terça-feira, 26 de abril de 2011

Manual Básico de Retificação de Registro e Georreferenciamento



Após insistentes pedidos, finalmente consegui revisar e publicar o Manual Básico de Retificação de Registro Imobiliário e Georreferenciamento. Esta nova versão está atualizada até abril de 2011 e traz várias novidades que não constavam das versões anteriores.
Esse manual é destinado principalmente a registradores, topógrafos, agrimensores, tabeliães, advogados e proprietários de imóveis que necessitam de retificação de sua descrição tabular. Mas também pode ser bastante interessante para estudiosos do Direito e da Agrimensura.
São 93 páginas, com comentários, modelos e extratos da legislação aplicada.
Faça gratuitamente o download do Manual num desses links:

Abaixo a estrutura do Manual (sumário):

PARTE 1 – RETIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE REGISTRO IMOBILIÁRIO
1. Retificação Extrajudicial de Registro; Um Novo Tempo para o Registro de Imóveis
2. Modelos a Cargo do Requerente
3. Rol dos Documentos a serem Apresentados
3.1 Modelo 1 – Requerimento
3.2 Modelo 2 – Laudo Técnico
3.3 Modelo 3 – Memorial Descritivo
3.4 Modelo 4 – Levantamento Planimétrico
3.5 Modelo 5 – Carta de Anuência
3.6 Anuência obtida com ajuda de e-mail (exemplo de criatividade)
4. Modelos a Cargo do Registro
4.1 Modelo 1 – Notificação de Confrontante
4.2 Modelo 2 – Decisão Interlocutória
4.3 Modelo 3 – Audiência de Conciliação
4.4 Modelo 4 – Qualificação Registral Negativa (decisão formal)
4.5Modelo 5 – Qualificação Registral Negativa (decisão de mérito)
4.6 Modelo 6 – Qualificação Registral Positiva
4.7 Modelo 7 – Matrícula com Descrição Retificada
5. Legislação da Retificação Extrajudicial
PARTE 2 – GEORREFERENCIAMENTO DE IMÓVEIS RURAIS
1. A Aplicabilidade da Lei do Georreferenciamento
2. Comentários sobre o Decreto nº 5.570/2005
3. Comentários sobre os novos atos normativos do Incra
4. Georreferenciamento de Imóveis Rurais; Conceito de Unidade Imobiliária
4.1 Consulta formulada pelo Incra
4.2 Parecer do IRIB
5. Legislação do Georreferenciamento
5.1 Lei dos Registros Públicos (artigos 176 e 225)
5.2 Decreto nº 4.449/2002 (com as alterações do Decreto nº 5.570/2005)
5.3 Decreto nº 5.570/2005
5.4 Atos Normativos do Incra
5.4.1 Resolução Incra/CD nº 29, de 28/11/2005
5.4.2 Portaria nº 514, de 1º/12/2005
5.4.3 Portaria nº 515, de 1º/12/2005
5.4.4 Instrução Normativa nº 24, de 28/11/2005
5.4.5 Instrução Normativa nº 25, de 28/11/2005
5.4.6 Instrução Normativa nº 26, de 28/11/2005
BIBLIOGRAFIA





sexta-feira, 15 de abril de 2011

Georreferenciamento de Imóvel Interceptado por Rodovia e Gasoduto



CONSULTA:


Dr. Eduardo:
Estamos preparando o levantamento topográfico de um imóvel rural para a retificação de sua descrição na matrícula do imóvel. O levantamento será feito com coordenadas georreferenciadas para a obtenção da certificação do Incra.
Essa propriedade, que é cortada por uma rodovia estadual, possui, averbada em sua matrícula, uma servidão de passagem de um gasoduto da Petrobrás. A tubulação está instalada na faixa de domínio da rodovia (pois o gasoduto segue margeando a rodovia), resultando na seguinte situação: a faixa de servidão atinge apenas uma parte do imóvel. 
Como proceder neste caso, uma vez que a averbação da servidão não poderá sair da matrícula. Ou será que pode ser cancelada essa averbação? 

Obrigada.
QCG



PARECER:

A solução é bastante simples.
O agrimensor fará a planta da realidade do imóvel, apresentando duas glebas bem descritas e caracterizadas (uma de cada lado da rodovia). Cada gleba, após a retificação (com ou georreferenciamento), resultará em duas matrículas autônomas.
Na gleba em que passa uma parcela do gasoduto, ele plotará todos os pontos para a sua descrição, a qual, segundo suas informações, será um pouco menos que uma "meia-faixa" encostada na divisa do imóvel com a rodovia.
Veja, na ilustração abaixo, a imagem do imóvel (situação real) e dos trabalhos técnicos que o agrimensor apresentará para a retificação de registro.
Resumindo:
  • a rodovia fica de fora da descrição das glebas, pois é imóvel público;
  • a parcela da servidão que passa pelo imóvel deve ser incluída na planta e descrita, de forma autônoma em quadro separado, mas não deve, de forma nenhuma, ser destacada do imóvel (da gleba por ela afetada), pois a propriedade dessa faixa de terras é do proprietário do imóvel e não da Petrobrás;
  • a descrição de cada uma das glebas deve ser feita de forma autônoma (uma descrição por gleba, pois cada uma resultará em uma nova matrícula);
  • a certificação do Incra quanto ao georreferenciamento será uma única, pois ela abrange todo o conjunto, que é o "imóvel rural" sob a ótica cadastral (direito agrário), nos termos do Estatuto da Terra);
  • destaco com a devida ênfase: a descrição da gleba por onde passa o gasoduto deve ser de toda a gleba e não apenas da área não onerada pela servidão; ou seja, teremos duas glebas a serem certificadas em conjunto pelo Incra; e teremos uma descrição autônoma da servidão (descrição nova que depende de anuência expressa ou notificação da Petrobrás);
  • apenas para deixar consignado, há que se obter as anuências (ou efetivar as notificações) não apenas da Petrobrás, mas também de todos os confrontantes, incluindo entre eles o DER.
Por fim, todas as descrições no interior do imóvel devem estar na mesma linguagem da descrição perimetral (no caso, UTM Sirgas 2000) e com os necessários pontos de amarração. Atente para os pontos 2 e 5 da gleba A da ilustração. Se não fosse a servidão eles não existiriam na descrição perimetral; mas, como há a servidão, tal ponto é essencial inclusive para o Incra, que o exigirá do imóvel vizinho quando da certificação de seu georreferenciamento, pois o gasoduto continua seu curso interceptando outras propriedades imobiliárias.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Usucapião Extrajudicial; o Instrumento Eficaz da Regularização Fundiária


Texto atualizado em 5/4/2012 devido às modificações feitas pela Lei nº 12.424/2011 e pelo fato de eu ter mudado meu posicionamento sobre o tema "usucapião de imóvel público". 

INTRODUÇÃO
A falta de moradia é um dos maiores problemas dos centros urbanos do Brasil, surgido com o êxodo rural iniciado na década de 60, quando houve pesados investimentos no setor industrial, impulsionado, em parte, pela abertura da economia para o mercado internacional. O rápido desenvolvimento econômico dos grandes centros urbanos atraiu migrantes não apenas das zonas rurais circunvizinhas, mas também de outras regiões do país, tendo as cidades do Sudeste atraído uma grande massa de pessoas do Norte e do Nordeste do país. 
No entanto, nenhum desses centros urbanos possuía estrutura para receber, de uma hora para outra, milhares de pessoas em busca de emprego, moradia e, principalmente, de condições para sobreviver. A maior parte dos migrantes não possuía qualificação suficiente para suprir as necessidades da indústria, nem condições financeiras para a própria sobrevivência. O resultado não poderia ser outro: alto índice de desemprego, favelização nas periferias, proliferação de doenças, aumento da criminalidade.
A carência de moradia afeta diretamente a dignidade da pessoa humana, sendo portanto uma das prioridades a ser incluída em todo plano de governo. Diante desse panorama nada confortável, a regularização fundiária passou a ser uma bandeira empunhada por muitos governantes, os quais, no entanto, têm encontrado muitas dificuldades para a solução desse problema.
Muitos críticos apontaram a pesada burocracia cartorária como a principal culpada do insucesso das várias iniciativas governamentais de resolver a questão da regularização fundiária. No entanto, os argumentos são falhos, pois, além de confundirem segurança jurídica com disfunção burocrática, não percebem que a falha está na falta de sintonia entre os diversos diplomas legais existentes.
Este artigo tem por objetivo demonstrar que o insucesso de vários planos de regularização fundiária está na não-atribuição de domínio ao beneficiário e na falta de coordenação entre as várias iniciativas governamentais com os princípios registrais imobiliários, que existem para garantir o direito fundamental da propriedade privada.
O caminho para a solução desse problema finalmente está sendo apontado pelo artigo 60 da Lei nº 11.977/2009, que instituiu a usucapião extrajudicial, certamente o principal instrumento jurídico de regularização fundiária, cuja eficácia será comprovada em um curto período de tempo.
Para demonstrar a potencialidade das novas regras de regularização fundiária, caracterizadas pela facilidade procedimental devido à desjudicialização do reconhecimento da aquisição do domínio por usucapião, será aqui apresentado um hipotético procedimento de regularização fundiária de interesse social. A demonstração de cada uma de suas fases, comentadas nos termos das normas específicas da Lei nº 11.977/2009 e dos demais diplomas legais em vigor, comprovará que o problema nunca esteve na “pesada burocracia cartorária” e que a rigidez da segurança jurídica do direito da propriedade privada não atrapalha a regularização fundiária, muito pelo contrário, pois confere a ela o sucesso esperado, devido ao título de domínio que será, ao final, conferido a cada uma das famílias de baixa renda beneficiadas pelo programa.

1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
1.1 A Desjudicialização dos Procedimentos Consensuais
Nesta última década, surgiram várias inovações legislativas que retiraram do Poder Judiciário a competência para a homologação de alguns interesses privados, fato este que demonstra uma tendência à desjudicialização de tudo aquilo que não se encaixe na competência natural desse Poder, que é a composição de conflitos. Sendo assim, tudo que se refira à jurisdição voluntária está, aos poucos, sendo transferido para a esfera extrajudicial, a cargo dos notários e dos registradores.
Os principais exemplos dessa tendência de desjudicialização são:
  1. a Lei nº 10.267/2001, que criou a obrigatoriedade do georreferenciamento dos imóveis rurais, competindo ao registrador a retificação da descrição tabular do imóvel (desjudicialização embrionária, pois somente se tornou viável após a vigência da Lei nº 10.931/2004 – vide próximo item);
  2. a Lei nº 10.931/2004, que alterou a Lei dos Registros Públicos, criando o procedimento extrajudicial de retificação de registro;
  3. a Lei nº 11.441/2007, que possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via extrajudicial;
  4. a Lei nº 11.481/2007, que alterou o Decreto-Lei nº 9.760/1967 (Bens Imóveis da União), inserindo regras de demarcação de terrenos públicos para regularização fundiária de interesse social, cujo procedimento é inteiramente presidido pelo registrador imobiliário; e
  5. a Lei nº 11.977/2009, que criou o “Programa Minha Casa, Minha Vida” e estipulou um completo procedimento de regularização fundiária, destacando-se a criação do procedimento extrajudicial de usucapião, sob a responsabilidade do registrador imobiliário.
1.2 Burla à Lei do Parcelamento do Solo Urbano
Os problemas que hoje afetam os grandes centros urbanos resultam em uma nação de excluídos, formada por pessoas que vivem em favelas, debaixo de viadutos, nas escadarias de igrejas, sem as mínimas condições de higiene, sem um mínimo de dignidade.
Todo espaço vazio existente nos centros urbanos, quer seja público ou privado, fica à mercê de invasões, resultando em favelas e cortiços, cuja precariedade de higiene e segurança é notória. Os que possuem mínimas condições financeiras para não se sujeitar a morar nesses locais e que não querem se sujeitar aos aluguéis, contentam-se com a aquisição de lotes em parcelamentos informais, formando uma grande demanda que estimula a burla à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79 - LPS).
As regras da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, que estão em plena sintonia com o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), têm por objetivo garantir que o empreendimento imobiliário colabore para um crescimento ordenado das cidades, de forma sustentável, que engloba o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. A aprovação municipal do empreendimento deve atentar também para a oferta racional de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais. Sendo assim, o empreendedor não poderá se concentrar apenas na busca do lucro a ser gerado pela venda dos lotes, mas deverá, em contrapartida, arcar com a infraestrutura necessária para atender a comunidade que ali se instalará.
No entanto, devido à grande procura por imóveis baratos, proliferaram loteamentos clandestinos em todo o país, que se resumiam na simples demarcação de lotes em grandes áreas urbanas e rurais, com a promessa do empreendedor de que, posteriormente, seriam feitas as ligações de água e luz. Essa promessa nem sempre era cumprida, ou cumprida em parte, sobrando aos adquirentes dos lotes as despesas com as instalações. No final, o prejuízo maior é da própria sociedade, uma vez que acaba sobrando para o poder público municipal suprir as deficiências de uma comunidade que foi instalada de forma irresponsável pela especulação imobiliária.
Esses empreendimentos não colaboraram em nada para o solução do problema de moradia, pois o aumento da oferta de imóveis sem a criação da necessária infraestrutura gerou problemas ainda maiores para seus adquirentes, que não recebem o tão desejado título de domínio, pois seus lotes foram criados em total desrespeito à lei.
O modelo de desenvolvimento e expansão que comandou nossa urbanização acelerada, produziu cidades fortemente marcadas pela presença das “periferias” e “favelas”. Dezenas de milhões de brasileiros não têm tido acesso ao solo urbano e à moradia senão através de processos e mecanismos informais - e frequentemente ilegais -, autoconstruindo um habitat precário, vulnerável e inseguro. Favelas, loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, loteamentos clandestinos, cortiços, casas de fundo, ocupações de áreas públicas, nas encostas e beiras de rios – essas têm sido as principais formas de habitação produzidas diariamente nas cidades brasileiras, pela maior parte de nossos moradores urbanos.[1]
1.3 As Normas de Regularização Fundiária

O artigo 182 da Constituição Federal determina que a política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, deve ser executada pelo Município, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
As diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano estão enumeradas no artigo 2º do Estatuto da Cidade. O inciso XIV destaca, como diretriz geral, a “regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais”.
Por não serem usucapíveis os imóveis públicos, a Medida Provisória nº 2.220/2001 garante a concessão de uso especial para fins de moradia àqueles que cumprirem os mesmos requisitos constitucionais da usucapião especial, quando incidentes sobre imóvel público. Esta forma de regularização é incompleta, pois não confere ao beneficiário um título de propriedade, mas um título de posse precário, uma vez que pode se extinguir de pleno direito diante da implementação de uma das condições resolutivas do artigo 8º da referida MP (se der ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família; ou se o concessionário adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural).
Por mais que a legislação confira ao título de posse valor de garantia real, esta somente se aplica no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, não se constituindo num ativo financeiro de livre uso e aceitação no mercado. Diante disso, esses imóveis perdem seu real valor (riqueza depreciada) e seus possuídores continuam sem acesso ao crédito, pois “sem representações, seus ativos são capital morto”.[2]
A regularização fundiária somente será eficaz se conferir título de domínio ao beneficiário. O titular de um imóvel matriculado poderá hipotecar seu direito para garantir uma dívida necessária para expandir seus negócios, para tratar uma enfermidade ou para a obtenção de um novo imóvel. A segurança proporcionada por uma garantia real é suficiente para se obter capital por juros menores. Juros menores favorecem o adimplemento e, dessa forma, haverá uma maior circulação de riquezas na base da pirâmide social, colaborando para o desenvolvimento socioeconômico da comunidade e com a erradicação da pobreza.
O capital é a força que aumenta a produtividade do trabalho e gera a riqueza das nações.[3]
No caso de parcelamentos irregulares ocorridos em áreas privadas, o problema tem sido a dificuldade de atribuição do direito de propriedade ao beneficiário da regularização fundiária. Sendo a área privada, pertence ela a algum particular e, em regra, somente este pode transferir o domínio, não podendo o poder público, sem o devido processo legal, modificar esse direito. Para esses casos, a lei sempre permitiu a desapropriação ou a aquisição por usucapião.
A desapropriação tornaria o imóvel público, o que complicaria a sua transferência para o patrimônio privado de seus ocupantes, ressaltando, mais uma vez, que a concessão de uso especial para fins de moradia não é a melhor solução. A aquisição por usucapião, devido às regras procedimentais do Código de Processo Civil, nem sempre viabilizava o procedimento, pois, na verdade, uma regularização fundiária não se resume a um simples reconhecimento da aquisição imobiliária pela longevidade da posse, mas de um complexo procedimento de parcelamento do solo urbano, que envolve a análise de inúmeras questões urbanísticas e ambientais, que exigiria que todo o procedimento se desenvolvesse em conjunto, em perfeita sintonia.
Diante dessas dificuldades, a Lei nº 11.977/2009 (que trata do “Programa Minha, Casa Minha Vida” e da regularização fundiária de assentamentos urbanos)[4] trouxe uma excelente e eficaz solução: um completo e eficaz procedimento de regularização fundiária, de trâmite bastante simplificado, mas sem se afastar dos necessários princípios registrais que existem para garantir a necessária segurança jurídica do direito fundamental da propriedade privada. Para sanar a principal falha das iniciativas anteriores, foi criada a usucapião extrajudicial, um novo instrumento jurídico de reconhecimento da aquisição do domínio a cargo do registrador imobiliário.

2. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
2.1 Regularização Fundiária de Assentamentos Urbanos
A Lei nº 11.977/2009 é o documento legal mais completo sobre regularização fundiária, pois além de englobar conceitos específicos, diretrizes e princípios perfeitamente coordenados com o Estatuto da Cidade, trata, com detalhes, das regras procedimentais da regularização fundiária e criou novos instrumentos jurídicos que realmente solucionam o problema.
Regularização fundiária é um “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (artigo 46).
Desse conceito legal, verifica-se que a regularização fundiária possui dois objetivos distintos, mas intimamente ligados (interdependentes): a regularização de assentamentos irregulares, que se resume na formalização registral do parcelamento do solo, com o nascimento jurídico das unidades habitacionais, sendo cada uma representada por uma matrícula autônoma; e a titulação de seus ocupantes, representada pelo registro do direito cabível (posse, uso especial para fins de moradia ou propriedade) na matrícula do imóvel em favor de cada família beneficiada pelo procedimento.
Possuem legitimidade ativa para provocar o procedimento de regularização fundiária, nos termos do artigo 50, o poder público, os seus beneficiários (individual ou coletivamente) e várias outras entidades civis ligadas aos beneficiários ou que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária. Independentemente de quem o tenha requerido, o procedimento somente será viabilizado com a efetiva participação de seus protagonistas, que são o poder público, a comunidade envolvida e o registro imobiliário.
O artigo 51 trata do projeto a ser elaborado pelo interessado, o qual muito se assemelha a um projeto de loteamento, uma vez que um dos objetivos é a formalização do parcelamento do solo para viabilizar o surgimento jurídico das matrículas individualizadas de cada unidade habitacional e espaços públicos englobados na regularização.

2.2 Modalidades de Regularização Fundiária
Ao tratar da regularização fundiária de assentamentos urbanos, a lei criou duas modalidades diversas de regularização, a de interesse social e a de interesse específico.
Enquadram-se como objeto de regularização fundiária de interesse social, nos termos do inciso VII do artigo 47, os assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, que possua qualquer um dos seguintes requisitos:
  1. que a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, cinco anos;
  2. que a área abrangida esteja situada em Zona Especial de Interesse Social (ZEIS); ou
  3. que a área abrangida seja de titularidade do poder público e que tenha sido declarada de interesse para implantação de projeto de regularização fundiária de interesse social.
A regularização fundiária de interesse específico, por sua vez, serve para a regularização fundiária das demais hipóteses, ou seja, para regularizar qualquer assentamento urbano que não se enquadre como de interesse social.
O enquadramento do procedimento de regularização fundiária em uma ou outra modalidade resulta apenas em duas consequências em favor da regularização fundiária de interesse social: uma maior mitigação de algumas exigências urbanísticas e ambientais e a aplicabilidade da usucapião extrajudicial.
Uma mitigação de exigências que pode ser aplicada às duas modalidades é a hipótese prevista no artigo 52, em que o Município, mediante lei específica para a área a ser regularizada, poderá autorizar a redução do percentual de áreas destinadas ao uso público e da área mínima dos lotes definidos na legislação de parcelamento do solo urbano, desde que o referido assentamento tenha sido consolidado antes da publicação da Lei nº 11.977/2009 (8/7/2009).
Por fim, a Lei nº 11.977/2009 não se aplica para a regularização de assentamentos rurais. Nas hipóteses de parcelamento irregular localizado na zona rural, o que é muito comum no estado de São Paulo, a utilização deste procedimento de regularização fundiária poderá ser viabilizado, com a prévia inclusão dessa área na zona urbana (ou de expansão urbana) pela legislação municipal.

3. PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
3.1 Intróito
Aqui será analisado apenas o procedimento de regularização fundiária de interesse social, por ser mais completo e servir de paradigma para o procedimento da regularização fundiária para fins específicos.
Pela sistemática apresentada pela Lei nº 11.977/2009, o procedimento de regularização fundiária de interesse social possui três fases distintas:
  1. Fase preliminar: elaboração do projeto de regularização fundiária, a cargo do interessado e do poder público;
  2. Fase procedimental: regularização do parcelamento do solo, mediante um procedimento completo e ordenado, presidido pelo registrador imobiliário; e
  3. Fase complementar: registro em prol dos beneficiários, efetuado na matrícula específica da unidade habitacional, apenas se comprovado o direito (posse, uso especial ou domínio) e quando provocado pelo interessado.
3.2     Fase Preliminar
3.2.1 Elaboração do projeto
A fase preliminar fica a cargo do interessado pela regularização fundiária (qualquer um dos legitimados a requerer o procedimento, nos termos do artigo 50). No entanto, a efetiva participação do poder público municipal, nessa fase, é essencial para o sucesso do programa.
Nessa fase, deverá ser elaborado o projeto de regularização fundiária, que deverá possuir, no mínimo, os seguintes elementos (artigo 51):
  1. planta e memorial descritivo de todo o assentamento, com a completa descrição de cada lote (unidade habitacional), de cada espaço público e das vias de circulação, nos termos das normas municipais;
  2. as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental do assentamento, incluindo eventuais compensações urbanísticas e ambientais (cronograma de providências específicas);
  3. as medidas necessárias para promover a segurança da população em situações de risco e para a adequação da infraestrutura básica (cronograma de obras de infraestrutura); e
  4. cadastramento de todos os ocupantes das unidades habitacionais que serão beneficiários do procedimento de regularização fundiária (este item não consta do artigo 51).
O artigo 58 diz que o projeto deverá ser elaborado a partir da averbação do auto de demarcação urbanística, mas isso somente pode ser falha redacional, uma vez que o auto de demarcação urbanística dependerá desse projeto para ser emitido. Há, portanto, necessidade de uma releitura desse dispositivo legal, para torná-lo coerente com o sistema.
Art. 58.  A partir da averbação do auto de demarcação urbanística, o poder público deverá elaborar o projeto previsto no art. 51 e submeter o parcelamento dele decorrente a registro. 
3.2.2 Aprovação do projeto
O projeto de regularização deverá ser submetido à apreciação do Município, cuja aprovação englobará o licenciamento ambiental e urbanístico, desde que o Município possua conselho de meio ambiente e órgão ambiental capacitado (artigo 53 e seu §1º). 
Figura 1 – Aprovação do projeto de regularização fundiária.

Não existindo esses órgãos na estrutura municipal, será necessário, antes da aprovação municipal, o licenciamento do órgão ambiental estadual, que aplicará no caso as regras de mitigação previstas na referida lei.
Das mitigações e facilitações que a lei permite aplicar a essa modalidade de regularização fundiária, destacam-se:
  1. as características da ocupação e da área ocupada deverão ser consideradas para a definição dos parâmetros urbanísticos e ambientais específicos (artigo 54, “caput”);
  2. a formalização da ocupação de áreas de preservação permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior (artigo 54, §1º); e
  3. a implantação e a manutenção do sistema viário e da infraestrutura básica ficará a cargo do poder público, independentemente de quem tenha requerido a regularização fundiária de interesse social (artigo 55).

3.2.3 Auto de demarcação urbanística
Após a aprovação municipal (acompanhada do licenciamento ambiental emitido pelo órgão estadual, se for o caso), o Município deverá[5] lavrar auto de demarcação urbanística (ADU), instruindo-o com os trabalhos técnicos de agrimensura, com uma planta demonstrativa da sobreposição da área objeto da regularização com os títulos de propriedade existentes (matrículas ou transcrições) e a certidão atualizada dessas matrículas ou transcrições.
Figura 2 – Auto de demarcação urbanística.

Os §§ 2º e 3º do artigo 56 requerem uma cuidadosa interpretação:

§ 2º  O Poder Público deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados, previamente ao encaminhamento do auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, para que se manifestem no prazo de trinta dias quanto:
I - à anuência ou oposição ao procedimento, na hipótese da área a ser demarcada abranger imóvel público;
II - aos limites definidos no auto de demarcação urbanística, na hipótese de a área a ser demarcada confrontar com imóvel público; e
III - à eventual titularidade da área, na hipótese de inexistência de registro anterior ou de impossibilidade de identificação dos proprietários em razão de imprecisão dos registros existentes.
§ 3o  Na ausência de manifestação no prazo previsto no § 2o, o poder público dará continuidade à demarcação urbanística. 
Se a área ocupada for pública, a regularização fundiária não poderá ter por objetivo final a conversão da posse em propriedade pela usucapião extrajudicial. Isso porque imóvel público não pode ser usucapido, por expressa determinação constitucional. A solução é a concessão de uso especial para fins de moradia.
Se a área ocupada for de titularidade da União ou do Estado, não poderá o Município dar continuidade à regularização, pois somente o ente público titular do imóvel possui legitimidade para emitir a concessão de uso especial para fins de moradia. Além disso, o §4º já indica a necessidade de aplicação das normas patrimoniais específicas de cada ente federativo para a regularização fundiária de interesse social em imóveis públicos.
Atenção: mudei meu posicionamento sobre este ponto (usucapião de imóvel público). Daqui a alguns dias, publicarei um artigo específico sobre isso e farei a alteração neste texto. (26/3/2012)
A interpretação a ser dada ao §2º do artigo 56, principalmente no tocante à preclusão prevista no §3º, é que o prazo de 30 dias sem manifestação do ente público notificado permite a continuidade da demarcação urbanística somente nos casos de confrontação com imóvel público ou nos casos em que, no meio do assentamento existam unidades públicas (delegacia de polícia, posto do INSS, hospital estadual), as quais ou serão tituladas em nome do respectivo ente federativo (melhor opção, figurando o outro ente federativo na qualidade de um dos "beneficiários" da regularização fundiária procedida pelo Município), ou ficarão de fora da regularização fundiária por já estarem em nome do respectivo ente federativo (o que tornaria tais áreas confrontantes da demarcação urbanística). A manifestação do ente federativo, portanto, teria por escopo apontar eventuais falhas no levantamento que pudessem prejudicar as áreas públicas de sua titularidade, as quais não serão, de forma alguma, transmitidas a terceiros.
Na hipótese de uma parcela da área ocupada pelos particulares ser imóvel de titularidade do Estado ou da União, nada impede que o respectivo ente federativo doe o imóvel ao Município para essa finalidade ou lhe outorgue poderes específicos para dar continuidade à regularização fundiária. Seja qual for a via eleita, os ocupantes somente poderão ser agraciados com a concessão de uso especial para fins de moradia e nunca com a legitimação de posse conversível em domínio.

Atenção: mudei meu posicionamento sobre este ponto (usucapião de imóvel público). Daqui a alguns dias, publicarei um artigo específico sobre isso e farei a alteração neste texto. (26/3/2012)
Por fim, o §2º diz que “o poder público deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados”. Apesar de esse mesmo parágrafo prever expressamente que tal notificação deve ser feita "previamente ao encaminhamento do auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis", essa não é a melhor opção. Tal notificação deveria ser efetivada pelo registrador imobiliário após o recebimento e análise do auto de demarcação urbanística, já na fase procedimental da regularização fundiária, uma vez que, na grande maioria dos casos, somente após a análise do projeto pelo registrador, será possível verificar a existência de imóvel público de outro ente federativo na área abrangida pela demarcação. Isso proporcionaria uma maior segurança ao ente público notificado, uma vez que a notificação traria informações não apenas do agente regularizador, mas também do registrador imobiliário, que tem o dever de zelar pelos direitos reais incidentes sobre os imóveis localizados em sua circunscrição.

3.3     Fase Procedimental: Regularização do Parcelamento do Solo
3.3.1 Identificação dos títulos onerados
Cumprida a fase preliminar, o interessado deve encaminhar ao Registro de Imóveis o Auto de Demarcação Urbanística instruído com os trabalhos técnicos de agrimensura e, quando possível, com uma planta demonstrativa da sobreposição da área objeto da regularização com os títulos de propriedade existentes e com a certidão atualizada desses títulos.
Compete ao registrador autuar a documentação (mediante a prenotação do ADU) e dar início ao procedimento. A primeira atividade, que costuma ser de grande complexidade, é a identificação de todos os imóveis (matrículas ou transcrições) que se encontram abarcados pela demarcação urbanística e dos imóveis que com ela confrontam. Tal identificação visa a possibilitar a correta notificação dos proprietários, dos confrontantes e de eventuais interessados (credor hipotecário, por exemplo) da área incluída no procedimento de regularização fundiária.
Figura 3 – Levantamento da área a ser regularizada.

Devido à grande dificuldade de se identificar com precisão esses imóveis, não há como exigir que o ADU venha necessariamente instruído com uma planta demonstrativa da sobreposição da área objeto da regularização com os títulos de propriedade existentes, pois tal identificação, que já é dificultosa para o registrador, fica ainda mais complexa para o interessado ou para o Município.
É também pelo mesmo motivo que a notificação de outros entes federativos somente deveria ser procedida nessa fase procedimental, após o registrador ter verificado a existência de matrículas em nome do poder público. Isso porque, não raras vezes, um órgão estadual (uma delegacia de polícia, por exemplo) pode estar sediada há décadas em um imóvel da União, situação esta que pode ser facilmente identificada pelo registrador caso haja matrícula desse bem, informação que nem sempre é do conhecimento das autoridades que no momento ocupam o referido imóvel. Nesse exemplo, a legitimidade da União para anuir ao procedimento é inafastável, apesar de também existir o mesmo interesse por parte do Estado (além da situação fática indiscutível, é possível a existência de um título não registrado de transferência do imóvel da União para o Estado).
Com a completa identificação dos imóveis abrangidos pela demarcação, há que ser feita a correção da planta demonstrativa da sobreposição da área objeto da regularização com os títulos de propriedade existentes, com a maior precisão que os dados registrais possibilitarem, uma vez que será com base em tal planta que eventuais impugnações referentes à titularidade dos imóveis serão julgadas pelo juízo competente. Portanto, essa planta de sobreposição é essencial não apenas como formalidade para prenotar o pedido de averbação do auto de demarcação urbanística, mas principalmente como meio de prova da situação jurídica dos imóveis afetados pela regularização fundiária. Sempre que surgirem novas provas que demonstrem falhas nessa peça técnica, há que se providenciar sua correção, fazendo a juntada da nova planta no procedimento extrajudicial de regularização fundiária.
No caso de pluralidade de títulos (matrículas ou transcrições de titulares diversos) abarcados pela regularização, o ideal é a correta alocação de todos os seus limites. No entanto, não havendo dados suficientes para isso, a área deverá ser identificada pelo conjunto de títulos, sem o arbitramento de suas divisas, para que eventual impugnação por um ou outro titular não seja mal avaliada pelo juiz competente para dirimir o conflito.
Por exemplo: o titular do imóvel de matrícula 1278 somente poderá impugnar a parcela da demarcação que invada o seu imóvel. No caso do exemplo 1, sua área está bem delimitada, não podendo portanto haver impugnação da demarcação que afete parcela fora de seu domínio. No entanto, no exemplo 2, não há como definir quais são seus limites, competindo ao impugnante comprovar a extensão de seu direito mediante todos os meios de provas aceitos em direito no bojo do procedimento judicial que resultará de sua oposição ao procedimento.
Figura 4 – Pluralidade de títulos abrangidos pela regularização.

Outra situação interessante: o imóvel de matrícula 831 está registrado em nome de um particular (domínio privado), mas no local há uma escola estadual em pleno funcionamento há mais de duas décadas. Apesar do interesse do Estado na presente regularização (ele deverá ser notificado devido à situação fática e devido à possibilidade de existência de título não registrado), a sua participação no procedimento será a de mero beneficiário do procedimento de regularização fundiária e não de titular de imóvel público a ser onerado com a regularização, uma vez que a titularidade específica dessa área deverá ser atribuída ao poder público estadual.
3.3.2 Notificação dos interessados
O §1º do artigo 57 determina que o registrador imobiliário notificará, pessoalmente ou pelo correio, os titulares das áreas abrangidas pela demarcação e seus confrontantes. O §2º determina que o ente regularizador notifique, por edital, eventuais interessados e os proprietários e confrontantes que não foram alcançados pela notificação efetivada pelo registrador imobiliário. Da leitura conjunta desses dois parágrafos, conclui-se que o edital deve ser o mais abrangente possível, ou seja, deve estar direcionado aos proprietários da área afetada pelo ADU (proprietários e sucessores), aos confrontantes (titulares, ocupantes e sucessores dos imóveis lindeiros) e a eventuais interessados, não sendo necessário aguardar o resultado de todas as notificações. No entanto, a notificação do titular ou de confrontante por edital somente será válida diante da comprovação da tentativa frustrada da notificação pessoal ou pelo correio, documentação esta que deverá integrar o procedimento de regularização fundiária.
3.3.3 Impugnação do auto de demarcação urbanística
A impugnação deverá ser encaminhada pelo interessado diretamente ao registrador imobiliário, uma vez que o procedimento é por ele presidido. O prazo que a lei concede para a impugnação não pode ser considerado preclusivo, uma vez que uma impugnação judicial ao procedimento de regularização fundiária poderá resultar favorável ao oponente a qualquer tempo, antes da conversão da posse em propriedade (pelo impugnante proprietário que comprove a falta de requisitos para a aquisição do domínio) ou até mesmo depois do reconhecimento da aquisição do domínio por usucapião (na hipótese de comprovação de que o imóvel seja público).
O prazo existe para viabilizar a continuidade do procedimento, ou seja, enquanto não expirados todos os prazos das notificações (serão vários prazos, dependendo do quando se efetivou cada notificação), o procedimento ficará sobrestado.
Havendo impugnação, o registrador deverá, inicialmente, analisar o mérito e fazer seu juízo de valor, que poderá ser:
  1. a impugnação é procedente, pois trouxe informação que comprova uma falha no auto de demarcação urbanística;
  2. a impugnação trouxe informação que merece melhor averiguação para apurar sua procedência ou não; ou
  3. a impugnação é improcedente.
Em todos os casos, o registrador notificará o poder público para que se manifeste no prazo de 60 dias. Tratando-se de impugnação procedente (basta forte suspeita, não havendo necessidade de certeza quanto ao alegado pelo impugnante), convém aproveitar a notificação para determinar ao poder público as providências necessárias para sanar os vícios revelados. Neste caso, o prazo de 60 dias determinado pelo §6º do artigo 57 pode ser ampliado pelo registrador, a seu prudente critério (exemplo: prazo adequado às providências de saneamento do projeto de regularização), uma vez que o objetivo da lei não é punir o requerente com regras procedimentais, mas apenas impedir que a sua desídia emperre o procedimento.
Em resposta à impugnação, poderá o poder público tomar uma das seguintes providências:
  1. desqualificar os argumentos do impugnante;
  2. alterar o auto de demarcação urbanística e todas as demais peças do projeto, no caso de concordar no todo ou em parte com a impugnação; ou
  3. propor uma audiência de conciliação, sob a presidência do registrador imobiliário, com vistas a esclarecer os pontos divergentes e, se possível, solucionar a questão de comum acordo.
Recebida a manifestação do poder público, o registrador decidirá quem tem razão. Se a razão estiver com o impugnante, julgará o pedido de averbação do auto de demarcação urbanística improcedente ou, se for o caso, determinará as correções necessárias mediante decisão interlocutória. Se a razão estiver com o poder público (aqui também não há necessidade de certeza sobre isso), deverá ser tentada uma conciliação, nos termos do §9º do artigo 57.
O §8º do artigo 57 prevê que se a impugnação versar apenas sobre parte da área (por exemplo, o titular da matrícula 987 do exemplo 1 da figura anterior), o procedimento seguirá em relação à parcela não impugnada. Esse parágrafo deve ser interpretado com prudência, uma vez que isso somente será possível se houver um completo “desmembramento do projeto”, sob pena de se perder o controle qualitativo e quantitativo da área remanescente. Por fim, essa providência somente seria recomendável diante do insucesso da tentativa de conciliação, fato este que, nos termos do §10, resulta no indeferimento do pedido no tocante à área impugnada. No caso do exemplo 2 da figura anterior, em que não há como comprovar a exata localização e formatação do imóvel de matrícula 987, o procedimento de regularização fundiária estaria inteiramente prejudicado.
No caso de audiência de tentativa de conciliação, há que se ressaltar que não pode ser admitida um acordo que contrarie os fatos comprovados por uma impugnação procedente. Isso seria um absurdo. Comprovado, por exemplo, que a demarcação invade parcela do imóvel lindeiro, não pode uma simples transação com o poder público ter o condão de alterar o direito real de propriedade do confrontante, “empurrando seus limites para fora da demarcação”. Nesse caso há que se incluir a matrícula desse imóvel na área abrangida pelo auto de demarcação, localizá-lo na planta de sobreposição e converter o “confrontante” em “proprietário”, uma vez que o ADU deverá ser averbado também em sua matrícula, haja vista a inclusão de parte de seu imóvel no procedimento de regularização fundiária.
Não havendo conciliação entre impugnante e poder público, nem havendo providências de saneamento a serem tomadas pelo interessado, o registrador deverá indeferir o pedido de averbação da demarcação urbanística no que se refere à área impugnada. Esse indeferimento não significa que o pedido foi julgado improcedente, pois se trata de uma qualificação negativa formal, em decorrência de impugnação fundamentada em que não houve conciliação.
3.3.4 Intempestividade da impugnação
No caso de impugnação intempestiva que não traga elementos convincentes da irregularidade do procedimento ou do prejuízo indevidamente imposto ao impugnante, por óbvio, deve ser ignorada pelo registrador (a impugnação deverá ser juntada ao procedimento com a certidão de sua intempestividade e, se for o caso, com uma decisão interlocutória desqualificando seus argumentos).
No entanto, na hipótese de impugnação intempestiva que traga ao registrador elementos de convicção de que há séria irregularidade em qualquer item do procedimento, compete ao registrador, de ofício, indeferir o pedido ou determinar a correção do auto de demarcação, pois é de sua competência zelar pela regularidade de todos os atos registrais a serem praticados. Neste caso, o indeferimento não se deu pela "impugnação não conciliada", mas pela convicção do registrador quanto à irregularidade do pedido.
3.3.5 Averbação do auto de demarcação urbanística
Após o decurso do prazo de todas as notificações e da solução amigável (e principalmente jurídica) de eventuais impugnações, o registrador imobiliário, estando convicto da regularidade do auto de demarcação urbanística, averbará o título em todas as matrículas por ele afetadas (§4º do artigo 57). No caso de encontrar falhas ou irregularidades, o registrador deverá indeferir o pedido ou determinar seu saneamento, mesmo que não tenha havido nenhuma impugnação.
O auto de demarcação urbanística é uma das inovações da Lei nº 11.977/2009, que o inseriu no item 26 do inciso II do artigo 167 da Lei de Registros Públicos, como título averbável.
A averbação deverá esclarecer se a demarcação abrange o todo ou parte do imóvel e, no caso de a área abranger várias matrículas, esclarecer, quando possível, quais quadras, lotes, existem sobre sua área. A planta de sobreposição serve de base para tais informações. A averbação, em regra, gerará o encerramento da matrícula dos imóveis que forem inteiramente englobados pelo ADU, mesmo no caso de demarcação restrita a apenas um único imóvel, haja vista que a perfeita descrição técnica do empreendimento nunca coincidirá com a descrição existente na matrícula de um imóvel que resultou em um assentamento irregular.
Portanto, a regularização fundiária une, num mesmo procedimento, a retificação da descrição tabular do imóvel (artigo 213 da LRP),[6] o registro do parcelamento do solo urbano (LPS) e o registro da legitimação de posse com sua posterior conversão em domínio (Lei nº 11.977/2009). Somente com a perfeita sintonia de todas essas normas é que se viabiliza a regularização dos assentamentos irregulares, pois as atuais regras possibilitam sanar a questão sem violar o direito fundamental da propriedade privada, somente alienável mediante vontade de seu titular ou em decorrência do devido processo legal.
A matrícula a ser aberta para a área da demarcação deverá fazer expressa remissão aos títulos anteriores (matrículas e transcrições) e incluir no campo “titulares” o nome de todos os proprietários dos títulos onerados. No caso de impossibilidade de identificação dos títulos afetados pelo ADU, o inciso I do artigo 66 ("abertura de matrícula para toda a área objeto de regularização, se não houver") reforça o novel instituto da usucapião extrajudicial e da tendência de desjudicialização das demais modalidades de usucapião. Por esse dispositivo legal, o auto de demarcação urbanística permite a inauguração de matrícula para imóvel nunca antes registrado, com a descrição técnica constante do projeto de regularização.
Neste caso, não há dúvida da necessidade de a notificação das fazendas públicas, com a expressa notícia de que não fora encontrado nenhum título de propriedade privada abrangendo a área da demarcação urbanística. Isso porque há indícios de tal área ser pública (terra devoluta), o que impediria a conversão da posse em domínio privado pela usucapião, por expressa vedação constitucional.
A abertura de matrícula sem remissão à titulo anterior, gera uma situação bastante anômala: com o auto de demarcação urbanística, ocorre, no mundo jurídico, o nascimento de um imóvel sem nenhum titular, pois o domínio somente será reconhecido sobre suas parcelas (lotes) e apenas na fase complementar (5 anos após o registro da legitimação da posse).
3.3.6 Registro do parcelamento do solo
Aberta a matrícula da área demarcada, o próximo passo é o registro do parcelamento do solo (artigo 58), a ser feito com base em todo o projeto de regularização fundiária (artigo 51), que inclui a apresentação de uma série de documentos (artigo 65). Para o registro do parcelamento decorrente da regularização fundiária de interesse social, o parágrafo único do artigo 65 dispensou expressamente os requisitos da Lei nº 6.766/79 (LPS). Com a rubrica “regularização fundiária”, o registro será escriturado de forma bastante parecida com o registro de um loteamento.
Registrado o parcelamento, o imóvel do assentamento deixa de existir, sendo substituído pelas matrículas de todos os lotes e áreas públicas (divergências à parte, é inútil a abertura de matrículas para os logradouros públicos). Em cada matrícula aberta deverá ser feita uma averbação com as restrições urbanísticas ou ambientais existentes (conforme as exigências constantes das aprovações e licenciamentos decorrentes).
Em obediência ao direito fundamental da propriedade privada, todos os lotes serão matriculados em nome dos titulares originais ou, na hipótese de não haver registro anterior (inciso I do artigo 66), as matrículas serão abertas com a observação “sem proprietário”. Isso somente não ocorrerá com as áreas públicas, que deverão abertas já em nome do ente público correspondente, não porque tenha sido reconhecida a titularidade do ente público por usucapião, mas pela utilização do artigo 22 da Lei nº 6.766/70 (LPS), uma vez que o registro efetuado tem o mesmo efeito de um registro de loteamento.
LPS – Art. 22 - Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
O artigo 67 da Lei nº 11.977/2009 reforça esse entendimento:
Art. 67.  As matrículas das áreas destinadas a uso público deverão ser abertas de ofício, com averbação das respectivas destinações e, se for o caso, das restrições administrativas convencionais ou legais. 
Quanto ao fato de se registrar diretamente em nome do poder público que está na posse do imóvel (escola estadual, por exemplo) não parece coerente interpretar com rigidez o artigo 22 da LPS e registrar o imóvel em nome do Município, pois numa regularização fundiária o objetivo maior é tornar jurídica a situação fática, quando esta não se mostre incompatível com o ordenamento jurídico. Portanto, os espaços públicos existentes na área regularizada devem resultar em matrículas em nome do referido ente federativo que esteja na posse, quer direta ou indireta, do imóvel considerado (exemplo de posse indireta: prédio municipal cedido provisoriamente para servir de sede para um destacamento da polícia militar estadual; a área deverá ser registrada em nome do Município). Seja como for, o registro de áreas em nome de entes públicos deve ser precedido das anuência dos entes públicos interessados (podendo ser feita notificação específica para esse fim, cujo silêncio importa em anuência tácita).
Outro ponto que requer flexibilização é quanto às unidades habitacionais. Em regra, serão abertas matrículas para os lotes sem a descrição das construções nele existentes, uma vez que, em situações de regularização fundiária, grande parte das construções está em desacordo com as posturas municipais. Além disso, para a inclusão de construção na matrícula, são necessários vários documentos, como planta e memorial descritivo específicos da construção, alvará municipal (“habite-se”) e CND de contribuições previdenciárias para as construções com área superior a 70 m². Ou seja, o cumprimento dessas regras inviabilizaria por completo a projeto de regularização. Por esse motivo, as unidades habitacionais devem ser tratadas como lotes vazios, competindo a cada interessado, quando possível, regularizar a situação de seu imóvel.
Há também a possibilidade de o objeto da regularização fundiária não ser um parcelamento do solo (um loteamento), mas a regularização de um condomínio edilício irregular (um prédio de apartamentos). Neste caso, a averbação da construção e a criação das unidades autônomas são fases que não poderão ser ignoradas. Portanto, não há como regularizar a titularidade dos apartamentos localizados em um prédio condenado pelas autoridades da Defesa Civil.
Com a abertura das matrículas de todos os imóveis públicos e privados constantes do assentamento, está finalizada a fase da regularização da situação jurídica “stricto sensu” dos imóveis, faltando apenas efetuar a titulação de seus ocupantes, de forma a ligar cada família ao lote matriculado.
3.4 Fase Complementar: Registro em Prol dos Beneficiários
3.4.1 Intróito
A fase final do procedimento de regularização fundiária de interesse social, ao contrário da fase procedimental, em que todos os atos e providências estão concentrados, ocorre de forma dispersa, da mesma forma como ocorre com o loteamento que, depois de registrado, o procedimento é encerrado, passando os lotes matriculados a integrar o livro 2 de forma autônoma, como qualquer outro imóvel constante do registro imobiliário.
O empreendimento desapareceu. Em seu lugar há uma pluralidade de lotes ainda em nome dos titulares originais do imóvel que foi parcelado (ou de ninguém, no caso de não identificado título anterior). Todas as demais providências que venham a ocorrer, como a legitimação de posse, a conversão da posse em domínio, a cessão desses direitos, o cancelamento judicial de algum desses direitos em decorrência de irregularidade comprovada, serão efetuadas de forma autônoma apenas nas matrículas afetadas.
Portanto, as providências que competem a essa fase complementar, em regra, não integrarão o “procedimento de regularização fundiária”, que já estará encerrado e arquivado. Por esse motivo, essa fase se desenvolve de forma dispersa, à medida que os interessados requeiram a atuação do sistema registral (princípio da instância).
3.4.2 Concessão do título de legitimação de posse
Com o registro do parcelamento, surgem no mundo jurídico os lotes e as áreas públicas. Com base no cuidadoso cadastro efetuado na fase preliminar, o poder público emitirá títulos de legitimação de posse aos ocupantes (§1º do artigo 58).
Esse título de legitimação é outra das inovações da Lei nº 11.977/2009, que o inseriu no item 41 do inciso I do artigo 167 da Lei de Registros Públicos, como título registrável.
Há que se destacar o alto grau de responsabilidade do agente público responsável pelo cadastramento dos ocupantes, pois compete a ele fiscalizar se o cadastrado cumpre os requisitos enumerados pelo §1º do artigo 59 (análogos aos requisitos do artigo 183 da Constituição Federal). São eles:
  1. não ser concessionário, foreiro ou proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
  2. não ser beneficiário de legitimação de posse concedida anteriormente.
Com as modificações determinadas pela Lei nº 12.424/2011, deixou de ser requisito o limite de 250 m² do tamanho do lote ou “da fração ideal” ocupada para a obtenção da legitimação de posse. No entanto, nos termos do §3º do artigo 60, o prazo para requerimento da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião.
O §2º do artigo 58 dispõe que o título de legitimação de posse “será concedido preferencialmente em nome da mulher”. Esse dispositivo é de flagrante inconstitucionalidade, pois cria uma discriminação em decorrência do sexo (vedado pelo inciso IV do artigo 3º da CF), além de modificar o contido no §1º do artigo 183 da Constituição Federal que trata da usucapião especial:
CF – Art. 183, §1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
O título de domínio deve ser dado a quem cumpriu os requisitos da usucapião, ou seja, se é um casal que ocupa esse imóvel, a outorga do título em nome apenas da mulher poderá prejudicar o marido, caso o regime de bens seja o da separação de bens. A expressão “independentemente do estado civil” constante do texto constitucional refere-se à possibilidade de o título ser concedido ao “casal” mesmo que não sejam casados na forma da lei, ou seja, o texto constitucional visou a evitar toda a forma de discriminação, o que não foi seguido pelo legislador ordinário que cometeu esse imperdoável deslize.
Compete ao poder público, que recebeu da lei a competência para outorgar esses títulos, fazê-lo com o máximo de responsabilidade. Emitido apenas em nome da mulher, quer seja casada pelo regime da comunhão de bens ou da comunhão parcial, o título automaticamente integra o patrimônio do marido e não causará problemas. No entanto, se ela viver em comunhão estável, seu convivente não será beneficiado enquanto não obter uma decisão judicial de reconhecimento da união estável e da comunicação dos direitos incidentes sobre esse bem imóvel. Ou seja, objetivando reparar algumas injustiças envolvendo a falta de caráter de alguns conviventes do sexo masculino, a lei criou uma absurda discriminação que poderá gerar graves prejuízos aos beneficiários da regularização fundiária, que não têm conhecimento jurídico suficiente para perceber o problema que um título mal elaborado poderá lhe causar.
Por fim, nos termos do “caput” do artigo 59, o registro da legitimação de posse constitui, em favor do outorgado, “direito de posse direta para fins de moradia”.
A posse legitimada qualifica-se “per se” como um direito funcional autônomo de posse-moradia, que vincula o possuidor ao imóvel e, embora não enumerada entre os direitos de natureza real, constitui direito com eficácia real, na medida em que dará origem à propriedade uma vez cumpridos os requisitos definidos no artigo 60.[7]
O legislador poderia ter aproveitado uma das figuras existentes no rol dos direitos reais em vez de criar uma nova figura, anômala, de difícil caracterização. Seria muito mais simples e coerente ter conferido ao registro do título um “direito real de habitação”.
O artigo 60-A, de forma indireta, permite a cessão do “direito de posse direta para fins de moradia”, podendo tal negócio jurídico ser feito por instrumento particular, por não se tratar de um direito real, registrável desde que cumpridos todos os requisitos legais (ex.: reconhecimento de firma) e, o mais importante, que o adquirente satisfaça os requisitos do §1º do artigo 59 (não ser concessionário, foreiro ou proprietário de outro imóvel urbano ou rural; e  não ser beneficiário de legitimação de posse concedida anteriormente). Tais declarações do cessionário deverão constar expressamente do contrato ou, na sua falta, poderão ser apresentadas em apartado (firmas reconhecidas) quando do registro do contrato. A fiscalização desses requisitos e de eventuais tributos devidos pela alienação compete ao registrador imobiliário.
3.4.3 Usucapião extrajudicial
Nos termos do artigo 60, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do artigo 183 da Constituição Federal. 
Verifica-se que não se trata de uma nova espécie de usucapião, pois os requisitos são os mesmos da usucapião especial do artigo 183 da Constituição Federal, espécie esta que também consta do artigo 9º do Estatuto da Cidade e do artigo 1.240 do Código Civil.
Os únicos requisitos adicionais, que diferem dos demais diplomas legais, não se referem propriamente dito à aquisição da propriedade, mas sim à viabilidade do uso da via administrativa para a sua declaração. Esses requisitos são:
  1. que o imóvel seja integrante de um procedimento de regularização fundiária de interesse social;
  2. que tenha sido registrado o título de legitimação de posse expedido pelo poder público; e
  3. a contagem do prazo de 5 anos se inicia com a data do registro do título de legitimação de posse.
O mesmo artigo 60 ressalva que o pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial não prejudica “os direitos decorrentes da posse exercida anteriormente”.
Numa apressada leitura, poderia ser entendido que, diante de robusta prova de posse anterior ao registro do título de legitimação de posse, o registrador poderia converter a posse legitimada em domínio.
Isso, no entanto, não procede, porque, exceto nos casos de assentamento situado em zona especial de interesse social (ZEIS), praticamente todos os ocupantes já teriam completado o período de 5 anos (pessoalmente ou pela continuidade da posse) quando do início do procedimento de regularização fundiária de interesse social, uma vez que é requisito essencial para se iniciar essa modalidade de regularização que " a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, cinco anos" (alínea “a” do inciso VII do artigo 47).
A lei conferiu ao registrador o poder de converter a posse legitimada em propriedade apenas após 5 anos do registro do título de legitimação de posse, substituindo a necessidade de se comprovar a posse fática pela simples comprovação da posse registrada (posse qualificada).
Teria a lei sido mais rígida que o texto constitucional? Apesar da aparente rigidez, isso não procede, pois a lei não prejudicou o direito dos possuidores (o artigo 60 é expresso: “sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente”). O que a lei fez foi criar uma opção mais simples para se obter o domínio do imóvel, nada impedindo que qualquer um dos possuidores ajuíze uma ação específica de usucapião especial para que o juiz declare seu direito, diante das provas apresentadas, mesmo antes do prazo de 5 anos do registro da legitimação de posse ou até mesmo na ausência do registro desse título.
Para requerer a conversão da legitimação de posse em domínio, o interessado deverá, após o prazo de 5 anos da data do registro de seu direito, apresentar os seguintes documentos (§1º do artigo 60):
  1. certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel
  2. declaração, sob as penas da lei, de que não possui outro imóvel urbano ou rural; 
  3. declaração, sob as penas da lei, de que o imóvel é utilizado para sua moradia ou de sua família; e 
  4. declaração, sob as penas da lei, de que não teve reconhecido anteriormente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas. 
No caso das unidades habitacionais com área superior a 250 m², não se aplica o prazo de 5 anos para o requerimento da conversão do título de legitimação de posse em propriedade. O §3º do artigo 60 estipula que o prazo será aquele estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião. Como a lei nada mais disse a respeito e sua remissão à legislação específica limitou-se à quantificação do prazo e não às formalidades procedimentais, conclui-se que, mesmo nesses casos, prevalecem as regras da usucapião extrajudicial, competindo ao registador imobiliário registrar a conversão do “direito de posse direta para fins de moradia” em "direito de propriedade", após o transcurso do prazo de 10 anos do registro do título de legitimação de posse. O prazo de 10 anos está previsto no artigo 1.238 do Código Civil e aplica-se perfeitamente na regularização fundiária de interesse social, uma vez que o título de legitimação de posse registrado na matrícula é um “justo título” que pressupõe a “boa-fé” de seu beneficiário.
Código Civil - Art. 1.242 - Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Na hipótese de o titular do “direito de posse direta para fins de moradia” não se encontrar na posse do imóvel e de não ter havido registro da cessão de seu direito na matrícula do respectivo lote, poderá o Poder Público emitente do título de legitimação de posse requerer o cancelamento de seu registro, nos termos do inciso III do artigo 250 da LRP ("a requerimento do interessado, instruído com documento hábil"). Apesar de a lei não apresentar mais detalhes, o "documento hábil" para tal cancelamento deve ser, no mínimo, uma certidão da conclusão do processo administrativo (devido processo legal, com contraditório e ampla defesa) que declarou extinto o título de legitimação de posse.[8]

4. OUTRAS DISPOSIÇÕES
A Lei nº 11.977/2009, no capítulo que trata da regularização fundiária de assentamentos urbanos, traz outras disposições que estão aqui enumeradas apenas para possibilitar uma melhor compreensão do novel procedimento:
  1. a regularização fundiária pode ser implementada por etapas (§3º do artigo 51);
  2. não são devidas custas e emolumentos para o registro do auto de demarcação urbanística, do título de legitimação e de sua conversão em título de propriedade e dos parcelamentos oriundos da regularização fundiária de interesse social (artigo 68);
  3. serão fornecidas pelo poder público as certidões do cartório distribuidor necessárias para comprovar a inexistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou propriedade do imóvel objeto da regularização fundiária, quando do pedido de conversão da posse em domínio (§2º do artigo 60);
  4. o projeto de regularização fundiária não será exigido para o registro da sentença de usucapião, da sentença declaratória ou da planta, elaborada para outorga administrativa de concessão de uso especial para fins de moradia (§1º do artigo 51).
CONCLUSÃO
Após muitas tentativas malfadadas, finalmente surgiu uma lei que trouxe normas efetivas para a regularização fundiária urbana. A Lei nº 11.977/2009 não apenas criou um completo e detalhado procedimento de regularização fundiária, mas o municiou com os instrumentos jurídicos necessários para que seus objetivos sejam plenamente atingidos.
As novas regras supriram as falhas das iniciativas anteriores, pois coordenam com maestria institutos de variadas leis, sem violar nenhum de seus princípios. Viabilizou-se a regularização do parcelamento irregular, por legitimar o poder público a substituir o titular do imóvel abarcado pela ocupação para proceder ao parcelamento, sem ferir seu direito fundamental de propriedade, tanto por prever a sua notificação para impugnar o procedimento como por manter seu nome como titular das matrículas decorrentes do parcelamento. O seu direito de propriedade somente será extinto pela prescrição aquisitiva do possuidor, mediante um devido e novel processo legal, a usucapião extrajudicial, mais simples e eficaz que a processada pela via judicial.
Além de não violar a segurança jurídica dos direitos reais devidamente constantes do registro imobiliário (garantidos pelo texto constitucional), o novo procedimento de regularização fundiária possui princípios e diretrizes perfeitamente coerentes com a retificação extrajudicial da descrição tabular do imóvel (artigo 213 da Lei dos Registros Públicos), que permite a inovação da descrição da área ocupada mediante um procedimento seguro e eficaz. As novas regras também estão perfeitamente sintonizadas com a legislação do parcelamento do solo urbano, ao criar expressamente possibilidades de mitigação de certas exigências com amparo em princípios da Carta Magna e do Estatuto da Cidade.
De todo o exposto, conclui-se que, para a solução dos assentamentos irregulares existentes em todo o país, bastava uma legislação bem elaborada, não conflitante com outros diplomas legais, que privilegiasse a atuação do registrador imobiliário, pois é ele que tem o dever legal de garantir os direitos reais incidentes sobre a propriedade imobiliária e possuiu o “know-how” necessário para bem conduzir o procedimento. Impondo a esse profissional do direito a responsabilidade pela presidência do feito, este tornou-se muito mais seguro, célere e, principalmente, eficaz.
As exigências registrais, por muitos acusadas de “pesada burocracia cartorária”, nunca foram a culpada pelo insucesso das iniciativas governamentais de regularização fundiária. Com as novas regras da Lei nº 11.977/2009, fica fácil perceber que a falha sempre foi da precariedade da legislação. Se não fossem as exigências registrais, há muito tempo teria sucumbido o direito de propriedade privada, causando sérios prejuízos à democracia brasileira.
Por fim, há que se conscientizar as lideranças desse país da imprescindibilidade de um sistema registral imobiliário rígido, pois somente assim será garantido o direito à propriedade privada, essencial para a existência do estado democrático de direito, pois o preconceito e o desconhecimento existentes geram desconfiança e atravancam toda e qualquer boa iniciativa voltada para o desenvolvimento do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
AUGUSTO, Eduardo Agostinho Arruda. A qualificação registral na retificação de registro e no georreferenciamento. In: Sérgio Jacomino; Luciano Lopes Passarelli; Marcelo Salaroli. (Org.). Revista de Direito Imobiliário nº 64. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
________. Registro de imóveis; essencialidade para o estado democrático de direito. Dissertação de mestrado da Faculdade Autônoma de Direito. São Paulo: Fadisp, 2010.
CHALHUB, Melhim Namem. Usucapião administrativa. in Souza, Eduardo Pacheco Ribeiro de (Coord.). Ideal direito notarial e registral. São Paulo: Quinta Editorial, 2010.
FERNANDES, Edésio. Por uma política e um programa nacional de apoio à regularização fundiária sustentável: uma proposta inicial para consulta e ampla discussão. in Boletim Eletrônico do Irib nº 743, de 16/7/2003. São Paulo: IRIB, 2003.
PAIVA, João Pedro Lamana. Novas perspectivas de atos notariais; usucapião extrajudicial e sua viabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. in Souza, Eduardo Pacheco Ribeiro de (Coord.). Ideal Direito Notarial e Registral. São Paulo: Quinta Editorial, 2010.
________. O programa “Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV) e suas implicações técnicas no registro de imóveis (lei nº 11.977/2009). Palestra proferida no 26º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis, realizado em 1º/7/2010, na cidade de Gramado-RS. Gramado: IRIB, 2010. Disponível em .
SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Trad. de Zaida Maldonado. Rio de Janeiro: Record, 2001.


[1] Edésio FERNANDES, Por uma política e um programa nacional de apoio à regularização fundiária sustentável: uma proposta inicial para consulta e ampla discussão, BE do Irib nº 743, de 16/7/2003.
[2] Hernando de SOTO, O mistério do capital, p. 21.
[3] Ibidem, p. 19.
[4] Lei nº 11.977/2009: atualizada até a Medida Provisória nº 514, de 1º/12/2010.
[5] O artigo 56 diz que o Município “poderá”; no entanto, trata-se de evidente falha redacional, uma vez que o Auto de Demarcação Urbanística é o título hábil para ser averbado na matrícula do imóvel onerado, sem o qual não será possível a continuidade do procedimento de regularização fundiária.
[6] Obviamente, o procedimento de regularização fundiária abrange a retificação da descrição tabular do imóvel, apesar de o §11 do artigo 213 da LRP insistir que "independe de retificação: IV - a averbação do auto de demarcação urbanística e o registro do parcelamento decorrente de projeto de regularização fundiária de interesse social de que trata a Lei nº 11.977, de 2009".
[7] Melhim Namem Chalhub, Usucapião administrativa, 231.
[8] Analogia ao inciso IV do artigo 250 da LRP, que trata de hipótese similar, mas referente à regularização fundiária em imóvel rural (assentamentos rurais).

Texto atualizado em 5/4/2012, em decorrência das modificações feitas pela Lei nº 12.424/2011 e pelo fato de eu ter mudado de posicionamento sobre o tema "usucapião de imóvel público".