quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Parcelamento do imóvel rural

Quais são as regras que disciplinam o parcelamento de imóvel rural?


Para que seja feito qualquer desmembramento de lote urbano, o registro imobiliário deve exigir o alvará municipal, devido à competência constitucional do Município no ordenamento das cidades.

A competência cadastral dos imóveis rurais, em que pesem algumas excelentes teses contrárias de parte da doutrina, é hoje exercida pelo Incra, autarquia federal ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Portanto, aplicado o mesmo raciocínio, todo desmembramento rural, por mais simples que seja, deveria ser precedido de autorização do Incra, em decorrência de sua competência legal para o cadastramento e fiscalização dos imóveis rurais.

Entretanto, o artigo 8º da Lei nº 5.868/72 criou uma anuência automática quando da transmissão de parcela desmembrada de imóvel rural, sem necessidade de autorização estatal, desde que respeitada a fração mínima de parcelamento.
Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do artigo 65 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no parágrafo primeiro deste artigo, prevalecendo a de menor área.
O conceito de “transmissão a qualquer título” engloba a divisão amigável, em que um imóvel é parcelado em glebas para extinguir o condomínio, atribuindo-se cada parcela com exclusividade a cada um dos ex-condôminos.

Ou seja, não pode o proprietário rural requerer, no registro imobiliário, o parcelamento de seu imóvel rural em várias glebas sem o concomitante registro da alienação que justifique o parcelamento. Nessa hipótese, somente será possível o parcelamento com a prévia autorização do Incra.

Não configurando empreendimento rural, bastaria uma simples autorização do Incra. No entanto, como não há clara definição legal distinguindo “empreendimento imobiliário” de “simples desmembramento”, o Incra poderá negar tal autorização pela total falta de interesse do proprietário em efetuar o parcelamento. Isso porque, se for para alienar as glebas resultantes, basta que se requeira isso diretamente no registro imobiliário quando da efetiva alienação (hipótese que a autorização do Incra é dispensada pela lei); se for para manter as glebas em nome próprio, não há porque autorizar seu desmembramento no registro imobiliário, uma vez que o cadastro rural não poderá ser desmembrado, haja vista continuarem as glebas em poder do mesmo titular.

Mas, há casos em que tal parcelamento se justifica, como no interesse de se hipotecar apenas uma parte do imóvel, deixando a outra livre de ônus. Apesar de não configurar transmissão, o pedido de desmembramento com o concomitante registro da escritura de hipoteca parece atender bem o espírito da lei, o que dispensaria a autorização do Incra. Mas, como hipoteca não é uma forma de alienação (diferentemente de alienação fiduciária em garantia), talvez a melhor opção seja exigir a autorização do Incra.

No entanto, se a pretensão configurar “empreendimento imobiliário”, o proprietário deverá cumprir uma série de exigências legais, constantes do Estatuto da Terra (artigos 60 e seguintes), do Decreto-Lei nº 58/37 e da Instrução Especial do Incra nº 17-B/1980 (de um rigor bem acentuado). Serão necessários inúmeros levantamentos, projetos, certidões, autorizações e outras exigências técnicas voltadas para a finalidade socioeconômica do imóvel rural. Além disso, ao contrário do que muitos pensam, no loteamento rural não pode haver lotes com área inferior à fração mínima de parcelamento (FMP – que, no Estado de São Paulo, varia de 2 a 3 ha). Portanto, não é esse o caminho para a criação de “chácaras de recreio”, tanto pela diminuta área dos lotes como pela finalidade (lazer) incompatível com as exigências legais (finalidade rural).

Diante do exposto, será necessária autorização do Incra para o parcelamento do imóvel rural nas seguintes hipóteses:
  1. para os empreendimentos imobiliários rurais (desmembramento ou loteamento rural);
  2. para desmembramento de parcela de imóvel rural sem que haja título de transmissão que justifique o parcelamento; e
  3. para desmembramento que resulte em área inferior à FMP (hipóteses especiais permitidas pela lei).

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Anuência de Confrontante VII - Imóvel Lindeiro de Menor de Idade

Questão:
Anuência em retificação de registro, cujo imóvel confrontante pertence a menor de idade, pode ser dada pelo seu representante legal ou requer prévia autorização do juiz?

A dúvida leva em conta o previsto no artigo 1.691 do Código Civil:
Art. 1.691 - Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
No entanto, a anuência dada pelo confrontante nos procedimentos de retificação de registro não tem a natureza jurídica de alienação ou oneração.
Além disso, para a retificação da descrição dos imóveis matriculados, a lei se contenta com a anuência de qualquer um dos condôminos ou do ocupante do imóvel confrontante, o que indica ter o legislador entendido que a participação de qualquer um deles traz a necessária segurança jurídica ao procedimento.
No caso de imóvel pertencente a menor, a anuência dada por um dos pais (representação) ou assinada em conjunto com o menor (assistência) supre a exigência legal, nos termos do artigo 1.634 do Código Civil:
Art. 1.634 - Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
Além disso, os pais possuem não apenas a administração mas também o usufruto dos bens do menor que está sob sua autoridade (CC, art. 1.689).
Art. 1.689 - O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
Sendo usufrutuário, os pais passam a ter o mais poderoso direito real derivado da propriedade, portanto, estamos diante de um "ocupante superqualificado". Sendo administrador dos bens, tem eles o dever legal (e moral) de zelar pelo patrimônio dos filhos; portanto cabe a eles anuir aos trabalhos técnicos de retificação do imóvel lindeiro.
Conclusão: considerando que a anuência de confrontante não tem natureza jurídica de alienação ou de oneração de bens imóveis, não incide, no caso, a hipótese do artigo 1.691 do Código Civil, que exige prévia autorização judicial, pois a anuência de confrontante em procedimento retificatório trata de simples administração do interesse do menor, competência exclusiva daquele que detém o poder familiar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Qualificação Registral na Retificação de Registro

