terça-feira, 4 de outubro de 2011

Conceitos de Imóvel Rural: Certificação do Incra quanto ao Imóvel Georreferenciado


O procurador federal do Incra e especialista em Direito Registral Imobiliário pela PUC Minas, Dr. Ridalvo Machado de Arruda, elaborou um artigo elucidativo sobre os conceitos de imóvel rural, no qual defende que o "conceito agrário" não se aplica ao procedimento de certificação do memorial descritivo georreferenciado.
Devido à importância do tema e com a autorização de seu autor, disponibilizo aqui, na íntegra, seu bem estruturado artigo jurídico.
Boa leitura a todos!

Eduardo Augusto
Diretor do IRIB

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Conceitos de Imóvel Rural: Aplicação na Certificação do INCRA expedida no Memorial Descritivo Georreferenciado

Ridalvo Machado de Arruda
Procurador Federal
Especialista em Direito Registral Imobiliário (PUC-Minas)


A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), e a Lei nº 8.629, de 25/2/1993, definem "imóvel rural" como sendo o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.
Desse conceito extrai-se que, estando localizado em área urbana ou rural e constituído por uma ou mais áreas identificadas por meio de suas respectivas matrículas imobiliárias — inclusive nos casos de posse com ou sem título —, o imóvel rural a que se refere o direito agrário caracteriza-se, essencialmente, pela formação de uma unidade de exploração econômica, quer seja representada por uma única propriedade imobiliária, quer seja pelo grupamento dessas propriedades (§ 3º, do art. 46, da Lei 4.504, de 30/11/1964).
O Incra, para proceder ao cadastro de imóvel rural, utiliza-se da definição dada pelo Estatuto da Terra e, por força da Instrução Normativa INCRA nº 95, de 27/8/2010, considera como sendo um único imóvel rural duas ou mais áreas confinantes pertencentes ao mesmo proprietário ou não, desde que seja mantida a unidade econômica, ativa ou potencial. Esse entendimento acompanha posição do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, conforme se vê dos Mandados de Segurança nos 24.488 e 21.919, por exemplo.
 A Receita Federal, para fins de tributação, considera um único imóvel rural duas ou mais parcelas de terras rurais, desde que localizadas fora do perímetro urbano do Município (vide §2º do artigo 1º da Lei nº 9.393/96).
No Registro de Imóveis, o imóvel será rural, independentemente de sua localização, se constar da matrícula o código que o Incra lhe atribuir, ou melhor, se houver referência ao Certificado de Cadastro de Imóvel Rural — CCIR —, considerando-se a unidade imobiliária o prédio rústico descrito na sua respectiva matrícula, em observância ao princípio da unitariedade da matrícula, ou seja, cada imóvel terá sua própria matrícula e cada uma representará um único imóvel, conforme artigo 176, § 1º, inciso I, da Lei nº 6.015/73.
Diferentemente do sistema de cadastro do Incra, no Registro de Imóvel a área descrita na matrícula representará sempre uma unidade imobiliária. No cadastro do Incra, o imóvel rural poderá ser constituído por várias matrículas, por parcelas de matrículas (nas frações ideais em que a posse é localizada) e até mesmo por áreas de posse. No Registro de Imóveis, não é assim. Cada matrícula representa uma unidade imobiliária, mas nada impede que o proprietário requeira ao oficial de registro a unificação das áreas descritas em suas matrículas, desde que a fusão dessas matrículas (ou transcrições) seja juridicamente possível, providência esta que resultará em uma nova matrícula com a descrição do perímetro total dessas áreas, formando-se, assim, uma nova unidade imobiliária (artigo 234 da Lei nº 6.015/73).
A descrição do imóvel rural, isto é, da unidade imobiliária, na sua matrícula, perante o Registro de Imóveis, de acordo com os §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei 6.015/93, deve ser feita a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional já estabelecida em ato normativo e em manual técnico, expedido pelo INCRA. Compete a essa autarquia certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. A certificação do memorial descritivo pelo INCRA não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário (ver artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002, com redação dada pelo Decreto nº 5.570/2005).
