presentes, em coro, concordam com essas informações, pois a situação cadastral do Brasil realmente necessita de uma completa e urgente reestruturação.
Diante dessa sonora unanimidade, quebra-se a timidez e os presentes passam a participar mais ativamente da discussão. Aproveitando-me disso, eu os provoco ainda mais.
E como está o cadastro do registro de imóveis? Também é falho? Também é conflitante? Também é lacunoso?
A grande maioria concorda que a situação é igualmente precária. Uns poucos arriscam dizer que o cadastro do Registro de Imóveis é regular. Raramente um diz que é bom. Nenhum outro tipo de resposta eu recebi até hoje.
Nesse momento, eu mudo o tom e puxo a “orelha de todo mundo”.
Como assim?!Vocês não estão prestando atenção em nada do que eu digo!Todo mundo errou; e errou feio!
O assunto que estamos tratando não é “a diferença entre cadastro e registro”?
Se cadastro e registro são coisas diversas, como pode haver um “cadastro no Registro de Imóveis”?
É óbvio que o cadastro no registro imobiliário não é ruim nem bom; isso porque simplesmente ele não existe!!!
Diante disso, para que não mais se esqueçam deste importante ensinamento, peço que ouçam o que tem a dizer um conhecido filósofo cearense sobre esse tema polêmico.
Prestem atenção e gravem, de uma vez por todas, que cadastro e registro são coisas distintas.
Passo para a próxima tela do Powerpoint e a música começa a tocar:

Essa brincadeira serve apenas para descontrair a turma, mas o assunto não é brincadeira.
Devido a essa confusão que se faz com esses institutos de naturezas diversas, pouco se progrediu no Brasil para a solução dos problemas fundiários.
Este artigo é o primeiro de uma série que publicarei sobre este assunto. Iremos discutir, nas próximas publicações, a necessidade de implantação de um Cadastro Territorial Multifinalitário, que deve ser gerenciado por um órgão autônomo e imparcial.
Neste momento, servindo de introdução ao tema, o objetivo é mais singelo, vamos apenas destacar as diferenças entre cadastro e registro.

Cadastro é um inventário, um rol de informações sobre determinado interesse, tendo por base pessoas ou coisas. Seu objetivo é político-administrativo, podendo ser utilizado em qualquer seara (econômica, social, fiscal, segurança nacional, ambiental). A atividade cadastral é competência do Executivo, que tem a missão de colher informações que lhe propiciem gerenciar, com eficiência, o povo em seu território. Isso porque o mundo gira hoje em torno da informação (a Era da Informação), pois sem ela o fracasso é certo.

Registro, por sua vez, não trata de nada disso. O registro imobiliário não tem a missão de inventariar imóveis, nem ao menos controlar sua quantidade, valor ou produtividade. Ao registro cabe tão-somente cuidar do direito constitucional da propriedade privada e os demais direitos ligados ao bem imóvel, constituindo e tornando públicos esses direitos. Ou seja, somente têm ingresso no registro os imóveis qualificados pela existência de um proprietário. Os imóveis “sem dono”, ou seja, sem algum título reconhecido pela lei, não podem ser matriculados no serviço registral.

Portanto, cadastro é conjunto de informações sobre o território feito pelo Executivo para viabilizar sua atuação político-administrativa na condução do Estado, orientando as políticas públicas com vistas ao desenvolvimento nacional. E o registro atua na constituição do direito da propriedade privada, com o objetivo não apenas de garantir o direito do titular em face de outros particulares, mas, principalmente, para garantir o direito do povo em face do próprio Estado, que deverá respeitar o direito fundamental da propriedade privada. Por esse motivo o registrador é um guardião da liberdade civil em face do próprio poder público.

Eduardo Augusto
Diretor do Irib

4 comentários:

  1. Interessantíssimo, meu caro colega! São coisas distintas, mas quase nunca nos damos conta disso... E olha que Afrânio de Carvalho já escrevera sobre isso há muito tempo atrás.

    Parabéns pelo artigo!

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  2. Olá, Abrahão.
    Obrigado pelo carinho.
    Temos uma grande luta pela frente para conscientizar as lideranças deste País para que seja criado um verdadeiro cadastro multifinalitário que colabore com o desenvolvimento econômico e social de nosso Brasil
    Contamos com o seu apoio e disposição.
    Um grande abraço.
    EA

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  3. Eduardo,
    Parabéns pelo artigo. Seja bem vindo ao clube dos que lutam pela implementação de um cadastro territorial multifinalitário completo, independente, atualizado e confiável no Brasil. Cadastro não é registro, mas pode contribuir para o aperfeiçoamento da garantia dos limites de propriedade. Por outro lado, a informação registral é muito importante para o cadastro, para apoiar com segurança a gestão do território, que depende tanto da informação atualizada sobre a situação jurídica dos imóveis!
    Grande abraço, Andrea Carneiro - UFPE

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  4. Olá, Profª Andrea!
    Vamos todos juntos batalhar por um cadastro territorial multifinalitário, nos moldes de sua brilhante tese de doutorado e, também, dos ensinamentos do Prof. Jürgen Philips, da UFSC.
    O nosso maior desafio será convencer as lideranças políticas de nosso País, pois o corpo técnico, desde há muito, já percebeu que as mudanças devem ocorrer urgentemente.
    O IRIB, as universidades, os profissionais da área cadastral e a sociedade devem se unir para batalhar pela implementação desse grande e audacioso projeto.
    A sorte está lançada! Mãos à obra!!!
    EA

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