quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

TJSP: Empresa brasileira sob controle estrangeiro não se submete às restrições da Lei nº 5.709/1971



Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo, firmou entendimento de que as pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil, ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, não se submetem às restrições impostas pela Lei nº 5.709/1971, que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiros.
No julgamento do Mandado de Segurança nº 0058947-33.2012.8.26.0000, ocorrido em 12 de setembro de 2012, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidiu que o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 não foi recepcionado pela CF/1988.
Seguindo a orientação do referido acordão, a CGJ publicou um ato normativo que dispensa os tabeliães e os oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.º 5.709/1971 e pelo Decreto n.º 74.965/1974.
Em decorrência, o Parecer CGU/AGU nº 1/2008 - RVJ, de autoria da Advocacia-Geral da União (AGU), que "repristinou" o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 e gerou essa grande polêmica em todo o país, não está mais sendo aplicado no Estado de São Paulo.

Para saber mais sobre esse parecer da AGU e dificuldades e consequências de sua aplicabilidade, consulte:
Aquisição de Imóvel Rural por Empresas Brasileiras sob Controle Estrangeiro
Seguem, abaixo, a decisão (com força normativa para todos os serviços extrajudiciais do Estado de São Paulo) e o inteiro teor do Parecer nº 461/2012-E em que ela se baseou. 

Eduardo Augusto 
Diretor de Assuntos Agrários do IRIB







PROCESSO Nº 2010/83224 – BRASÍLIA – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
PARECER 461/2012-E


DECISÃO 

Aprovo, atribuindo-lhe força normativa, o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, assim, por seus fundamentos, que adoto, revejo a orientação normativa estabelecida com a aprovação do parecer n.º 250/10-E, lavrado nestes autos (fls. 77/87 e 88), e reconheço, inclusive na linha do decidido pelo Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (Mandado de Segurança n.º 0058947-33.2012.8.26.0000, relator Desembargador Guerrieri Rezende, julgado em 12.09.2012), que o § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de sorte, portanto, a dispensar os tabeliães e os oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.º 5.709/1971 e pelo Decreto n.º 74.965/1974, bem como do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior. Sem prejuízo, oficie-se ao Excelentíssimo Senhor Corregedor Nacional de Justiça, o eminente Ministro Francisco Falcão, dando-lhe conhecimento da presente decisão. Publique-se, inclusive o parecer. 

São Paulo, 5 de dezembro de 2012. 

JOSÉ RENATO NALINI 
Corregedor Geral da Justiça



PROCESSO Nº 2010/83224 – BRASÍLIA – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
PARECER 461/2012-E

IMÓVEL RURAL - Aquisição por pessoa jurídica brasileira cuja maioria do capital social pertence a estrangeiros residentes fora do Brasil ou a pessoas jurídicas com sede no exterior - Equiparação com a pessoa jurídica estrangeira para fins de sujeição ao regime estabelecido pela Lei n.º 5.709/1971 - § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 - Não recepção pela Constituição Federal de 1988 - Alargamento subjetivo da limitação à apropriação privada de bem imóvel rural desautorizada pelo artigo 190 da CF/1988 - Redação original do artigo 171 da Constituição de 1988 reforça a revogação - A distinção, lá prevista de modo expresso, entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional foi instituída com vistas a benefícios e a tratamento diferenciado, mas não para restrições de direitos - O artigo 171, ao contemplar reserva legal qualificada, é incompatível com restrições genéricas - A reforma introduzida pela EC n.º 6/1995 confirma a não recepção - A limitação era consentânea com o § 34 do artigo 153 da CF/1967, com a redação dada pela EC n.º 1/1969, mais restritivo quanto ao tratamento dispensado ao tema - Mudança da orientação normativa.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

O Colendo Conselho Nacional de Justiça, mediante decisão monocrática do Excelentíssimo Senhor Ministro Gilson Dipp, à época Corregedor Nacional de Justiça, lançada, no dia 13 de julho de 2010, nos autos do pedido de providências n.º 0002981-80.2010.2.00.0000, recomendou "fortemente a imediata adoção pelas Corregedorias locais ou regionais junto aos Tribunais respectivos que determinem aos Cartórios de Registro de Imóveis e Tabelionatos de Notas que façam observar rigorosamente as disposições da Lei n.º 5.709 de 1971 quando se apresentarem ou tiverem de lavrar atos de aquisição de terras rurais por empresas brasileiras com participação majoritária de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas" (fls. 08). (grifei)

Orientou-se por decisão tomada, em 17 de setembro de 2008, pelo Tribunal de Contas da União, quando examinada representação da SECEX do Amazonas e, principalmente, pelo parecer do Consultor-Geral da União, Dr. Ronaldo Jorge Araújo Viera Junior, de 03 de setembro de 2008 (Parecer CGU/AGU n.º 01/2008 - RVJ), aprovado, em 19 de agosto de 2010, pelo Advogado-Geral da União, Dr. Luís Inácio Lucena Adams (Parecer n.º LA - 01), e, em seguida, em despacho publicado no Diário Oficial da União de 23 de agosto de 2010, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, àquele tempo Luiz Inácio Lula da Silva, para os fins do disposto nos artigos 40 e 41 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993(1) (fls. 03/09 e 29/38).

Diante da recomendação dirigida aos órgãos da administração judiciária, reforçada pelos efeitos vinculantes do Parecer LA - 01 para os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal, esta Corregedoria Geral da Justiça, ao aprovar, em 08 de setembro de 2010, o parecer de autoria do ilustre magistrado Roberto Maia Filho, por meio de decisão do Excelentíssimo Senhor Desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares, que lhe atribui caráter normativo, acolheu a exortação do Corregedor Nacional da Justiça, com adoção das providências pertinentes (fls. 40/50 e 51).

Admitida a recepção do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709, de 7 de outubro de 1971(2), pela Constituição de 1988, determinou-se aos tabeliães de notas e aos oficiais de registro a observação dos artigos 10, 11 e 12 da Lei referida(3), mesmo em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros não residentes no país ou a pessoas jurídicas estrangeiras sediadas no exterior.

Contudo, recentemente, o Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento ocorrido em 12 de setembro de 2012, em que ficou vencido apenas o Excelentíssimo Senhor Desembargador Ribeiro da Silva, estabeleceu, à luz do venerando acórdão sufragado pela expressiva maioria de seus membros, que o § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 não foi recepcionado pela CF/1988 (Mandado de Segurança n.º 0058947-33.2012.8.26.0000, relator Desembargador Guerrieri Rezende).

Respeitadas as abalizadas compreensões em sentido contrário, fundadas, particularmente as acima mencionadas, em substanciosos fundamentos, penso acertada a posição firmada pelo Colendo Órgão Especial, que, no exercício de atribuição jurisdicional delegada da competência do pleno do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, concretizou, com a devida vênia, a interpretação que melhor se afina com a ideologia constitucional.