1. Análise Preliminar
Finalizadas as formalidades procedimentais da retificação (conferência da documentação juntada pelo requerente, eventual complementação do polo passivo mediante notificações de confrontantes e de terceiros interessados e decurso dos prazos para impugnação), os autos deverão ser conclusos ao oficial de registro, que decidirá pela procedência ou não do pedido, após sua qualificação registral.
A qualificação registral é uma decisão, é uma sentença emitida pelo oficial de registro em sua atividade de zelar pela segurança jurídica das relações privadas.
Para decretar a procedência ou não do pedido retificatório, o registrador deve decidir com base em seu livre convencimento motivado, ou seja, sua decisão deve ser imparcial, livre de pressões, independente e fundamentada nos termos da lei. A justiça do caso concreto e a segurança jurídica dos registros públicos somente são alcançadas em decorrência dessa autonomia do registrador. Sem ela, o sistema registral imobiliário, como garantidor do direito de propriedade privada, não existiria.
Como não existem verdades absolutas, a razoabilidade deve pautar todas as decisões, ou seja, o pedido será deferido sempre que o oficial não encontrar indícios suficientes para desconfiar de sua irregularidade, bastando a presença de “fumus boni juris” e da certeza de que analisou com o devido rigor todas as possibilidades de falhas. Mas, diante de fundada suspeita, não poderá deferir o pedido, mesmo que todas as formalidades procedimentais tenham sido cumpridas na íntegra pelo interessado.
Sendo os autos conclusos ao oficial, será procedida a qualificação registral, que se divide em duas etapas: análise preliminar e análise de mérito. A análise preliminar, que se refere a uma minuciosa conferência do cumprimento das regras procedimentais, pode ser resumida em um “check-list” com as seguintes questões:
  1. foi omitido algum titular do imóvel objeto de retificação no procedimento retificatório?
  2. dentre os titulares do imóvel, há algum incapaz que deixou de ser representado ou assistido na forma da lei?
  3. foi omitido, nos trabalhos técnicos, algum imóvel confrontante, resultando na falta de anuência de seu proprietário ou ocupante?
  4. faltou notificar algum confrontante ou terceiro interessado que não anuiu expressamente aos trabalhos técnicos?
  5. faltou a juntada de algum documento relativo ao imóvel retificando necessário para a abertura de matrícula (cadastro municipal, CCIR, DIAC-DIAT/ITR)?
  6. faltou a juntada de algum documento necessário para a complementação da qualificação pessoal dos titulares (RG, CPF, certidão de casamento, certidão do registro do pacto antenupcial)?
  7. faltou colher a manifestação do requerente e do agrimensor diante de uma eventual impugnação fundamentada (que se refira aos trabalhos técnicos ou à titularidade da área)?
  8. houve alguma outra falha procedimental (não-publicação de edital, notificação de pessoa errada, prazos em aberto)?
No caso de ser identificada qualquer uma dessas falhas, o oficial emitirá uma decisão interlocutória determinando as providências necessárias para saná-la, podendo tal decisão ter reflexos apenas sobre seus escreventes (providências meramente administrativas) ou sobre os requerentes (complementação de dados e outras providências).


Mod. 1 - Decisão interlocutória

Trata-se de requerimento para retificação da descrição do imóvel de matrícula 13452, cuja descrição tabular é precária e não corresponde à realidade.
Com base na atual redação dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, a retificação de registro é de competência do Oficial de Registro de Imóveis.
O requerimento não está devidamente instruído. Não foi reconhecida a firma de 2 confrontantes, faltou juntar a A.R.T. referente aos trabalhos técnicos e não foi juntada certidão da transcrição 65.341, do Registro de Imóveis de Tatuí, que comprovaria parte do alegado.
Notifique-se o interessado para, num prazo de 15 dias a contar da ciência desta decisão, suprir as falhas apontadas. No tocante à falta de reconhecimento de firma, fica-lhe facultado apresentar nova planta com a anuência desses dois confrontantes ou declarações de reconhecimento de limites em que conste o trecho de confrontação (marcos, azimutes e distâncias) a que se está anuindo.
A notificação poderá ser feita por fax, telefone, email ou qualquer outra forma que possibilite ao interessado conhecer a íntegra destas exigências. Esgotado o prazo, com ou sem manifestação, retornar os autos para a decisão final.
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Findo o prazo concedido para o saneamento das falhas, não tendo o interessado cumprido todas as exigências, o pedido retificatório deverá ser indeferido (sem julgá-lo improcedente; qualificação negativa formal), pelo descumprimento das regras procedimentais.