Assim, sendo efetivado um ato registral que implique desmembramento, remembramento, parcelamento ou alienação total do imóvel constante de sua respectiva matrícula, caberá ao proprietário promover o levantamento topográfico da área, elaborando memorial descritivo contendo as coordenadas dos vértices definidores de seus limites de acordo com o previsto na Lei, submetendo-o ao Incra a fim de que seja expedida a certidão de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo elaborado pela autarquia.
Nesse aspecto, impende esclarecer que o imóvel a que corresponde o memorial descritivo mencionado nos §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93, é a unidade imobiliária representada pela sua matrícula. Com efeito, determina o inciso I do artigo 176 da Lei de Registros Públicos que cada imóvel terá matrícula própria, estabelecendo como um dos requisitos a identificação do imóvel rural (artigo 176, inciso II, nº 3, alínea "a"), que será feita, repita-se, nos casos de desmembramento, remembramento, parcelamento ou alienação total (§§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93) a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional já estabelecida em ato normativo e em manual técnico, expedido pelo INCRA; salvo se o proprietário desejar unificar outros imóveis rurais (leia-se unidades imobiliárias) que lhe pertençam, com abertura de nova e única matrícula. Nessa última hipótese, o perímetro georreferenciado abrangerá todos os imóveis referidos nas suas respectivas matrículas, as quais serão encerradas, passando, assim, a constituir um único imóvel rural (artigo 235, parágrafo único, da Lei nº 6.015/73).
No caso de desmembramento, deve ser feito o georreferenciamento da área total descrita na matrícula, destacando-se, também por meio de memorial descritivo georreferenciado, a que será objeto do desmembramento (ver, por exemplo, decisão do TRF 1ª Região no MS 2009.41.00.005849-1/RO).
 Partes ideais decorrentes da instituição de condomínio não podem ser objeto de georreferenciamento, salvo se os condôminos decidirem pôr fim ao condomínio, quando, então, poderão promover a divisão do imóvel em partes certas e individualizadas, descrevendo-as em memoriais georreferenciados para fins de certificação pelo Incra.
Portanto, é evidente que no procedimento de certificação do memorial descritivo georreferenciado, para os fins e efeitos do Registro de Imóvel, não se aplica o conceito agrário de imóvel rural. A identificação do imóvel rural referida nos §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93 é requisito da matrícula. É exigência imposta ao Registro de Imóveis. A Lei nº 6.015/73, com suas alterações introduzidas pela Lei nº 10.267/2001, não se dirige ao cadastro do Incra. 
Definitivamente, não há Lei que imponha ao proprietário a obrigação de promover o georreferenciamento de todas as áreas rurais contíguas que lhe pertençam e que estejam matriculadas no Registro de Imóveis competente, quando pretender realizar algum ato relativo a uma de suas propriedades imobiliárias. Melhor esclarecendo — embora pareça já estar se tornando repetitivo —, se uma pessoa detém a titularidade em mais de uma matrícula de imóvel rural que estejam contiguamente localizados e pretenda realizar alguma modificação em uma área correspondente a alguma das matrículas, não estará obrigada a promover o georreferenciamento de todas as outras áreas, mas apenas daquela que sofrerá a alteração. No entanto, a afirmação contrária encontra fundamento legal, porquanto, ao proprietário que desmembra, remembra, parcela ou aliena a área descrita na sua respectiva matrícula, a Lei impõe a obrigação de georreferenciá-la, sob pena de não conseguir efetivar o registro do título que deu causa a esses fatos imobiliários.
A propósito, é de bom alvitre atentar para o fato de que a certificação expedida pelo Incra, repita-se, não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário (artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002, com redação dada pelo Decreto nº 5.570/2005). Chama-se à atenção para esse fato devido à falsa crença — ou à interpretação equivocada da Lei — de que a certificação do memorial descritivo feita pelo Incra expurga do título de domínio os vícios porventura existentes sobre ele, dando a impressão de que o domínio do imóvel descrito no memorial foi “legitimado” pela autarquia federal. Mas, não é assim. 