A regra do artigo 190 da CF/1988, ao dispor que "a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional" (grifei) - em dispositivo inserido no Capítulo III (Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária) do Título VII (Da ordem econômica e financeira) da Carta Magna -, impôs restrição à apropriação privada e, portanto, à livre iniciativa, inspirado na soberania nacional, fundamento da nossa República e princípio da ordem econômica (artigos 1.º, I, e 170, I, da CF/1988(4)), e com a finalidade de garantir o desenvolvimento nacional, um dos objetivos de nosso País (artigo 3.º, II, da CF/1988(5)).

Agora, tal restrição pontual, embora confortada por princípios constitucionais fundamentais e setoriais, que justificam, num juízo de ponderação, o afastamento de outros, também fundamentais e setoriais, não comporta alargamento, tampouco interpretação ampliativa que, creio, tornaria injustificável, num balanceamento dos bens em conflito, a sucumbência do princípio da livre iniciativa, também fundamento da República brasileira e da ordem econômica (artigos 1.º, IV, e 170, caput, da CF/1988(6)), do solidarismo, uma das diretrizes de nosso País (artigo 3.º, I, da CF/1988(7)), e da garantia do direito de propriedade (artigo 5.º, XXII, da CF/1988(8)), igualmente princípio setorial da ordem econômica (artigo 170, II, da CF/1988(9)).

Quero dizer: não deve recair sobre pessoas jurídicas brasileiras - constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País -, ainda que a maioria do capital social delas se concentre sob o poder de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, com residência e sede no exterior, respectivamente.

A circunstância do controle da pessoa jurídica brasileira ser exercido por estrangeiros não é, à luz da Constituição de 1988, fator discriminatório legítimo entre pessoas jurídicas brasileiras: não o é, realce-se, para impor restrições, limitações à apropriação privada, mas, em certas situações, poderá sê-lo para definir benefícios, incentivos, o que é diverso.

Na trilha do lapidar trabalho monográfico de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o princípio da igualdade, afirmo: malgrado existente, em abstrato, justificativa racional para, considerada a nacionalidade dos detentores da maioria do capital social da empresa, conferir tratamento jurídico diverso entre pessoas jurídicas brasileiras, é certo que, in concreto, para fins de apropriação privada de imóvel rural, tal discrímen é ilegítimo em face do texto constitucional. Na sua justa obtemperação:

importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação conseqüente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição(10).

Aliás, para resguardar efetiva eficácia à posição a qual não se adere, seria necessário estender ainda mais a restrição focalizada, contemplando não apenas o controle interno ordinário, estabelecido à vista da propriedade acionária, da propriedade das quotas sociais, mas, também, outras formas de manifestação do poder de controle: o controle interno não ordinário e o controle externo. Explico-os, com recurso à lição de Luís Roberto Barroso, que se escora em outros ilustres doutrinadores:

O poder de controle interno ordinário é aquele exercido em função da propriedade acionária. Como registra Fábio Konder Comparato em estudo clássico sobre o assunto, datada de 1983: "À primeira vista, o controle interno, isto é, aquele cujo titular atua no interior da própria sociedade, parece fundar-se unicamente na propriedade acionária. Sua legitimidade e intensidade dependeriam, em última análise, do número de ações ou votos de que se é titular, proporcionalmente à totalidade dos sufrágios possíveis". O controle interno não ordinário se verifica quando o poder de comando empresarial já não deriva da propriedade acionária, fundando-se, de forma diversa, em acordo de acionistas, contratos ou outros expedientes legais.
O chamado controle externo, por sua vez, é o poder de controle exercido de fato sobre a sociedade, independentemente de suas estruturas sociais. Nos termos consagrados pela jurisprudência norte-americana, trata-se de uma influência dominante que pode ser exercida por meios diversos do voto. Sobre o controle externo, Fábio Konder Comparato registra que "o controlador, no caso, não é necessariamente nem membro de qualquer órgão social, mas exerce o seu poder de dominação ab extra". O controle externo pode resultar, por exemplo, de uma situação de endividamento da sociedade, passando o credor a comandar o negócio da devedora. A doutrina identifica diversos outros exemplos de mecanismos que ilustram o controle externo. ...
... Em qualquer caso, a doutrina sublinha que o conceito formal de controle como sinônimo de titularidade da maioria das ações ordinárias não é suficiente, em muitas ocasiões, para lidar com os movimentos empresariais modernos(11). (grifei)

Entretanto, o texto constitucional não possibilita tão elástica compreensão. A limitação admitida pelo poder constituinte originário tomou por fundamento a nacionalidade da pessoa jurídica, não a do seu capital social, e tampouco a dos que exercem o poder de controle, em qualquer uma de suas manifestações. A noção de capital é distinta do conceito de empresa. E o poder constituinte, ao referir-se ao controle dos investimentos de capital estrangeiro, o fez em outro dispositivo constitucional (artigo 172(12)), com alusão à lei de regulamentação, cuja função é estranha à da Lei n.º 5.709/1971.

De todo modo, ainda sob a visão do entendimento preterido, ferir-se-ia o princípio da isonomia - com atribuição de regramentos distintos para situações equivalentes -, se, para fins de limitação de aquisição de propriedade rural por estrangeiro, fosse levado em conta somente o poder de controle interno ordinário.

Mas, para incluir as demais formas de manifestação do poder de controle, far-se-ia equiparação sequer autorizada pelo texto do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 e, para piorar, alargando a restrição à livre iniciativa e ao direito de propriedade. Trata-se de mais um sinal da sua não recepção pela nova ordem jurídica fundante: a sua aplicação compromete a unidade lógica, a coerência do sistema jurídico.

Ademais, a Lei n.º 5.709/1971 e o Decreto que a regulamenta (n.º 74.965, de 26 de novembro de 1974) não têm mecanismos que permitam fiscalizar e controlar a aquisição de imóveis rurais por pessoas jurídicas brasileiras equiparadas às estrangeiras em função da nacionalidade dos que exercem o poder de controle interno não ordinário ou o poder de controle externo.

Cuida-se de outro sinal, sintoma, da insubsistência da equiparação com propósito limitativo de direitos. Denota que, para fins de apropriação privada de bem imóvel rural, a equiparação não tem amparo na Constituição de 1988. Se tivesse, as necessárias modificações, com alterações indispensáveis à adaptação da vetusta lei infraconstitucional aos movimentos empresariais contemporâneos, teriam sido implementadas.

Sob outro prisma, a regra emergente do artigo 171 da CF/1988(13), revogado pela Emenda Constitucional n.º 6, de 15 de agosto de 1995(14), ao conceituar a empresa brasileira e a empresa brasileira de capital nacional, de maneira a distingui-las pela titularidade de seu controle efetivo, de fato e de direito, o fez com a finalidade de conceder à última delas proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País, e prever, em seu favor, tratamento preferencial, na aquisição de bens e de serviços pelo Poder Público.