Mod. 2 - Qualificação negativa formal

Trata-se de requerimento para retificação da descrição do imóvel de matrícula 13452, cuja descrição tabular é precária e não corresponde à realidade.
Com base na atual redação dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, a retificação de registro é de competência do Oficial de Registro de Imóveis.
O requerimento não está devidamente instruído. Não foi reconhecida a firma de 2 confrontantes, faltou juntar a A.R.T. referente aos trabalhos técnicos e não foi juntada certidão da transcrição 65.341, do Registro de Imóveis de Tatuí, que comprovaria parte do alegado. Notificado da decisão interlocutória que determinava tais providências, o interessado cumpriu apenas parte delas, pois deixou de apresentar a A.R.T. no prazo que lhe foi concedido.
Em decorrência, indefiro o pedido retificatório, qualificando-o negativamente, por descumprimento das regras procedimentais.
Notifique-se o interessado desta decisão negativa e do prazo de 15 dias para, caso deseje, requerer a remessa dos autos ao juiz corregedor permanente, que decidirá o feito nos termos do §6º do artigo 213 da Lei de Registros Públicos. Esgotado o prazo sem manifestação, microfilmar e arquivar este procedimento.
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2. Análise de Mérito
Não encontrando nenhuma falha procedimental, passa-se à mais complexa fase da qualificação registral: a análise do mérito, que requer muita atenção aos detalhes e uma franca disposição para solucionar os casos sem causar prejuízos a quem quer que seja.
A análise de mérito pode ser resumida no seguinte “check-list”:
  1. há indícios de inclusão de área não titulada no imóvel objeto da retificação, ou seja, estaria sendo utilizado o procedimento retificatório para aquisição originária de imóvel?
  2. há indícios de omissão de parcela do imóvel, ou seja, estaria tentando regularizar um destaque de área resultante de uma alienação não formalizada?
  3. a planta apresentada refere-se apenas à posse localizada do requerente, tendo sido omitido o restante do imóvel de posse dos demais condôminos, ou seja, estaria sendo utilizado o procedimento retificatório para encobrir uma divisão amigável?
  4. foi incluída alguma área pública (estradas, rios navegáveis, linhas férreas, escolas, independentemente de ter ou não havido procedimento expropriatório) no interior do imóvel privado?
  5. trata-se de retificação cumulada com unificação, em que não há perfeita identidade de titulares, fato este que impede a fusão das transcrições ou matrículas?
Sendo identificada qualquer uma dessas situações, o pedido deve ser indeferido. Dependendo da falha, pode o registrador emitir uma decisão interlocutória concedendo prazo para o interessado corrigir o erro. Para indeferir a pretensão retificatória, não há necessidade de comprovar a existência do vício, sendo suficiente a fundada suspeita. Nesses casos, compete ao interessado comprovar seu direito, ou seja, dirimir a suspeita levantada pelo registrador.
Não confundir fundada suspeita com a falta de certeza do que foi alegado pelo interessado. Exigir segurança jurídica máxima é uma utopia, pois isso não existe. Deve-se atuar com prudência, razoabilidade, sem contudo deixar de conferir todas as possibilidades de falhas. De todos os profissionais do direito, o registrador imobiliário é o único que pode analisar com a devida segurança se o levantamento planimétrico está ou não incluindo área não titulada. Ele é o único que conhece a fundo os registros de sua circunscrição, sabe das deficiências locais, conhece o histórico dos imóveis e tem o melhor e mais exclusivo arquivo existente para pesquisar a “vida pregressa” desse bem de raiz.
Sendo assim, o registrador tem plenas condições de qualificar o pedido de retificação de registro da maneira mais justa e jurídica, possibilitando o aperfeiçoamento do sistema registral brasileiro e, consequentemente, propiciando a desejada segurança jurídica do patrimônio privado imobiliário que a sociedade almeja e o registro público imobiliário tem o dever de garantir. 

Mod. 3 - Qualificação negativa material

Trata-se de requerimento para retificação da descrição do imóvel de transcrição 15.980, cuja descrição tabular é precária e não corresponde à realidade.
Com base na atual redação dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, a retificação de registro é de competência do Oficial de Registro de Imóveis.
O requerimento está devidamente instruído. O laudo técnico do agrimensor e o requerimento dos proprietários atestam, sob as penas da lei, serem verdadeiros os dados apresentados. O agrimensor atestou que fez pessoalmente o levanta­mento da área, que a retificação é claramente intra muros e apresentou a A.R.T.
No entanto, a planta apresentada refere-se não apenas ao imóvel retificando, mas também a parcela do imóvel confrontante (matrícula 9.411). O fato de esse confrontante ter anuído aos trabalhos técnicos não resulta na revogação da norma cogente que exige formalidades específicas para adquirir imóvel.
Em decorrência, julgo improcedente o pedido e procedo à qualificação negativa dos trabalhos técnicos, por incluir área não protegida pelo registro, uma vez que o procedimento retificatório não pode mascarar uma aquisição imobiliária.
Notifique-se o interessado desta decisão negativa e do prazo de 15 dias para, caso deseje, requerer a remessa dos autos ao juiz corregedor permanente, que decidirá o feito nos termos do §6º do artigo 213 da Lei de Registros Públicos. Esgotado o prazo sem manifestação, microfilmar e arquivar este procedimento.
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Mod. 4 - Qualificação registral positiva