Na verdade, compete exclusivamente ao Oficial de Registro de Imóveis aferir, dentre outras coisas, se a área constante do memorial descritivo corresponde ao imóvel descrito na matrícula e se não está havendo violação a direitos de terceiros confrontantes, procedendo como se estivesse — como na prática está — efetuando uma retificação na matrícula, na forma estabelecida no artigo 213 da Lei nº 6.015/73
Note-se que nem mesmo os limites divisórios da área georreferenciada são objetos de aferição pelo Incra, ou seja, o Incra certificará a peça técnica independentemente da anuência dos confrontantes, cabendo ao Oficial, a requerimento do interessado, na ausência da declaração expressa dos confinantes de que os limites divisórios foram respeitados, com suas respectivas firmas reconhecidas, proceder de acordo com os §§ 2o, 3o, 4o, 5o e 6o do artigo 213 da Lei no 6.015, de 1973, conforme disposto no artigo 9º, § 8º, do Decreto nº 4.449/2002 (com redação dada pelo Decreto nº 5.570/2005).
 O Incra não tem condições nem competência para analisar juridicamente a regularidade do domínio do imóvel que lhe é apresentado por meio de memorial descritivo. Sua função, para o caso de certificação, repita-se, é exclusivamente analisar a poligonal objeto do memorial descritivo a fim de verificar se ela não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e se o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo elaborado pela autarquia. Se a área constante do memorial não corresponder a da matrícula ou se a descrição do imóvel for inserida na matrícula em detrimento do direito de propriedade de terceiros ou ensejando aquisição indevida de área excedente ou de posse, o erro e a responsabilidade serão imputados exclusivamente ao oficial de registro de imóveis.
Acrescente-se que a utilização do memorial descritivo certificado pelo Incra como prova de propriedade ou de direitos a ela relativos é crime, cuja pena é de 2 a 6 anos de reclusão, conforme o disposto no artigo 19 da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966.
De seu lado, o Sistema Nacional de Cadastro Rural — SNCR —, instituído pela Lei nº 5.868, de 12/12/1972, regulamentada pelo Decreto nº 72.106, de 18/4/1973, compreende:
a) o Cadastro de Imóveis Rurais, com a finalidade de realizar o levantamento sistemático dos imóveis rurais, para conhecimento das condições vigentes na estrutura fundiária das várias regiões do país;
b) o Cadastro de Proprietários e Detentores de Imóveis Rurais, para coletar informações sobre proprietários e detentores de imóveis rurais, para conhecimento das condições de efetiva distribuição e concentração de terra e do regime de domínio e posse vigentes nas várias regiões do País; 
c) o Cadastro de Arrendatários e Parceiros Rurais, para conhecimento das reais condições de uso temporário da terra das diversas regiões do Brasil; e
d) e o Cadastro de Terras Públicas, para levantamento das terras públicas federais, estaduais e municipais, visando ao conhecimento das disponibilidades de áreas apropriadas aos programas de reforma agrária, bem como para conhecimento da situação dos ocupantes de terras públicas.
Impõe a Lei que todos os proprietários, titulares de domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis rurais, estão obrigados a prestar declaração de cadastro. Uma vez efetuado o cadastro do imóvel, o Incra expedirá o CCIR, sem o qual o proprietário não poderá desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda seu imóvel rural, inclusive, em caso de sucessão causa mortis, nenhuma partilha, amigável (incluindo a escritura pública de inventário e partilha) ou judicial, poderá ser homologada, sob pena de nulidade, conforme estabelecido no artigo 22 da Lei nº 4.947, de 6/4/1966.