O exame do dispositivo revela, em primeiro lugar, que o constituinte, não ignorando as distintas formas de manifestação do poder de controle, tratou de modo diferenciado, quando quis, e de forma expressa, a empresa brasileira de capital nacional e a empresa brasileira com controle centralizado em mãos estrangeiras. Dessa forma, ao confrontarmos os artigos 171 e 190 - com este referindo-se exclusivamente à pessoa jurídica estrangeira -, infere-se a não recepção da regra do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971: a equiparação por ela levada a cabo restou desautorizada.

Além disso, e também em reforço da não recepção, nota-se que o discrímen é válido para instituir benefício, privilégio, proteção especial, tratamento diferenciado às empresas brasileiras de capital nacional, mas não para limitar direitos nem, particularmente, o acesso de empresas brasileiras sob controle efetivo estrangeiro à propriedade imobiliária rural. O foco, nessa hipótese, é a empresa brasileira de capital nacional, é uma ação, uma intervenção estatal em prol dela, e não, portanto, a empresa sob controle alienígena, tampouco a imposição de uma limitação de direito a esta.

Em outras palavras: com vistas ao desenvolvimento econômico e à soberania econômica nacional, idealizou-se e projetou-se, para tanto, o estabelecimento de privilégios, benefícios e de incentivos às empresas brasileiras de capital nacional - este é o instrumental -, não as restrições e as limitações de direitos. Reflexo disso, a propósito, é a redação original do § 1.º do artigo 176(15) (modificada pela EC n.º 6/1995(16)), que reservou aos brasileiros e às empresas brasileiras de capital nacional a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica.

Com a EC n.º 6/1995, a incompatibilidade vertical do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 fica mais manifesta. Se houvesse compatibilidade com o novo texto constitucional, a sua aplicação, de qualquer forma, estaria vedada, pois inadmissível o efeito repristinatório, a restauração da eficácia da regra revogada, salvo expressa referência, inocorrente, na lei revogadora da que revogou aquela.

No entanto, sequer essa é a hipótese. A modificação introduzida prestigiou, na realidade, a não recepção. Ao alterar as redações do inciso IX do artigo 170(17) e do § 1.º do artigo 176 e ao revogar o artigo 171 e, especialmente, a definição constitucional distintiva da empresa brasileira de capital nacional, evidenciou, mais fortemente, a inadmissibilidade de restrição à apropriação privada orientada, não pela nacionalidade da pessoa jurídica, mas pela dos que detém o seu controle efetivo.

Não se pretende, aqui - seara inadequada -, discutir a viabilidade do legislador infraconstitucional instituir tratamento diferenciado e incentivos às empresas brasileiras de capital nacional. Mas, sim, realçar que o fim da definição constitucional distintiva reafirma a inadmissibilidade das limitações de direitos guiadas pela nacionalidade do poder de controle das empresas brasileiras, assim compreendidas aquelas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.

Seguramente, fragilizou a força argumentativa em prol da equiparação feita pelo § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971. A mensagem transmitida pela emenda constitucional é em outro sentido. Proíbe, in concreto, que, a pretexto da tutela da soberania nacional, da integridade do território, da segurança do Estado e da garantia do desenvolvimento nacional, ampliem-se, em detrimento da livre iniciativa e da apropriação privada das pessoas jurídicas brasileiras sob controle estrangeiro, as restrições ao acesso à propriedade rural.

Diante da situação tensiva examinada, estes últimos valores constitucionais (a livre iniciativa e a propriedade privada) prevalecem, sopesados os princípios em rota de colisão, sobre os primeiros (a soberania e o desenvolvimento nacional): enfim, à luz dos ensinamentos de Robert Alexy(18), têm, em concreto, maior peso e, com isso, precedência.

Eros Grau, para quem ainda é possível assegurar um tratamento diferenciado às empresas brasileiras de capital nacional, refere-se, ao desenvolver seu raciocínio, apenas às concessões de incentivos, jamais - é sintomático -, a eventuais restrições àquelas controladas por estrangeiros não residentes ou sediados no exterior:

À revogação do art. 171 e seus parágrafos correspondeu a revogação de uma permissão forte para incentivos (§ 1.º) e de um dever de diferenciação (§ 2.º). Nada senão isso, nada mais do que isso.
Não obstante essa revogação, de permissão forte para incentivos, a Constituição [que se deve interpretar em seu todo, não em tiras] contempla permissão fraca para incentivos, no setor (atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País, especialmente em setores imprescindíveis ao desenvolvimento tecnológico nacional).
Assim, da revogação da permissão forte no § 1.º do art. 171 não decorre proibição da concessão dos incentivos; ela apenas transforma o direito, no sentido de admitir possam surgir regras que conformem o âmbito da permissão fraca [v.g., uma lei que estabeleça limites para a concessão dos incentivos].
Em suma: parece-me inquestionavelmente óbvio não importar, a revogação do art. 171, vedação à concessão, pela lei ordinária, de incentivos a empresa brasileira diferenciada pela circunstância de ser pessoa jurídica constituída e com sede no Brasil, cujo controle efetivo esteja, em caráter permanente, sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno - entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade direta ou indireta de, no mínimo, 51% (cinqüenta e um por cento) do capital com direito a voto e o exercício, de fato ou de direito, do poder decisório para gerir suas atividades, inclusive as de natureza tecnológica(19). (grifei)

De mais a mais, ainda que, na possibilidade de um tratamento diferenciado, vislumbre-se, a contrario sensu, a admissibilidade de restrições em função da nacionalidade estrangeira dos detentores do poder de controle da empresa brasileira, aquelas jamais poderiam ser genéricas.

Jamais, creio, poderiam contemplar a limitação à apropriação privada plasmada no § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971, que, desprezando a reserva legal qualificada, é dissociada de qualquer propósito específico voltado ao atendimento e ao fomento de atividades estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País.

Trata-se de restrição incondicionada a certo fins. É desprovida de vocação própria, particular, direcionada a planos e a programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento (artigo 48, IV, da CF(20)). Há, em suma, sob esse ângulo, mais um fundamento para rejeitar a recepção da regra pela Constituição de 1988.