Trata-se de requerimento para retificação da descrição do imóvel de matrícula 2833, cuja descrição tabular é precária e não corresponde à realidade.
Com base na atual redação dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, a retificação de registro é de competência do Oficial de Registro de Imóveis.
O requerimento está devidamente instruído. O laudo técnico do agrimensor e o requerimento dos proprietários atestam, sob as penas da lei, serem verdadeiros os dados apresentados. O agrimensor atestou que fez pessoalmente o levantamento da área, que a retificação é claramente intra muros e apresentou a correspondente A.R.T.
Por envolver inclusão de rumos, distâncias e perimetrais não constantes da descrição tabular original, todos os confrontantes apresentaram sua anuência.
A titularidade sobre a área apresentada nos trabalhos técnicos foi comprovada pela verificação de fotografias aéreas da década de 70, que demonstram que os limites do imóvel e de seus confrontantes já eram facilmente identificáveis.
Em decorrência, julgo procedente o pedido e procedo à qualificação positiva dos trabalhos técnicos, nos termos do inciso II do artigo 213 da Lei nº 6.015/73.
Efetuem-se as devidas correções, com o encerramento da matrícula viciada (2833) e abertura de nova matrícula para o referido imóvel. Após isso, microfilmar as folhas principais (fls. 2, 3, 5, 6, 8, 9, 10, 12, esta decisão e o rol de atos praticados).
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3. O Mérito da Impugnação Fundamentada
Há apenas uma hipótese envolvendo o mérito em que o registrador necessariamente decidirá pelo indeferimento do requerimento, mesmo convicto pela total procedência do pedido retificatório: impugnação fundamentada em que não haja conciliação. Neste caso, não pode o registrador decidir pela procedência do pedido, pois isso resultaria em alteração de informação registral, fato este que, devido à impugnação do confrontante ou de terceiro interessado, estaria prejudicando direito alheio. Apenas neste caso, o juízo de valor favorável não prevalecerá, cabendo ao registrador emitir uma qualificação negativa formal. Em todas as demais situações, o registrador não poderá se eximir de decretar seu juízo de valor (inafastabilidade da qualificação registral).
Julgar improcedente a argumentação de confrontante, quando fundamentada, é competência exclusiva do Judiciário, pois não pode o registrador “condenar alguém a sofrer as consequências de um assento registral por ele impugnado”, ainda mais uma terceira pessoa que foi surpreendida pelo procedimento. Por outro lado, julgar procedente a impugnação (por exemplo: “do marco 7 ao marco 12, a planta invade parcela da faixa de domínio da rodovia, conforme comprova a cópia do mandado de desapropriação anexa a este ofício”) e determinar a correção dos trabalhos técnicos ou, dependendo do caso, indeferir o pedido retificatório, é competência do registrador, pois sua decisão de mérito não resultou em nenhum assento registral, cabendo à parte que se sentir prejudicada requerer a remessa dos autos ao juiz corregedor, que decidirá de plano ou após instrução sumária, nos termos do §6º do artigo 213 da LRP.
Explicando melhor: o procedimento retificatório surge por iniciativa do titular do direito real e sua condução é de competência do registrador, que recebeu o poder-dever de analisar a questão e sobre ela decidir, com a máxima cautela para que nenhum direito seja criado, modificado ou extinto. Diante de qualquer irregularidade, o registrador deve julgar o pedido improcedente, não importando se o vício foi encontrado por ele ou foi informado por meio de uma impugnação fundamentada de confrontante ou terceiro interessado. Essa decisão contraria apenas a pretensão daquele que se sujeitou às regras da retificação extrajudicial, portanto a qualificação negativa de mérito não invadiu a competência do Poder Judiciário de dirimir conflitos. Além disso, essa decisão não gerou nenhuma alteração no registro imobiliário, pois, como já foi dito, diante de qualquer indício de irregularidade, a retificação não pode ser efetivada.
Havendo, portanto, impugnação fundamentada de confrontante ou de terceiro interessado, o registrador deverá, inicialmente, analisar o mérito e fazer seu juízo de valor, que poderá ser:
  1. a impugnação é procedente, pois trouxe informação que comprova uma falha no pedido retificatório;
  2. a impugnação trouxe informação que merece melhor averiguação para apurar sua procedência ou não; ou
  3. a impugnação é improcedente.
Em todos os casos, o registrador intimará o requerente e o agrimensor para que se manifestem sobre a impugnação à retificação. Tratando-se de impugnação procedente (não há necessidade de certeza quanto ao alegado, bastando uma forte suspeita), convém aproveitar a intimação para determinar as providências necessárias para sanar os vícios revelados. O prazo de 5 dias determinado pelo §5º do artigo 213 pode ser ampliado pelo registrador, a seu prudente critério (exemplo: prazo adequado às providências de saneamento), uma vez que o objetivo da lei não é punir o requerente com prazos, mas apenas impedir que a sua desídia emperre o procedimento.
Recebidas as manifestações do requerente e do agrimensor, o registrador decidirá quem tem razão. Se a razão estiver com o impugnante, julgará o pedido retificatório improcedente ou, se for o caso, determinará as correções necessárias mediante decisão interlocutória. Se a razão estiver com o requerente (aqui também não há necessidade de certeza sobre isso), poderá ser tentada uma conciliação (“transação amigável”), nos termos do §6º do artigo 213.
As regras procedimentais do artigo 213 não podem ser interpretadas de forma literal, não podendo um instrumento superar a importância da verdade real (realidade jurídica). Não pode haver uma “transação amigável” que contrarie os fatos noticiados por uma impugnação procedente. Isso é um absurdo. Comprovado que a planta invade parcela do imóvel lindeiro, não pode uma simples transação para fins retificatórios ter o condão de alterar o direito real de propriedade nas duas matrículas. Para isso, seria necessária uma série de providências: a prévia retificação dos dois imóveis (dificilmente o imóvel lindeiro estaria com sua descrição perfeita); escritura pública de alienação de parcela de imóvel; planta e memorial do desmembramento (parcela destacada e remanescente); projeto de unificação dessa parcela com o imóvel do adquirente; recolhimento do imposto de transmissão; e outras exigências a depender do caso concreto.
A “transação amigável” (a lei deveria dizer “conciliação”) serve apenas para esclarecer o impugnante quanto à regularidade do pedido retificatório, dissuadindo-o de sua contrariedade ao feito. Sendo possível, convém marcar uma audiência de tentativa de conciliação, pois o contato direto com os litigantes possibilita ao registrador formar um juízo de valor ainda mais seguro, além de poder colaborar explicando às partes os objetivos da retificação e do quanto mais seguro tornará o direito de propriedade tanto de um como de outro.
Não havendo conciliação, nem havendo providências de saneamento a serem tomadas pelo interessado, o registrador deverá indeferir o pedido (e não julgá-lo improcedente), pois se trata de uma qualificação negativa formal, em decorrência de impugnação fundamentada de terceiro interessado sem sucesso na conciliação. 