Já nas escrituras públicas, fica o tabelião obrigado a mencionar os seguintes dados constantes do CCIR: o código do imóvel, o nome e a nacionalidade do detentor (ou seja, o nome da pessoa que figura no CCIR como sendo o proprietário do imóvel), a denominação do imóvel (mesmo que esteja diferente do nome constante da matrícula) e a sua localização (§ 6º do artigo 22 da Lei nº 4.947/1966); lembrando que o CCIR, em nenhuma hipótese, faz prova de propriedade ou de direitos a ela relativos, imputando-se crime àquele que utilizar esse documento com essa finalidade, ficando sujeito à pena de reclusão de 2 a 6 anos (artigo 19 da Lei nº 4.947/1966). No Registro de Imóveis, o código do imóvel e os dados constantes do CCIR são requisitos da matrícula (Lei nº 6.015/73, artigo 176, § 1º, inciso II, nº 3, alínea "a").
Havendo modificações na matrícula do imóvel rural, tais como, mudança de titularidade, desmembramento, loteamento, unificação de área, retificação de área, instituição de reserva legal e particular do patrimônio natural e outras restrições de caráter ambiental, fica o Oficial de Registro obrigado a comunicá-las ao Incra (§7º do artigo 22 da Lei nº 4.947/66 c/c o artigo 5º do Decreto nº 4.449/2002). Por sua vez, o Incra enviará ao Registro de Imóveis, nos casos de formação de um novo imóvel rural, o código do cadastro do imóvel no SNCR, para fins de averbação (§ 8º do artigo 22 da Lei nº 4.947/66).
Para fins do cadastro do Incra, aplica-se, portanto, o conceito agrário de imóvel rural, podendo este ser constituído por uma ou mais matrículas. Nesse sentido, dispõe o § 3º do artigo 46 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/1964), que “Os cadastros terão em vista a possibilidade de garantir a classificação, a identificação e o grupamento dos vários imóveis rurais que pertençam a um único proprietário, ainda que situados em municípios distintos, sendo fornecido ao proprietário o certificado do cadastro na forma indicada na regulamentação desta Lei”.
Assim, nada impede que, por meio de ato normativo próprio, o Incra possa exigir do proprietário o cadastramento de todas as áreas rurais que lhe pertençam e que sejam contíguas umas as outras, a fim de constituir um único cadastro dessas áreas, aplicando-se o conceito agrário para classificá-las como sendo um único imóvel rural, atribuindo-lhe um código no SNCR. Nessa hipótese, também nada impede que por meio de suas normas internas, o Incra exija o georreferenciamento do conjunto dessas áreas no momento do cadastramento ou da atualização cadastral.
Conclui-se, em resumo, portanto, que:
a) os conceitos de imóvel rural no âmbito do Registro de Imóveis e do cadastro do Incra têm aplicações distintas;
b) os procedimentos de certificação do memorial descritivo e a inserção dos dados nele constantes para fins de identificação do imóvel na matrícula são diferentes daqueles necessários ao cadastramento no Sistema Nacional de Cadastro de Imóvel Rural;
c) o memorial descritivo georreferenciado e sua respectiva certificação referem-se, perante o Registro de Imóveis, à área objeto de uma matrícula; podendo, no entanto, ser feito o georreferenciamento de áreas constantes de mais de uma matrícula, unificando-as, com a finalidade de ser criada uma nova matrícula, se assim desejar o seu proprietário e se tal providência for juridicamente possível.
d) o cadastro do Incra pode ser feito com a exigência de georreferenciamento de todas as matrículas que compõe o imóvel rural no conceito agrário, por meio de ato normativo próprio, incluindo áreas de posse;
e) a responsabilidade pela qualificação do pedido de identificação do imóvel e a análise da legitimidade do domínio é exclusiva do Oficial de Registro de Imóveis; e
f) o documento de certificação expedido pelo Incra, assim como o CCIR, não podem ser utilizado como prova de propriedade ou de direitos a ela relativos.
Impende esclarecer que este artigo não representa, necessariamente, o entendimento jurídico sobre o assunto eventualmente adotado pela PFE-Incra; nem é manifestação contrária a qualquer procedimento administrativo do Incra relativo ao tema. Trata-se, nada mais, de opinião pessoal, numa tentativa de esclarecer aos usuários dos sistemas — de Registro de Imóveis e do SNCR — o processo de certificação do memorial descritivo à luz do Direito Agrário e do Direito Registral Imobiliário em face dos conceitos de “imóvel rural” extraídos desses ramos do Direito.