É certo, por outro lado, que a vontade do legislador nem sempre é um confiável guia hermenêutico. No caso concreto, contudo, porque preserva a unidade da Constituição, porque alinhada com a ideologia constitucional, a exposição de motivos n.º 37, de 16 de fevereiro de 1995, que instruiu a proposta de aperfeiçoamento do texto constitucional que culminou com a edição da EC n.º 6/1995, respalda a tese da não recepção:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, (...).
2. A proposta tenciona eliminar a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional e o tratamento preferencial concedida a esta última. Para tanto, firma-se o conceito da empresa brasileira como aquela constituída sob as leis brasileiras e com sede e administração no País.
3. A discriminação ao capital estrangeiro perdeu sentido no contexto de eliminação das reservas de mercado, maior interrelação entre as economias e necessidades de atrair capitais estrangeiros para complementar a poupança interna. Com relação ao tratamento preferencial nas aquisições de bens e serviços por parte do Poder Público, a proposta corrige imperfeição do texto constitucional, passando a favorecer os produtos produzidos e os serviços prestados no País, ao invés de empresas classificadas segundo a origem do capital. Com isto, pretende-se restabelecer o importante instrumento de compra do Estado para estimular a produção, emprego e renda no País. É digno de nota que a proposta vincula o tratamento preferencial conferido aos produtos e serviços produzidos internamente à igualdade de condições (preços, qualidade, prazos etc.) entre os concorrentes. (...).
5. Note-se que as alterações propostas não impedem que o legislador ordinário venha a conferir incentivos e benefícios especiais a setores considerados estratégicos, inexistindo qualquer vedação constitucional nesse sentido.
6. Com o mesmo escopo, a Emenda efetua alteração no § 1.º do art. 176, (...). Pretende-se, assim, viabilizar a atração de investimentos estrangeiros para o setor de mineração e energia elétrica, mantido o controle da União mediante autorização ou concessão.
7. Julgamos, Senhor Presidente, que as alterações propostas irão ao encontro do projeto de desenvolvimento econômico e social propugnado por Vossa Excelência manifestando-se compatível com a construção de uma economia mais moderna, dinâmica e competitiva. (...).

Pode discordar-se, criticar-se o espírito que moveu o constituinte da reforma, como o fez Paulo Bonavides, quando destacou que as mudanças promovidas se inserem "no esquema de desnacionalização da economia brasileira, fomentada pelo neoliberalismo instalado no poder", abrem a economia do País "à invasão do capital estrangeiro" e acarretam, "de certo modo, uma eventual desnacionalização do subsolo e dos potenciais de energia hidráulica"(21). Nada obstante, descabe ignorá-lo, em síntese, desprezar as alterações operadas, mormente se harmônicas com o texto constitucional.

Calha, nesse momento, a observação de José Ortega y Gasset:

a ninguém é dado escolher o mundo em que se vive; é sempre este, este de agora. Não podemos escolher o século nem a jornada ou data em que vamos viver, nem o universo em que nos vamos mover. O viver ou ser vivente, o que é o mesmo, o ser homem não tolera preparação nem prévio ensaio. A vida nos é disparada a queima-roupa(22).

Por fim, convém acentuar que, à época da edição da Lei n.º 5.709/1971 e do Decreto n.º 74.965/1974, vigia a Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, que, no § 34 do seu artigo 153(23), era bem mais restritiva em matéria de apropriação privada de bem imóvel rural: ao contrário da regra constitucional vigente, com referência exclusiva aos estrangeiros, a revogada previa que a lei ordinária, ao regular a aquisição de propriedade rural, estabeleceria condições, restrições, limitações e outras exigências, mesmo para os brasileiros.

Naquele cenário, consequentemente, era aceitável a equiparação promovida pelo § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971. Aliás, o legislador poderia ter ido além. O texto constitucional possibilitava previsões ainda mais restritivas. Contudo, alterado o quadro jurídico, sob o influxo de novos valores ideológicos, políticos, sociais, econômicos e culturais cultivados pela sociedade, inexiste espaço para recepção questionada.

Por tudo isso, sustento, é necessária a mudança de orientação desta Corregedoria. Inclusive, fundada aquela em recomendação da Douta Corregedoria do Colendo Conselho Nacional de Justiça, a sugestão, penso, não encontra óbice no decidido nos autos do pedido de providências n.º 0002981-80.2010.2.00.0000.

Pelo todo exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência propõe - a reboque da posição sufragada pelo Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo -, a revisão da orientação normativa definida com a aprovação do parecer n.º 250/10-E, lavrado nestes autos (fls. 77/87 e 88), e, assim, o reconhecimento de que o § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de sorte a dispensar os tabeliães e oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.º 5.709/1971 e pelo Decreto n.º 74.965/1974, bem como do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior.

Se aprovado, sugiro, diante da relevância do tema e da orientação normativa ainda hoje prevalecente, a publicação do parecer, para conhecimento geral e, particularmente, dos tabeliães e oficiais de registro.

Sub censura.

São Paulo, 3 de dezembro de 2012.

Luciano Gonçalves Paes Leme
Juiz Assessor da Corregedoria

(1) Artigo 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República. § 1.º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. § 2.º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenha ciência.
Artigo 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República. (grifei)
(2) Artigo 1.º. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei. § 1.º Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior. (grifei)
(3) Artigo 10. Os Cartórios de Registro de Imóveis manterão cadastro especial, em livro auxiliar, das aquisições de terras rurais por pessoas estrangeiras, físicas e jurídicas, no qual deverá constar: I - menção do documento de identidade das partes contratantes ou dos respectivos atos de constituição, se pessoas jurídicas; II - memorial descritivo do imóvel, com área, características, limites e confrontações; e III - transcrição da autorização do órgão competente, quando for o caso.
Artigo 11. Trimestralmente, os Cartórios de Registros de Imóveis remeterão, sob pena de perda do cargo, à Corregedoria da Justiça dos Estados a que estiverem subordinados e ao Ministério da Agricultura, relação das aquisições de áreas rurais por pessoas estrangeiras, da qual constem os dados enumerados no artigo anterior. Parágrafo único. Quando se tratar de imóvel situado em área indispensável à segurança nacional, a relação mencionada neste artigo deverá ser remetida também à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Artigo 12. A soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá ultrapassar a um quarto da superfície dos Municípios onde se situem, comprovada por certidão do Registro de Imóveis, com base no livro auxiliar de que trata o art. 10. § 1.º As pessoas da mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias, em cada Município, de mais de 40% (quarenta por cento) do limite fixado neste artigo. § 2.º Ficam excluídas das restrições deste artigo as aquisições de áreas rurais: I - inferiores a 3 (três) módulos; II - que tiverem sido objeto de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão ou de promessa de cessão, mediante escritura pública ou instrumento particular devidamente protocolado no Registro competente, e que tiverem sido cadastradas no INCRA em nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969; III - quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens. § 3.º O Presidente da República poderá, mediante decreto, autorizar a aquisição, além dos limites fixados neste artigo, quando se tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos de desenvolvimento do País.
(4) Artigo 1.º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; (...).
Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; (...).
(5) Artigo 3.º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...); II - garantir o desenvolvimento nacional; (...).
(6) Artigo 1.º. (...): (...); IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...).
Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, (...).
(7) Artigo 3.º. (...): I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.
(8) Artigo 5.º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...); XXII - é garantido o direito de propriedade; (...).
(9) Artigo 170. (...): (...); II - propriedade privada; (...).
(10) Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 22.
(11) Transferência de controle acionário de empresa de telecomunicações. Restrições legais e administrativas. In: Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 341-362. t. III. p. 345-347.
(12) Artigo 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.
(13) Artigo 171. São consideradas: I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país; II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades. § 1.º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional: I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do país; II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos: a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia; b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou entidades de direito público interno. § 2.º Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional.
(14) Artigo 3.º. Fica revogado o art. 171 da Constituição Federal.
(15) Artigo 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
(16) Artigo 176. (...). § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (grifei)
(17) Artigo 170. (..); IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. (...). (redação original)
Artigo 170. (...); IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (...). (redação dada pela EC n.º 6/1995) (grifei)
(18) Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93-103.
(19) A ordem econômica na Constituição de 1988. 7.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 305.
(20) Artigo 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...); IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; (...).
(21) Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 613.
(22) O homem e a Gente: inter-comunicação humana. Tradução de J. Carlos Lisboa. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americana, 1973. p. 81.
(23) Artigo 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). § 34. A lei disporá sobre a aquisição da propriedade rural por brasileiro e estrangeiro residente no país, assim como por pessoa natural ou jurídica, estabelecendo condições, restrições, limitações e demais exigências, para a defesa da integridade do território, a segurança do Estado e justa distribuição da propriedade.