Mod. 5 - Termo de audiência
de tentativa de conciliação

Retificação Extrajudicial de Registro
Protocolo: 52145 – 12/8/2009
Às 13h30min de 10 de agosto de 2009, na sede do Registro Imobiliário de Conchas, situado na Rua Minas Gerais nº 411, nesta cidade de Conchas-SP, compareceram espontaneamente as seguintes pessoas abaixo qualificadas:
1.   Apresentante: Pedro Gonçalves Almada, RG 13.213.456-0 e CPF 040.234.675-09, casado, residente no Sítio São José, localizado no Bairro Rio do Peixe, nesta cidade de Conchas-SP;
2.   Responsável Técnico: Daniel Alexandre Janini, Engenheiro Agrimensor, CREA nº 5060726074/B, solteiro, com escritório na Av. Independência, 546 - sala 92 – Piracicaba-SP; e
3. Impugnante: Mário Afonso da Silva, RG 15.435.876-0 e CPF 087.234.876-12, solteiro, residente na Rua Pernambuco, 171, nesta cidade de Conchas-SP.
Declaram que compareceram de livre e espontânea vontade neste serviço registral imobiliário e, sob a orientação do Dr. Eduardo Augusto, Oficial de Registro desta comarca, chegaram ao seguinte consenso:
ð a impugnação se refere ao fato de que os trabalhos técnicos trazem dados divergentes dos dados que constam do teor da matrícula 8.731 (imóvel vizinho, que é de propriedade do impugnante): entre os pontos 5 e 6, a planta da retificação apresenta uma distância de 238,008 m, enquanto que a matrícula 8.731 apresenta 230 metros;
ð temia o impugnante que essa divergência, que não era real (pois ele reconhece a exatidão dos dados da planta em análise), mas formal em relação ao seu título, pudesse trazer-lhe prejuízos, "tornando nula a matrícula de seu imóvel";
após ter sido esclarecido que a retificação de um imóvel não tem o condão de alterar a descrição dos demais, e que a anuência dada pelo confrontante não tem o potencial de afetar seus direitos reais registrados, o impugnante concordou e anuiu com a presente retificação em todos os seus termos
Lido e achado conforme, vai abaixo assinado por todos. Eu, Lísia Jorge Parise, escrevente, digitei e dou fé de sua veracidade.

  

Mod. 6 - Qualificação negativa
diante de impugnação


Trata-se de requerimento para retificação da descrição do imóvel de matrícula 15970, cuja descrição tabular é precária e não corresponde à realidade.
Com base na atual redação dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, a retificação de registro é de competência do Oficial de Registro de Imóveis.
Um dos confrontantes apresentou impugnação fundamentada na alegação de que as medidas apresentadas pelo requerente diferem das medidas que constam de sua própria matrícula, fato este que comprovaria estar ele levando vantagem mediante invasão de parte de seu imóvel. Em audiência de tentativa de conciliação, efetuada em 10/8/2009, na sede deste registro (fls. 23), a conciliação restou infrutífera.
Em decorrência da impugnação efetuada pelo confrontante e do insucesso da conciliação, indefiro o pedido retificatório, qualificando-o negativamente, por estarem esgotados os meios extrajudiciais de solução do caso.
Notifique-se o interessado desta decisão negativa e do prazo de 15 dias para, caso deseje, requerer a remessa dos autos ao juiz corregedor permanente, que decidirá o feito nos termos do §6º do artigo 213 da Lei de Registros Públicos. Esgotado o prazo sem manifestação, microfilmar e arquivar este procedimento.




domingo, 6 de junho de 2010

Imóvel rural: conceitos de módulo fiscal, módulo rural, módulo de exploração indefinida e fração mínima de parcelamento

Após receber muitas consultas referentes ao módulo de exploração indefinida (MEI), ao módulo fiscal (MF) e à fração mínima de parcelamento (que muitos ainda a chamam de "módulo rural"), tornou-se importante concentrar, num único texto, as explicações necessárias sobre essas classificações que incidem sobre o imóvel rural e afetam a atividade profissional do registrador imobiliário e do tabelião.
A fração mínima de parcelamento (FMP) é facilmente obtida pela simples leitura do CCIR de qualquer imóvel rural do município, mas tal certificado não traz os valores do módulo de exploração indefinida nem do módulo fiscal, que devem ser obtidos no site do Incra.
Este texto tem por objetivo demonstrar, de forma simples e direta, o conceito, funções e fundamentação legal de cada um desses índices qualificadores do imóvel rural.
1. Módulo Fiscal (MF)
O módulo fiscal (MF) é medido em hectares e é definido por Município, cuja tabela está anexa à Instrução Especial Incra nº 20, de 1980. Os municípios que foram criados após 1980 tiveram o valor de seu módulo fiscal fixado por outros atos normativos daquela autarquia federal.
A única relevância do módulo fiscal para as atividades notarial e registral, ainda que bem indireta, é a previsão da gratuidade dos trabalhos técnicos georreferenciados aos proprietários de imóveis rurais com área total não excedente a 4 módulos fiscais (Lei dos Registros Públicos, artigo 176, §3º, e artigo 225, §3º).
2. Módulo Rural (MR)
O módulo rural (MR) é estabelecido pelas dimensões da propriedade familiar e representa uma área mínima de terra calculada para cada imóvel rural, conforme estabelece o Estatuto da Terra:
Estatuto da Terra (ET) - Lei nº 4.504, de 30 de Novembro de 1964.
Art. 4º - Para os efeitos desta Lei, definem-se:
II - Propriedade Familiar, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros;
III - Módulo Rural, a área fixada nos termos do inciso anterior;
Essa unidade de medida é fixada com base nos critérios determinados pelo artigo 11 do Decreto nº 55.891, de 31 de março de 1965:
Art. 11. O módulo rural, definido no inciso III do artigo 4º do Estatuto da Terra, tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico.
Parágrafo único. A fixação do dimensionamento econômico do imóvel que, para cada zona de características ecológicas e econômicas homogêneas e para os diversos tipos de exploração, representará o módulo, será feita em função:
a) da localização e dos meios de acesso do imóvel em relação aos grandes mercados;
b) das características ecológicas das áreas em que se situam;
c) dos tipos de exploração predominantes na respectiva zona.
Sendo assim, o módulo rural varia não apenas quanto à localização do imóvel, mas também com relação ao tipo de exploração nele existente, podendo o imóvel ser, segundo a classificação do Incra, hortigranjeiro, de cultura permanente, de cultura temporária, de exploração pecuária, de exploração florestal ou de exploração indefinida.
3. Módulo de Exploração Indefinida (MEI)
O módulo de exploração indefinida (o famoso MEI) é uma das espécies de módulo rural que é utilizado no controle das aquisições de imóvel rural por estrangeiro, previsto na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, cujas regras principais encontram-se em seu artigo 3º:
Art. 3º - A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua.
§ 1º - Quando se tratar de imóvel com área não superior a 3 módulos, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei.
§ 2º - O Poder Executivo baixará normas para a aquisição de área compreendida entre 3 e 50 módulos de exploração indefinida.
§ 3º - O Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, poderá aumentar o limite fixado neste artigo.
O valor do módulo de exploração indefinida é determinado por ato administrativo do Incra:
Decreto n.º 74.965, de 26/11/71 - Aquisição de imóvel rural por estrangeiro
Art. 4º. Compete ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) fixar, para cada região, o módulo de exploração indefinida, podendo modificá-lo sempre que houver alteração das condições econômicas e sociais da região.
O valor em hectares do MEI está previsto na Tabela III da Instrução Especial Incra nº 5-A, de 1973, que depende da atenta leitura da Instrução Especial Incra nº 50, de 1997. Os dois atos normativos trazem anexos que devem ser interpretados conjuntamente.
Desses anexos, extraí as tabelas simplificadas referentes ao Estado de São Paulo. O município de Conchas pertence à microrregião geográfica de Botucatu (código nº 23 do Estado de São Paulo), classificada como Zona Típica de Módulo (ZTM) A2.
Por integrar a ZTM A2, todos os municípios dessa microrregião (com dois “erres” e não com apenas um, como a legislação do Incra tenta disseminar) possuem MEI de 10 hectares e, em interpretação simultânea com a Lei nº 5.868/72 e com o artigo 2º da IN nº 50/97, fração mínima de parcelamento de 2 hectares.
Para identificar os itens de interesse direto do registrador imobiliário e do tabelião, as tabelas integrantes das instruções especiais em destaque devem ser utilizadas da seguinte forma:
1) Determinar a microrregião de seu município:
  • as microrregiões a serem consideradas são as determinadas pelo IBGE (artigo 1º da IE Incra nº 50/97)
  • para descobrir a microrregião a que faz parte um determinado município, basta pesquisar no site do IBGEhttp://www.sidra.ibge.gov.br/bda/territorio/uftabunit.asp?t=26&n=6&z=t&o=4
  • ex.: Conchas-SP (cód. mun. 3512308) é integrante da microrregião de Botucatu (cód. mrg 35023)http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/territorio/infounit.asp?codunit=3760&codunitibge=3512308&nomeunit=Conchas+%2D+SP&n=6&nomenivel=Munic%EDpio&z=t&o=4
2) Identificar a Zona Típica de Módulo (ZTM) de sua microrregião:
  • consultar a única tabela da Instrução Especial Incra nº 50, de 1997:
UF
cód-mrg
microrregião
ZTM
SP
35023
BOTUCATU
A2


3) Identificar o valor do módulo de exploração indefinida (MEI):
  • consultar a Tabela III da Instrução Especial Incra nº 5-A,de 1973 (com as alterações efetuadas pela Instrução Especial Incra nº 50,de 1997), que trata do módulo rural , que varia de imóvel para imóvel de acordo com a exploração nele existente, e extrair o módulo de exploração indefinida:


ZTM
horti-
granjeira
cultura permanente
cultura temporária
pecuária
florestal
exploração indefinida
A1
2
10
13
30
45
5
A2
2
13
16
40
60
10
A3
3
15
20
50
60
15
B1
3
16
20
50
80
20
B2
3
20
25
60
85
25
B3
4
25
30
70
90
30
C1
4
30
35
90
110
55
C2
5
35
45
110
115
70
D
5
40
50
110
120
100

    • o município de Conchas, por estar localizado na ZTM A2, possui um MEI de 10 hectares.
    4. Fração Mínima de Parcelamento (FMP)
    4.1 Conceito
    A fração mínima de parcelamento é a menor dimensão que um imóvel rural poderá ter, salvo situações especialíssimas previstas em lei.
    Vejamos inicialmente o artigo 65 do Estatuto da Terra:
    Estatuto da Terra (ET) - Lei nº 4.504, de 30 de Novembro de 1964.
    Art. 65 - O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.
    § 1º - Em caso de sucessão "causa mortis" e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural.
    § 2º - Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural.
    § 3º - No caso de um ou mais herdeiros ou legatários desejar explorar as terras assim havidas, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária poderá prover no sentido de o requerente ou requerentes obterem financiamentos que lhes facultem o numerário para indenizar os demais condôminos.
    § 4º - O financiamento referido no parágrafo anterior só poderá ser concedido mediante prova de que o requerente não possui recursos para adquirir o respectivo lote.
    Nesse dispositivo legal em especial, onde se lê “módulo de propriedade rural” leia-se “fração mínima de parcelamento”, denominação atual segundo a legislação posterior:

    Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) - Lei nº 5.868, de 12 de Dezembro de 1972.
    Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do artigo 65 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no parágrafo primeiro deste artigo, prevalecendo a de menor área.
    § 1º - A fração mínima de parcelamento será:
    a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados;
    b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C;
    c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.
    § 2º - Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e sócio-econômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.
    § 3º - São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos. (§ com redação dada pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
    § 4º - O disposto neste artigo não se aplica aos casos em que a alienação da área se destine comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento.
    § 5º - O disposto neste artigo aplica-se também às transações celebradas até esta data e ainda não registradas em Cartório, desde que se enquadrem nas condições e requisitos ora estabelecidos.
    Esses dispositivos legais estão em vigor e bastante atualizados. Note que o §3º da citação anterior teve sua redação fixada pela recente legislação do georreferenciamento. Devido à sua importância, por referir-se exatamente à responsabilização do registrador, convém analisar com mais atenção esse dispositivo:
    § 3º - São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos.
    Vejamos o que dá para extrair de tudo que foi aqui exposto:
    • não se pode dividir o imóvel rural com dimensão inferior à FMP fixada para a respectiva localidade;
    • única exceção: “transferência de área ao imóvel vizinho”, que não resulte em imóvel com dimensão abaixo da FMP;
    • a FMP é definida pelo Incra por ato normativo (o valor consta do CCIR do imóvel e pode ser consultado no site daquela autarquia);
    • sob pena de responsabilização criminal, cível e administrativa, o tabelião não pode lavrar escritura de ato jurídico que infrinja a referida norma; e
    • sob as mesmas penas, não pode o registrador praticar atos registrais que infrinjam essa regra.
    4.2 Fundamentação legal
    Para identificar o valor da fração mínima de parcelamento (FMP):
    • de acordo com o §1º do artigo 8º da Lei nº 5.688/72, a FMP será:
    ü o módulo de exploração hortigranjeira para as capitais do Estado;
    ü o módulo de exploração de culturas permanentes para os demais municípios das ZTM A, B e C; e
    ü o módulo de exploração pecuária para os demais municípios da ZTM D.
    • de acordo com o §2º do mesmo artigo 8º:
    ü em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura (hoje, Ministério do Desenvolvimento Agrário), o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e socioeconômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.
    • de acordo com o artigo 2º da IN nº 50/97:
    ü  ficam estendidas a Fração Mínima de Parcelamento - FMP correspondente ao módulo de exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, prevista para as capitais dos estados, aos municípios classificados nas Zonas Típicas de Módulos “B” e “C”.
    • sendo assim, extraem-se os seguintes valores da FMP:
    ZTM
    FMP
    (capitais)
    FMP - IE
    (municípios)
    A1
    2
    2
    A2
    2
    2
    A3
    3
    3
    B1
    3
    3
    B2
    3
    3
    B3
    4
    4
    C1
    4
    4
    C2
    5
    5
    D
    5
    110
    • o Município de Conchas-SP, por estar localizada numa ZTM A2, possui a FMP de 2 hectares. 
    4.2 Exceções à regra da FMP: um exemplo na retificação de registro
    Uma situação muito comum que tem sido alvo de questionamento:
    • um imóvel matriculado cortado por uma rodovia, que seja representado por duas glebas, sendo uma com dimensão inferior à FMP, pode resultar em duas matrículas distintas?
    Resposta:
    • devido à existência de um bem público (imóvel público) entre as duas glebas, cada qual DEVERÁ ser descrita e qualificada em matrícula própria, pois existem ali dois imóveis e não apenas um, como ainda consta da matrícula a ser retificada.
    Explico.
    Primeiramente, deve-se analisar o caso da interceptação do imóvel por uma estrada.

    Com a passagem da estrada, que indubitavelmente é um bem público de uso comum do povo, o imóvel original passou a ser formado por duas glebas, distintas, separadas por um outro imóvel, que é a estrada.