Ridalvo Machado de Arruda
Procurador Federal
Especialista em Direito Registral Imobiliário (PUC-Minas)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Cadastro Multifinalitário - Parte 2 (A Parcela)


Para que um cadastro territorial seja multifinalitário, é essencial que ele possa ser utilizado por todos os órgãos e instituições como uma base cadastral que supra suas demandas, sem necessidade de alterações ou de adaptações em sua estrutura.

Para que isso seja possível, é necessário definir a unidade territorial que será objeto de levantamento desse Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM). 
Diante dos diversos interesses e necessidades dos órgãos e instituições que irão utilizá-lo, o objeto do CTM deve ser a parcela, que pode ser definida como a menor unidade territorial cujo levantamento seja jurídica e economicamente relevante.
Convém repetir o conceito, com o merecido destaque:
Parcela é a menor unidade territorial cujo levantamento seja jurídica e economicamente relevante.
Os exemplos a seguir servem bem para ilustrar a situação:
Figura 1 - Imóveis rurais segundo o conceito agrário (Incra).

Figura 2 - Imóveis segundo o direito civil (propriedade imobiliária).

Ao analisar o imóvel "Incra nº 1", verifica-se que ele engloba as matrículas 1 e 3. Portanto, a utilização do "imóvel agrário" não serve para definir o direito de propriedade, pois a divisão entre as matrículas 1 e 3 seriam perdidas. Por outro lado, a utilização da "propriedade imobiliária" (matrícula) como objeto de levantamento supre ambas as necessidades, pois cada matrícula teria a sua completa delimitação e o "imóvel agrário" seria formado pelo somatório de ambas as matrículas.

No caso dos imóveis Incra nº 2 e Incra nº 4, estes coincidem perfeitamente com as Matrículas 2 e 6. Portanto, tanto faz a utilização do "imóvel agrário" como a "propriedade imobiliária" como objeto de levantamento cadastral, pois ambos os conceitos suprem as duas necessidades.
No entanto, a mesma facilidade não é encontrada no imóvel Incra nº 3, pois este é formado pelas matrículas 4 e 5 e por uma área não titulada. Nesta hipótese, nenhum dos conceitos de imóvel supre todas as necessidades, pois a utilização do "imóvel agrário" esconde as duas matrículas e a área de posse; e a utilização da "propriedade imobiliária" como base seria insuficiente, pois a área de posse seria ignorada e o "imóvel agrário" não seria inteiramente representado nesse cadastro.
Além dessa situação envolvendo áreas não tituladas, há também outros itens de interesse geral que merecem ser considerados na formação de uma boa base cadastral multifinalitária. Um bom exemplo é a reserva legal, que é uma parcela do imóvel rural em que o proprietário deverá preservar a mata nativa.


Figura 3 - A inclusão da Reserva Legal na base cadastral multifinalitária.


Diante dessa nova situação, em que se verificou, por exemplo, o interesse de se incluir a reserva legal, a divisão desse mesmo território em parcelas resultaria na seguinte situação (Figura 4):
Figura 4 - Parcelas existentes numa determinada região.

Com essa estrutura, a utilização do CTM será viabilizada a qualquer instituição, qualquer que seja o conceito de unidade imobiliária adotado por ela.

Com base na informação do órgão ambiental, haverá nessa base cadastral a delimitação das reservas legais, cuja fiscalização não se limita a esses órgãos, pois tal área implica no cálculo de tributos (interesse da Receita Federal do Brasil) e na classificação do imóvel rural (interesse do Incra).

Figura 5 - A parcela nº 2 é a Reserva Legal da Matrícula 1.