(DJE 11/12/2012)


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Faixa de Fronteira - Penhor Rural de Ativo Florestal




SITUAÇÃO

Registro de penhor rural (agrícola) no Livro 3 do Registro de Imóveis; objeto do penhor: madeira de corte (floresta em fase crescimento); imóvel em Faixa de Fronteira; credor pignoratício: empresa brasileira sob controle estrangeiro.

1) Conceito de bem imóvel

O artigo 79 do Código Civil define o conceito de bem imóvel, que engloba o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Por esse conceito, um imóvel rural hipotético é composto pelo um conjunto formado pelos seguintes itens (cada um com seus respectivos valores):

  • pela terra nua (uma área de 20 hectares)
  • pela plantação nela existente (10 hectares de eucalipto + 2 hectares de soja)
  • pela floresta nativa (1 hectare de mata virgem na APP às margens de um córrego)
  • pelas construções (1 paiol, 1 silo, 1 casa sede e 1 piscina)

Se esse imóvel for alienado, o adquirente integrará ao seu patrimônio todos esses itens, ou seja, “o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Portanto, o valor do negócio jurídico abrange todo esse conjunto e não apenas o da terra nua.

2) Alienação de imóvel com ativo florestal

As empresas que atuam com ativo florestal costumam adquirir imóveis com tais culturas dividindo o contrato em duas partes: uma para a aquisição da terra nua e outra para a aquisição do ativo florestal.
O intuito é bastante claro: pagar menos ITBI (imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos, de competência municipal). O argumento dessas empresas é que se trata de simples "elisão fiscal" (opção pela forma que gera menos tributo a pagar). 
No entanto, no ponto de vista do poder tributante (e, no fundo, da própria lei), trata-se de sonegação fiscal, haja vista que a divisão do negócio jurídico em dois contratos configura um negócio simulado com o evidente intuito de "evasão fiscal".
Não há dúvida de que o fato gerador do ITBI é a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física. São bens imóveis por natureza o solo e tudo aquilo que lhe incorporar naturalmente ou artificialmente. Nesse conceito, entram o solo, o subsolo, as árvores enquanto não separadas do solo, os frutos pendentes, as construções e o espaço aéreo.
No entanto, na hipótese de se alienar o imóvel (o bem de raiz), o ITBI incidirá não apenas sobre os valores da terra nua, mas também sobre os valores da construção existente (que pode até vir a ser demolida e ter suas partes reaproveitadas pelo seu novo titular) e sobre os valores de uma floresta de eucaliptos nele existente (que, um dia, será cortada e comercializada como madeiramento), pois ambos são acessões e, segundo o cristalino mandamento constitucional (CF/88, artigo 156, inciso II) , integram a base de cálculo do tributo.
Além disso, uma floresta de eucaliptos não se resume apenas a uma certa quantidade de madeira. Isso porque uma cepa de eucalipto (parte da árvore que fica viva no solo, após o corte de seu caule) produz de 2 a 3 rebrotas, ou seja, uma mesma plantação de eucalipto permite de 3 a 4 colheitas de madeira (ciclo médio de 6 anos); portanto, quem adquirir o imóvel adquire não apenas o futuro bem móvel “madeira de corte” (a próxima colheita), mas também a sua cepa (sempre fixa ao solo; portanto, bem imóvel por acessão), que permitirá a quem for o titular do direito real de propriedade a colheita de muitos frutos nos próximos 24 anos. Portanto, mesmo que a madeira tivesse já tivesse sido cortada, isso não diminuiria o valor do imóvel, que inclui o valor da cultura florestal.

3) Alienação do ativo florestal

O objeto de um negócio jurídico deve ser lícito, possível e determinável. Portanto, não precisa ser determinado no momento da realização do contrato, mas deve ser determinável no momento de sua execução. Nos contratos aleatórios, a determinação do objeto é postergada a um momento futuro, havendo neste caso uma incerteza sobre a possibilidade ou não de determinação, haja vista o risco ser da essência dessa espécie de contrato.
Um exemplo é a aquisição de safra futura, contrato muito comum envolvendo usinas de álcool e açúcar com o produtor de cana-de-açúcar. O preço costuma ser fixado por hectare de plantação, apesar de haver o risco de parte da safra ser prejudicada em decorrência de infortúnios climáticos ou de outra natureza. Isso ocorre também com a aquisição de ativo florestal (madeira de corte).
Portanto, o objeto desse contrato é a “madeira” que, num momento futuro, será separada do solo, caso tal floresta ainda exista. O objeto desse contrato de risco é a “madeira separada do solo”, classificada pela lei como bem móvel.
Conforme vários acórdãos, a alienação pura e simples da madeira, mesmo quando feita por antecipação (enquanto as árvores ainda estão ligadas ao solo), não configura, por si só, o fato gerador do ITBI. Da mesma forma, também não incide ITBI a venda de material de demolição (telhas, portas, janelas, tijolos, madeiramento) retirado de uma construção existente num determinado imóvel, mesmo que o contrato seja feito antes de essa construção ser efetivamente demolida. 
Trata-se de situação diversa da alienação do bem de raiz, que leva consigo as acessões (o valor engloba o solo e suas acessões; incide ITBI); mas a venda das acessões não acarreta da alienação do imóvel, pois “accessio cedat principali” (o acessório segue o principal), mas o principal (o imóvel) não segue o destino de suas acessões (a madeira que será extraída da plantação de eucalipto).
Portanto, a alienação de safra futura, plantada em imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira, a empresa de capital estrangeiro não configura fato gerador da exigência do prévio assentamento do Conselho de Defesa Nacional.

4) Penhor de ativo florestal

Dos direitos reais, é a propriedade o seu ápice, em que o titular possui a amplitude máxima dos poderes inerentes a um determinado bem (“plena in re potestas”). 
A propriedade possui o atributo da elasticidade, composto pelos fenômenos do desmembramento e da consolidação, pois todos os demais direitos reais são dela derivados e, ao serem constituídos, carregam consigo parcelas de poder do domínio, sem contudo desconfigurá-lo.
Pelo fenômeno do desmembramento, alguns poderes ou utilidades do direito de propriedade são destacados e utilizados para a constituição do novo direito real, ou seja, parte dos poderes é transferida para a constituição do direito real derivado, permanecendo o remanescente no domínio.
O penhor é um direito real derivado do direito de propriedade, ou seja, trata-se de um direito menor, que nasceu vocacionado à extinção, pois a sua existência só se justifica para atender a uma situação transitória e especial (garantir o negócio jurídico principal). Portanto, todos os poderes e faculdades transferidas na constituição desse direito real derivado, quando da extinção, retornam ao conjunto original, tornando plena a propriedade (fenômeno da consolidação).
Portanto, apesar de propriedade e penhor serem direitos reais, o penhor é uma mera derivação daquela, tendo, portanto, uma valoração menos acentuada.
Diante do exposto, conclui-se que, se a aquisição da propriedade de ativo florestal não se enquadra nas regras restritivas da legislação que trata de Faixa de Fronteira e de estrangeiros, não haveria lógica nenhuma interpretar que sobre o penhor incidiria essa obrigação.

5) Incidência da Lei sobre Faixa de Fronteira

O objeto desses contratos (de alienação ou garantia) não é o bem imóvel, mas sim um bem móvel, a "madeira de corte", a qual pode ainda não existir mas já é determinável, sem que isso desconfigure a natureza de seu objeto. O objeto do negócio jurídico não é o que existe hoje (a floresta plantada), mas o que existirá no momento do corte das árvores (toras de madeira).
É o mesmo que ocorre na encomenda de um bolo de aniversário. O objeto do contrato, entre o cliente e a confeitaria, é o bolo. Apesar de tal bolo ainda não ter sido confeccionado (ele ainda não existe), o objeto do contrato continua sendo um bolo e não os ingredientes que estão separados na cozinha para a sua futura confecção.
A legislação sobre Faixa de Fronteira impõe restrições apenas às seguintes hipóteses envolvendo imóvel rural e estrangeiros:

  • transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel (Lei nº 6.634/1979, art. 2º, V);
  • participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural (Lei nº 6.634/1979, art. 2º, VI); e
  • negócios jurídicos que, direta ou indiretamente, implicarem obtenção da posse, do domínio ou de qualquer outro direito real sobre imóvel rural situado na Faixa de Fronteira (Decreto nº 85.064/80, art. 29).

Resumindo, a legislação impõe restrições apenas para as seguintes situações jurídicas incidentes sobre imóvel rural:

  • domínio (aquisição da propriedade);
  • qualquer outro direito real (hipoteca, usufruto, servidão, etc.); e
  • posse (comodato, arrendamento, locação).

O objeto do penhor é bem móvel, tanto que o Código Civil dispõe que a constituição dessa garantia ocorre com a efetiva transferência da posse do bem ao credor (artigo 1.431). No entanto, para que tal direito real de garantia não esvazie demais o direito matriz (que é o direito da propriedade) e para viabilizar a utilização de bens cuja determinação é postergada a um momento futuro (contratos aleatórios), a lei prevê que, nas hipóteses de penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

Conclusão

O objeto de garantia do penhor agrícola é a madeira (que será cortada após o crescimento da floresta), bem classificado pela lei como bem móvel; portanto, essa espécie de contrato não configura nenhuma das hipóteses restritivas da Lei nº 6.634/1979 (Lei sobre Faixa de Fronteira). 


Eduardo Augusto
Diretor de Assuntos Agrários do IRIB
Registrador Imobiliário em Conchas-SP




Faixa de Fronteira - Aquisição Indireta de Imóvel por Empresa Estrangeira



SITUAÇÃO: 

Requerimento para averbação nas matrículas sobre a alteração de constituição de capital social de uma S.A., proprietária de diversos imóveis rurais na Faixa de Fronteira, no Estado do Rio Grande dpo Sul, cujo controle acionário foi adquirido por uma empresa norte-americana; houve apenas o assentimento do Conselho de Defesa Nacional. 

1) Aquisição de Imóvel Rural 

A pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, ou a pessoa jurídica brasileira a ela equiparada (Lei nº 5.709/1971, artigo 1º, §1º), só poderá adquirir ou arrendar imóvel rural destinado à implantação de projetos agrícolas, pecuários, florestais, industriais, turísticos ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários ou contratuais, conforme o caso (artigo 5º). 
Se a utilização desses imóveis for, por exemplo, para projetos agrícolas ou pecuários, a competência para emitir a autorização é do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), passando o procedimento pelo INCRA tão somente pela sua competência legal de cadastramento dos imóveis rurais, tanto no aspecto geral (SNCR - sistema nacional de cadastro rural) como no específico (controle de imóveis rurais com estrangeiros). O rito procedimental consta da Instrução Normativa INCRA nº 70, de 6/12/2011. 
Por se tratar de imóvel rural localizado em Faixa de Fronteira, incide também a exigência do prévio assentimento do Conselho de Defesa Nacional (Lei nº 5.709/1971, artigo 7º; e Lei nº 6.634/1979, artigo 2º). 

2) Aquisição Indireta de Imóvel Rural

O caso em estudo trata de uma aquisição indireta de imóveis rurais, uma vez que o negócio jurídico efetivamente ocorrido foi a aquisição de ações de uma empresa que é titular de imóveis rurais. Os dados aqui tratados são reais, sendo fictícias apenas as denominações das empresas.
A empresa proprietária dos imóveis rurais é uma sociedade por ações de capital fechado (Agrícola S.A.). A totalidade de suas ações está dividida em dois únicos acionistas, uma empresa brasileira de capital integralmente nacional (Brasil Ltda, que detém 51% das ações) e uma outra empresa brasileira de controle estrangeiro (Gringo Ltda, que detém 49% das ações). Portanto, a Agrícola S.A., proprietária dos imóveis rurais, é uma empresa brasileira sob controle nacional.
Situação Hipotética: se, por exemplo, a Brasil Ltda tivesse vendido a totalidade de suas ações para a Gringo Ltda, o controle direto seria de uma empresa brasileira, não importando o fato de esta ser controlada por estrangeiro. Nessa hipótese, não incidiriam as regras de caráter restritivo sobre aquisição de imóvel rural por estrangeiros nem as regras da legislação sobre Faixa de Fronteira.


Figura 1 - Situação Hipotética.

No entanto, não foi esse o ocorrido. A alteração societária foi representada pela alienação do lote de 51% das ações pela Brasil S.A. (empresa controladora) a uma empresa estrangeira (USA 2), a qual também é a acionista controladora da Gringo Ltda, titular do lote de 49% das ações. 

Figura 2 - Situação Real.

Em decorrência dessa aquisição, a Agrícola S.A. teve sua situação jurídica modificada, de empresa brasileira sob controle nacional para empresa brasileira sob controle estrangeiro. Isso não ocorreria se, por exemplo, a Brasil Ltda tivesse vendido a totalidade de suas ações para a Gringo Ltda, pois o controle direto seria de uma empresa brasileira, não importando o fato de esta ser controlada por estrangeiro.
Tecnicamente, não houve mudança da titularidade dos imóveis (Agrícola S.A. continua proprietária de todos os seus bens); houve apenas mudança no controle acionário dessa empresa, antes de capital nacional e agora sobre controle estrangeiro. Portanto, tais imóveis rurais estão, agora, na titularidade de uma empresa equiparada a estrangeiro, incidindo assim a legislação restritiva.

3) Procedimento Cabível


Foi obtido apenas o assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional (artigo 2º da Lei nº 6.634/1979 e  artigo 34 do Decreto nº 85.064/1980). 
Questão: Há necessidade de procedimento perante o INCRA?

O assentimento prévio do CDN não supre as demais autorizações exigidas pela lei. Compete ao Conselho de Defesa Nacional analisar tão somente a possibilidade de ofensa ou ameaça à soberania nacional, à independência nacional e à defesa do estado democrático de direito. Outras análises, que são absolutamente necessárias, a legislação conferiu tal competência a outros órgãos e instituições.
A lei também exige a análise técnica e econômica do projeto agrícola, pecuário, florestal, industrial, turístico ou de colonização, que será feita pelo órgão ou instituição indicado pela norma legal. Assim, compete ao Ministério da Indústria e do Comércio Exterior, a análise dos projetos industriais; ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dos projetos agrícolas e pecuários; ao Ministério do Turismo, os de sua área; e assim por diante. O procedimento deve seguir os trâmites indicados pela Instrução Normativa INCRA nº 70, de 6/12/2011, uma vez que compete àquela autarquia federal o cadastro de todos os imóveis rurais do país e, também, o controle das áreas rurais em poder de estrangeiros.
A autorização dada pelo Conselho de Defesa Nacional é muito clara no sentido de que ela não supre outras autorizações necessárias, conforme as seguintes ressalvas constantes do relatório que acompanha o referido ato administrativo de assentimento:
item 5.10.8: a empresa deve adotar as medidas devidas no sentido de obedecer o preceito legal (Lei nº 8.629/1993, artigo 23, §2º) e, em tal sentido, reduzir o quantitativo em hectares ao limite de 100 MEI, ou seja, 11.000 hectares, de sua propriedade, no Município de Cacequi-RS;

  • item 5.10.13: oficiar aos cartórios de registro para cientificá-los da participação estrangeira para providências cabíveis no âmbito de sua competência (reconhecimento da competência do registrador para fiscalizar o cumprimento de outras exigências legais);
  • item 7.7: concessão do assentimento prévio com ressalva de não se tratar de ato que regulariza exercício de atividade empresarial (ou seja, não se analisou o projeto de utilização dos imóveis rurais);
  • item 8.4: oficiar ao INCRA para cientificá-lo do presente assentimento, considerando que a transação resulta na aquisição indireta de imóveis rurais por empresa estrangeira (reconhecimento da competência do Incra para as demais providências quanto ao tema).

Por fim, mesmo que tal relatório não trouxesse essas oportunas e bem colocadas ressalvas, a legislação é suficientemente clara quanto à necessidade de processamento do pedido nos termos da Instrução Normativa INCRA nº 70, de 6/12/2011.

Conclusão

Mesmo nos casos de aquisição indireta de imóvel rural, o assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional não desonera a empresa estrangeira (ou a ela equiparada) de cumprir as demais obrigações impostas pela Lei nº 5.709/1971.

Eduardo Augusto
Diretor de Assuntos Agrários do IRIB
Registrador Imobiliário em Conchas-SP



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

INCRA reformula o Procedimento de Certificação de Imóveis Rurais





A cooperação institucional existente entre IRIB e INCRA resultou em mais uma importante reformulação na legislação do georreferenciamento, visando a agilização de todo o sistema.
No final do ano passado, a Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária regulamentou, pela Norma de Execução nº 105/2012, o procedimento de certificação dos imóveis rurais, determinando que a análise do georreferenciamento ficará restrita ao atendimento do § 5º do artigo 176 da Lei de Registros Públicos, ou seja, será verificado se a poligonal objeto de análise não se sobrepõe a nenhuma outra constante do cadastro georreferenciado do INCRA e se o memorial descritivo atende às exigências técnicas.
Ou seja, trata-se de um importante e necessário passo para viabilizar a informatização do procedimento, que esbarrava na equivocada necessidade de se conferir a titularidade e as confrontações, atividade jurídica de competência do registrador imobiliário.
Essa proposta foi feita pelo IRIB no final de 2011, com base nos seguintes argumentos:
Visando a facilitar a atuação do INCRA e a corrigir uma grave falha no texto atual do Decreto, o IRIB propôs a modificação do rito procedimental.
O ordenamento jurídico não gera dúvidas no tocante à competência legal de cada uma dessas instituições participantes desse processo.
O registrador imobiliário, que é um profissional do direito, tem a missão constitucional de zelar pelo direito de propriedade privada incidente sobre os bens imóveis, competindo-lhe constituir esses direitos e publicizar a sua amplitude e limitações. Portanto, a análise dos trabalhos técnicos, no tocante à titularidade, às confrontações, à situação jurídica do imóvel e aos princípios registrais imobiliários, é de competência exclusiva do registrador imobiliário.
Ao INCRA, a lei reservou a atribuição de definir a precisão posicional dos vértices definidores do imóvel rural ao Sistema Geodésico Brasileiro e a de certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. Portanto, não compete ao INCRA analisar a titularidade da área nem se a poligonal invade outro imóvel que ainda não foi certificado pela autarquia. (veja origem)

Percebendo essa necessidade de cada instituição atuar de acordo com sua competência legal, o INCRA destacou, nas disposições finais da referida Norma, um importante alerta:
A certificação da poligonal objeto do memorial descritivo pelo Incra não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário, bem como não dispensará a qualificação registral, atribuição exclusiva do oficial de registro de imóveis.


Tendo definido os exatos limites da certificação (que abriu as portas para a completa informatização do sistema, ao facilitar a atividade de análise das peças técnicas), o INCRA noticiou, na semana passada, a implantação do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), que automatizará todo o procedimento de envio das peças técnicas pelos agrimensores, substituindo os documentos analógicos e digitais pelo envio da planilha de dados cartográficos pela Internet, mediante a utilização de certificação digital (e-CPF). 
Abaixo segue o inteiro teor da Norma de Execução nº 105/2012, que viabilizou a implantação do Sigef.
EA






MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO 
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA 
DIRETORIA DE ORDENAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA

NORMA DE EXECUÇÃO Nº 105, DE 26 DE NOVEMBRO DE 2012
DOU de 27/11/2012 (nº 228, Seção 1, pág. 69)

Regulamenta o procedimento de certificação da poligonal objeto de memorial descritivo de imóveis rurais a que se refere o § 5º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e a norma técnica para georreferenciamento de imóveis rurais.

O DIRETOR DE ORDENAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA - DF, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos artigos 15 e 22, da Estrutura Regimental aprovada pelo Decreto nº 6.812, de 3 de abril de 2009, e pelo artigo 128, do Regimento Interno, aprovado pela Portaria/MDA nº 20, de 8 de abril de 2009, e
considerando a necessidade de uniformizar os critérios para análise dos processos de certificação da poligonal objeto de memorial descritivo de imóvel rural;
considerando a necessidade de orientar as Superintendências Regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, resolve:

Art. 1º - Determinar que a análise da documentação entregue ao Incra visando à certificação da poligonal objeto de memorial descritivo de imóveis rurais seja executada de acordo com o procedimento previsto no Anexo I desta Norma de Execução.

Art. 2º - O procedimento a que se refere o artigo anterior será aplicado à análise de todos os requerimentos de certificação em curso, independentemente da data do seu protocolo no Incra.

Art. 3º - Esta Norma de Execução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário, em especial a Norma de Execução Incra/DF nº 96, 15 de setembro de 2010, publicada no Diário Oficial da União nº 183, de 23 de setembro de 2012, Seção 1, página 83.

RICHARD MARTINS TOSIANO

ANEXO I
PROCEDIMENTO DE CERTIFICAÇÃO

CAPÍTULO I
DO CADASTRO DO IMÓVEL

O servidor responsável pela análise conferirá somente se o código do imóvel informado no memorial descritivo consta da base de dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR. Se o código não estiver na base do SNCR, o requerimento será indeferido. Nos casos de desmembramento ou remembramento de imóvel rural, se o código não estiver presente no memorial descritivo, o servidor responsável pela análise deverá promover a sua inclusão no SNCR, desde que a documentação contida no processo admita essa possibilidade. Caso não haja a possibilidade de inclusão, o requerimento será indeferido.

CAPÍTULO II
DA ANÁLISE CARTOGRÁFICA

A análise cartográfica restringir-se-á ao atendimento do § 5º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, ou seja, será verificado se a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante do cadastro georreferenciado do Incra e que o memorial atende às exigências técnicas.

Somente serão utilizados na análise os seguintes documentos, dispensando-se os demais constantes do processo:

a) o memorial descritivo em meio analógico devidamente assinado por profissional habilitado; e

b) o arquivo digital que contenha o polígono que represente os limites do imóvel rural, doravante denominado "perímetro limpo".

1. Sobreposição

O cadastro georreferenciado do Incra seguirá hierarquia quanto à precisão dos polígonos que o compõe, denominadas de classes, na seguinte forma:

a) Classe 1: composta pelos polígonos já certificados e presentes na base de dados do Incra; e

b) Classe 2: polígonos somente georreferenciados (Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Assentamentos Rurais, Terras Públicas, Territórios Quilombolas, entre outros).

O servidor responsável pela análise verificará se o "perímetro limpo" coincide com o memorial descritivo, comparando o valor das coordenadas de três vértices de escolha aleatória, e também o valor da área e do perímetro constante no "perímetro limpo" com aquele apresentado no memorial descritivo.

Caso o "perímetro limpo" não permita a análise do perímetro definido no memorial descritivo, deverá ser tentada uma das alternativas abaixo:

a) exclusão de camada do arquivo que contenha a planta digital completa a fim de se obter o perímetro limpo; ou

b) a partir da planilha de cálculo analítico de área representar em formato vetorial a fim de se obter o perímetro limpo.

Caso as duas alternativas não sejam passíveis de aplicação, o requerimento será indeferido.

Realizado o procedimento acima descrito, o servidor responsável pela análise verificará se o "perímetro limpo" se sobrepõe a algum outro polígono da classe 1 ou da classe 2.

Tratando-se de sobreposição com polígono(s) da classe 1, a poligonal não será certificada e o requerimento indeferido.

Tratando-se de sobreposição com polígono(s) da classe 2, referentes a áreas sob a gestão de entidade ou órgão público federal, estadual ou municipal, este será comunicado, via ofício, para manifestar-se no prazo de trinta dias. Se não houver manifestação da entidade ou órgão público, ou se a manifestação for desfavorável à certificação, o requerimento será indeferido.

Tratando-se de sobreposição com polígono(s), classe 1 ou classe 2, referentes a áreas sob a gestão do INCRA, o setor competente avaliará o caso e decidirá a respeito, deferindo ou não o requerimento.

2. Memorial Descritivo

O servidor responsável, ao analisar se o memorial descritivo atende as exigências técnicas, deverá:

a) Conferir a existência dos seguintes itens no cabeçalho, independente da ordem apresentada: Imóvel; Proprietário; Município; Unidade Federativa; Matrícula(s); Código do Imóvel no Incra (SNCR); Área; Perímetro;

b) Verificar se o perímetro do imóvel foi descrito por distâncias, azimutes e coordenadas, calculadas no plano de projeção UTM (observando a correta vinculação ao meridiano central de acordo com a localização geodésica do imóvel), vinculadas ao Sistema Geodésico Brasileiro - SGB; e

c) Verificar se o responsável técnico que assinou o memorial descritivo está cadastrado, ativo e com o seu código válido na listagem de técnicos credenciados do Incra, bem como informou o número da Anotação de Responsabilidade Técnica - ART.

CAPÍTULO III
DA CERTIFICAÇÃO

Efetuada a análise conforme os Capítulos I e II deste Anexo, e verificado o atendimento de todos os requisitos, o servidor responsável pela análise deverá:

a) inserir o perímetro limpo no cadastro georreferenciado do Incra;

b) emitir e assinar o documento de certificação; e

c) carimbar e assinar o memorial descritivo.

CAPÍTULO IV
DA NOTIFICAÇÃO

Nos casos de indeferimento do requerimento, o servidor responsável pela análise notificará o requerente e o profissional credenciado uma única vez, informando todas as inconsistências encontradas.

A notificação será enviada por correio eletrônico e por carta registrada.

O requerente terá até 60 dias, a contar da data de recebimento da carta registrada, para manifestar-se, sob pena de arquivamento.

A manifestação deverá sanar todas as inconsistências apontadas, sob pena de arquivamento.

Somente será admitida mais de uma notificação quando houver falha administrativa na notificação anterior.

CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS

A certificação da poligonal objeto do memorial descritivo pelo Incra não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário, bem como não dispensará a qualificação registral, atribuição exclusiva do oficial de registro de imóveis.

O requerente e o profissional credenciado são responsáveis por todas as informações prestadas, inclusive pelas inconsistências que por acaso vierem a ser detectadas na poligonal certificada e por eventuais prejuízos causados a terceiros.