    De acordo com a legislação registral imobiliária, todo imóvel deve ser descrito em uma matrícula e esta deve conter tão-somente um único imóvel. Este é o princípio da unitariedade da matrícula, previsto no §1º do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos.
    Considerar essas duas glebas como um único imóvel encontraria duas barreiras lógicas.
    A primeira: a estrada não poderia ser incluída como área privada, sendo imperativa a separação do bem público do patrimônio privado.
    Uma das maiores responsabilidades do registrador, hoje em dia, é impedir que áreas públicas sejam incluídas em títulos particulares. Isso tem ocorrido muito nas últimas décadas, mas não exatamente pelos motivos divulgados pelo Governo (fraude em cartórios), mas por uma série de outras situações, das quais pode-se destacar a “falta de controle dos dados registrados”.
    Muitas áreas públicas foram incluídas em matrículas em ações judiciais de usucapião e retificação. Também ocorreu pela alteração unilateral, sem qualquer controle, das descrições dos imóveis quando das alienações, parcelamentos e unificações. Na maioria dos casos, sem qualquer dolo por parte do registrador, mas o erro ocorreu e muitos desses problemas estão sendo descobertos hoje.
    Uma das justificativas para criar a legislação do georreferenciamento foi a necessidade de separação do bem público do particular. Hoje, isso não é apenas uma aspiração; agora, isso é a regra a todos nós imposta.
    A segunda barreira: optando-se pela simples averbação da existência da estrada no interior do imóvel, estaria aí violando vários princípios, dentre eles o da especialidade objetiva, pois não seriam descritas de forma correta as duas glebas, e o da unitariedade da matrícula, pois o fólio real estaria representando dois imóveis e não apenas um.
    Defender essa tese seria aceitar o fim do princípio da unitariedade da matrícula, que aperfeiçoou o complicado sistema anterior das transcrições e trouxe a necessária clareza para o registro público imobiliário.
    Superada essa discussão e sendo aberta uma matrícula para cada gleba resultante, surge outra questão: o fato de uma das glebas (a Gleba B, com 1,8 hectare) ter dimensão inferior à fração mínima de parcelamento (que, em Conchas, é de 2 hectares). O que fazer neste caso?
    Toda essa explicação sobre o princípio da unitariedade da matrícula serve apenas para destacar a lógica do sistema e da necessidade de abertura de matrícula para a área isolada. Isso porque a própria legislação agrária não impede essa providência.
    Note que a referida legislação proíbe apenas:
    • a divisão do imóvel em partilhas judiciais e amigáveis (Estatuto da Terra, artigo 65); e
    • a transmissão, a qualquer título, de parcela de imóvel rural (SNCR, artigo 8º).
    Ambas as hipóteses se referem à intenção do proprietário em parcelar o imóvel rural, ou seja, a lei proíbe o parcelamento voluntário sem a observância da fração mínima de parcelamento.
    Além disso, essa regra da não-divisão do imóvel em área menor que a FMP não é absoluta. O Decreto nº 62.504/68 traz hipóteses de mitigação da regra do artigo 65 do Estatuto da Terra.
    Art. 2º - Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa daquela referida no Inciso I do Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão sujeitos às disposições do artigo 65 da mesma lei e do artigo 11 do Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins: [...]
    O Decreto enumera várias hipóteses permissivas do parcelamento de área menor à FMP, que dependem de prévia autorização do Incra, para a instalação de estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços comunitários (postos de combustível, indústrias, escolas, igrejas e templos em geral, cemitérios, etc.).
    Além das hipóteses de desmembramento por interesse privado, há também as hipóteses de parcelamento decorrentes da supremacia do interesse público sobre o privado. É o que ocorre nas desapropriações de parcela de imóvel rural, deixando remanescer com o expropriado área com dimensão menor à fração mínima de parcelamento.
    O referido decreto nem precisaria tratar do assunto, haja vista a presença do “fato do príncipe”, a força maior que se sobrepõe ao particular, o jus imperiijustificador da criação do imóvel rural com dimensão abaixo da legalmente permitida.
    Mesmo sem essa necessidade, o decreto tratou do assunto com bastante coerência:
    Art. 2º - Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa…

    (à atividade rural)…, não estão sujeitos às …(regras da FMP e do loteamento rural)… desde que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins:


    I - Desmembramentos decorrentes de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, na forma prevista no Artigo 590, do Código Civil Brasileiro de 1916, e legislação complementar. […]
    Art. 3º - Os desmembramentos referidos no inciso I do Artigo 2º deste decreto independem de prévia autorização do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, devendo o desapropriado:
    a) apresentar nova Declaração de Propriedade de Imóvel Rural, referente a área remanescente;
    b) juntar à nova Declaração, certidão atualizada da transcrição imobiliária, em que conste a averbação do ato expropriatório, referido, expressamente, a área desmembrado.
    Vejamos a situação de um imóvel rural, inicialmente de área contínua, sobre o qual passou uma estrada. Como a estrada é um bem público, ocorreu uma desapropriação, independentemente de ter ou não observado o devido processo legal, pois o bem já se torna público pela sua destinação sem a necessidade de qualquer formalidade.
    A lei tanto aceita essa forma irregular de desapropriação que garante ao expropriado apenas um único direito: o de ajuizar uma ação de desapropriação indireta, para requerer apenas a justa indenização, uma vez que o bem não poderá ser recuperado, salvo em raríssimas situações. Além disso, esse direito do expropriado não é eterno, havendo um prazo prescricional de 15 anos (20 anos na vigência do Código Civil de 1916).
    Sendo assim, uma retificação da descrição tabular do imóvel interceptado por via pública deverá gerar a abertura de duas ou mais matrículas, independentemente de um dos imóveis ter dimensão inferior à FMP. A atuação do registrador, nessa hipótese, não configura a infração prevista no §3º do artigo 8º da Lei nº 5.868/72, pois seu ato registral não estará dividindo o imóvel (a divisão ocorreu antes pelo “fato do príncipe”), mas apenas retificando o dado incorreto/defasado do registro público imobiliário.