Essa base cadastral permite a indexação das parcelas de acordo com o interesse específico de cada instituição que o utilize. Para identificar o proprietário de determinado imóvel que será, por exemplo, objeto de desapropriação, o Poder Público expropriante deverá antes conhecer a configuração física da "propriedade imobiliária", que é representada pela matrícula do Registro de Imóveis. Neste nosso exemplo, o imóvel de Matrícula 1 é representado pelo conjunto das parcelas 1 e 2 (Figura 6).
Figura 6 - As parcelas 1 e 2 delimitam o imóvel de Matrícula 1.

O mesmo ocorre para a formação do cadastro do Incra, que utiliza o conceito agrário de imóvel (Estatuto da Terra, artigo 4º, Inciso I). O imóvel cadastrado como "Incra nº 1" é representado pelo conjunto das parcelas 1, 2, 3 e 4.


Figura 7 - As parcelas 1, 2 3, e 4 delimitam o imóvel rural "Incra nº 1".

Portanto, uma parcela de um Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) pode representar:
  • um imóvel matriculado (conforme o registro imobiliário);
  • um conjunto de matrículas (o "imóvel agrário" cadastrado no Incra); 
  • apenas uma parte da matrícula (a reserva legal); ou
  • qualquer outra área de interesse, seja ela titulada ou não (área de posse).

Se o Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) levar em conta o conceito de parcela (a menor unidade territorial cujo levantamento seja jurídica e economicamente relevante) para a formação de sua base cadastral, o País finalmente terá um verdadeiro cadastro multifinalitário, que atenderá um maior número de necessidades, colaborando para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.




sábado, 1 de outubro de 2011

Georreferenciamento: Novos Prazos e Mudanças no Decreto nº 4.449/2002

ATENÇÃO: 
Saiu o Decreto com a prometida dilação dos prazos (atrasado, mas saiu). Para ver mais detalhes, acesse o seguinte link:


A legislação que criou a obrigatoriedade do georreferenciamento de imóveis rurais determinou a necessária interconexão entre cadastro e registro, uma vez que a situação jurídica do imóvel é um dado essencial para a elaboração do CNIR. Portanto, o INCRA e o Registro de Imóveis são as instituições diretamente ligadas ao processo de identificação e cadastramento da malha fundiária do Brasil. 
O texto atual do Decreto nº 4.449/2002 apresenta algumas falhas no procedimento de certificação dos imóveis rurais georreferenciados. Cientes da necessidade de sua correção, o IRIB e o INCRA tem estudado a melhor forma de alterar a legislação, para que esse audacioso "Programa do Georreferenciamento" resulte num cadastro multifinalitário que realmente colabore para o desenvolvimento de nosso País.
Uma das alterações (proposta pelo INCRA) refere-se aos prazos carenciais. Segundo o artigo 10 do Decreto, no dia 20 de novembro deste ano, vence o último prazo para a obrigatoriedade do georreferenciamento do imóvel rural. Após essa data, sem tal providência por parte de seu proprietário, não será possível a alienação do imóvel, nem o seu parcelamento ou remembramento.
O INCRA propôs novos prazos, da seguinte conformidade (conforme foi divulgado pelo Dr. Marcelo Cunha, em sua apresentação no 38º Encontro Nacional do IRIB, no dia 22/9/2011):
Esses novos prazos possibilitarão o completo levantamento do território nacional, sem causar transtornos aos seus proprietários, pois haverá tempo hábil para cumprir a legislação. Mas, para isso, há, também, que se modificar o procedimento de certificação dos imóveis rurais. O INCRA está finalizando o sistema informatizado de certificação ("e-certifica"), que conseguirá automatizar todo o procedimento.
Visando a facilitar a atuação do INCRA e a corrigir uma grave falha no texto atual do Decreto, o IRIB propôs a modificação do rito procedimental.
O ordenamento jurídico não gera dúvidas no tocante à competência legal de cada uma dessas instituições participantes desse processo.
O registrador imobiliário, que é um profissional do direito, tem a missão constitucional de zelar pelo direito de propriedade privada incidente sobre os bens imóveis, competindo-lhe constituir esses direitos e publicizar a sua amplitude e limitações. Portanto, a análise dos trabalhos técnicos, no tocante à titularidade, às confrontações, à situação jurídica do imóvel e aos princípios registrais imobiliários, é de competência exclusiva do registrador imobiliário.
Ao INCRA, a lei reservou a atribuição de definir a precisão posicional dos vértices definidores do imóvel rural ao Sistema Geodésico Brasileiro e a de certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. Portanto, não compete ao INCRA analisar a titularidade da área nem se a poligonal invade outro imóvel que ainda não foi certificado pela autarquia.
O decreto e os atos administrativos, ao preverem a certificação do INCRA antes da análise jurídica do registrador imobiliário, tem atravancado todo o processo de certificação. Para evitar fraudes, o INCRA passou a analisar a titularidade, as confrontações e a situação jurídica do imóvel, sem possuir a competência legal para tal postura. Isso tem atravancado o serviço de certificação, uma vez que são inúmeras as falhas encontradas nos trabalhos georreferenciados. Convém esclarecer que o decreto optou por esse formato pelo fato de, na época de sua edição (2002), a retificação de registro era feita apenas mediante um demorado processo judicial. Hoje, no entanto, isso não mais se justifica, pois, desde agosto de 2004, a competência para retificar a descrição tabular do imóvel é do oficial de registro de imóveis.
O fato de o INCRA ter procedido a análise da titularidade desde o início da operacionalização dos comitês de certificação, surgiu, em algumas localidades do Brasil, uma equivocada e absurda interpretação de que a certificação do INCRA era dotada da presunção de veracidade no tocante ao domínio, mesmo havendo expressa disposição legal em contrário. O fato é que há indícios de a certificação do INCRA ter sido algumas vezes utilizada como “legitimação de posse”, abalando a segurança jurídica do direito real de propriedade e também de áreas públicas que possam ter sido invadidas.
A solução desse problema é bastante simples e resultará na agilização do processo de certificação em todo o País. Basta alterar os §§ do artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002, para alterar a sequência dos procedimentos.
O “geo” deve ser iniciado no Registro de Imóveis, mediante o procedimento extrajudicial de retificação de registro, que já é bastante utilizado para retificar imóveis urbanos e imóveis rurais ainda beneficiados pelo prazo carencial. Nesta fase inicial, o registrador imobiliário irá analisar a titularidade da área, identificar as confrontações e determinará o saneamento de todas as falhas porventura existentes no imóvel (falta de CCIR, atualização do cadastro na RFB para fins de ITR, especialização da reserva legal, etc.). 
A única diferença do procedimento tradicional está no fato de que, após a qualificação positiva dos trabalhos técnicos, o registrador não praticará o assento registral retificatório, pois irá aguardar a certificação do INCRA no tocante apenas às exigências técnicas e à não-sobreposição da poligonal a outra poligonal constante de seu cadastro georreferenciado. Somente depois da certificação do INCRA, o registrador procederá a retificação na matrícula do imóvel.
Prevendo o Decreto esse rito procedimental, serão raros os casos de uma certificação do INCRA não resultar no registro esperado. O procedimento de certificação será ágil, mesmo antes de sua completa informatização, será muito mais seguro, no tocante aos direitos envolvidos, e conseguirá atender a sociedade neste importante programa de identificação da malha fundiária do País.
Aproveito a oportunidade para agradecer a todos os profissionais do INCRA que participaram conosco dessas importantes discussões, destacando que são profissionais competentes, valorosos e que realmente se preocupam em solucionar os problemas em prol do desenvolvimento de nosso Brasil.

ATENÇÃO: 
Saiu o Decreto com a prometida dilação dos prazos (atrasado, mas saiu). Para ver mais detalhes, acesse o seguinte link: