terça-feira, 21 de junho de 2011

Qualificação Pessoal do Estrangeiro na Aquisição de Imóvel Rural


A qualificação pessoal é a forma de se identificar alguém, determinando com precisão quem ele é sem que se confunda com qualquer outra pessoa. Trata-se de um importante princípio registral conhecido por especialidade subjetiva.

A qualificação de um estrangeiro nem sempre é fácil, pelo fato de ele possuir documentos específicos de seu país de origem, que nem sempre coincidem com a nossa conhecida documentação. Mas, em geral, os dados do passaporte costumam ser suficientes para uma boa identificação (nome, nº do passaporte, país e localidade de emissão e outros dados porventura existentes, como filiação e endereço).

Passaporte - um dos documentos de identificação do estrangeiro.

No entanto, essa qualificação pessoal não é suficiente para todas as situações. Para a aquisição de qualquer direito real sobre bem imóvel, o adquirente deve possuir inscrição no Cadastro de Pessoa Física da Receita Federal do Brasil. Portanto, para a qualificação pessoal de um estrangeiro que está, por exemplo, recebendo uma hipoteca de um lote urbano como garantia de um mútuo, a escritura deve obrigatoriamente incluir o número de seu CPF em sua qualificação pessoal.
No caso de aquisição de imóvel rural, a legislação brasileira é bastante restritiva. Além da obrigatoriedade do CPF para a elaboração da escritura pública, o tabelião deverá estar atento às regras específicas constantes da Lei nº 5.709/71.
O artigo 9º, inciso II, da Lei 5.709/71, dispõe que o estrangeiro pessoa física somente pode adquirir imóvel rural se tiver residência permanente no Brasil. Tal aquisição será livre, independentemente de autorização do Incra, desde que o tamanho do imóvel não seja superior a três módulos de exploração indefinida, não ultrapasse os limites percentuais de terras sob domínio estrangeiro no município e não esteja localizado em faixa de fronteira.
Diante desse preceito legal, alguns tabeliães têm entendido que basta uma declaração do estrangeiro de seu domicílio no Brasil, pois inexiste no Brasil qualquer documento indicador de domicílio dotado de fé pública (costuma-se juntar cópia de conta de luz, de água e de telefone, mas isso configura apenas um mero indício favorável à sua declaração).
O equívoco é claro: está se confundindo a simples qualificação pessoal com o cumprimento de requisitos essenciais do negócio jurídico. A lei não exige a comprovação do endereço exato do estrangeiro, devendo ser aceita uma mera declaração nesse sentido. O que a lei exige é a comprovação de "residência permanente no Brasil" e isso somente se configura após a inscrição do estrangeiro no Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), sendo a cédula desse registro a comprovação de que o Governo Brasileiro deferiu seu domicílio permanente em território nacional.
O protocolo do pedido de RNE (utilizado enquanto se processa seu pedido de estada definitiva) é um item de qualificação pessoal e deve ser utilizado, por exemplo, para a aquisição de um apartamento na beira da praia. No entanto, tal protocolo não habilita o estrangeiro a adquirir imóvel rural, uma vez que sua situação no Brasil é precária, podendo seu visto ser cancelado caso o pedido de RNE seja indeferido pelo Governo Brasileiro. Ressalta-se que o protocolo do RNE não configura "residência permanente com cláusula resolutiva", mas sim em autorização provisória para que o estrangeiro aqui permaneça até que haja a definição de seu pedido pelas autoridades competentes.

Cédula de Identidade de Estrangeiro 
(simulação com dados fictícios).

Diante do exposto, para a elaboração de escritura pública em que estrangeiro esteja adquirindo imóvel rural, é essencial a apresentação do CPF e da cédula do RNE (esta classificada como "permanente"), itens estes que, por óbvio, passam a ser essenciais para a sua completa qualificação pessoal.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Manual Básico de Retificação de Registro e Georreferenciamento




ATENÇÃO: 
Tudo sobre o assunto "retificação de registro e georreferenciamento" está em meu livro "Registro de Imóveis, Retificação de Registro e Georreferenciamento; fundamento e prática", publicado pela Editora Saraiva no 2º semestre de 2013. Para obter mais informações sobre o livro clique no link abaixo:

Após insistentes pedidos, finalmente consegui revisar e publicar o Manual Básico de Retificação de Registro Imobiliário e Georreferenciamento. Esta nova versão está atualizada até abril de 2011 e traz várias novidades que não constavam das versões anteriores.
Esse manual é destinado principalmente a registradores, topógrafos, agrimensores, tabeliães, advogados e proprietários de imóveis que necessitam de retificação de sua descrição tabular. Mas também pode ser bastante interessante para estudiosos do Direito e da Agrimensura.
São 93 páginas, com comentários, modelos e extratos da legislação aplicada.
Faça gratuitamente o download do Manual num desses links:

Abaixo a estrutura do Manual (sumário):

PARTE 1 – RETIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE REGISTRO IMOBILIÁRIO
1. Retificação Extrajudicial de Registro; Um Novo Tempo para o Registro de Imóveis
2. Modelos a Cargo do Requerente
3. Rol dos Documentos a serem Apresentados
3.1 Modelo 1 – Requerimento
3.2 Modelo 2 – Laudo Técnico
3.3 Modelo 3 – Memorial Descritivo
3.4 Modelo 4 – Levantamento Planimétrico
3.5 Modelo 5 – Carta de Anuência
3.6 Anuência obtida com ajuda de e-mail (exemplo de criatividade)
4. Modelos a Cargo do Registro
4.1 Modelo 1 – Notificação de Confrontante
4.2 Modelo 2 – Decisão Interlocutória
4.3 Modelo 3 – Audiência de Conciliação
4.4 Modelo 4 – Qualificação Registral Negativa (decisão formal)
4.5 Modelo 5 – Qualificação Registral Negativa (decisão de mérito)
4.6 Modelo 6 – Qualificação Registral Positiva
4.7 Modelo 7 – Matrícula com Descrição Retificada
5. Legislação da Retificação Extrajudicial
PARTE 2 – GEORREFERENCIAMENTO DE IMÓVEIS RURAIS
1. A Aplicabilidade da Lei do Georreferenciamento
2. Comentários sobre o Decreto nº 5.570/2005
3. Comentários sobre os novos atos normativos do Incra
4. Georreferenciamento de Imóveis Rurais; Conceito de Unidade Imobiliária
4.1 Consulta formulada pelo Incra
4.2 Parecer do IRIB
5. Legislação do Georreferenciamento
5.1 Lei dos Registros Públicos (artigos 176 e 225)
5.2 Decreto nº 4.449/2002 (com as alterações do Decreto nº 5.570/2005)
5.3 Decreto nº 5.570/2005
5.4 Atos Normativos do Incra
5.4.1 Resolução Incra/CD nº 29, de 28/11/2005
5.4.2 Portaria nº 514, de 1º/12/2005
5.4.3 Portaria nº 515, de 1º/12/2005
5.4.4 Instrução Normativa nº 24, de 28/11/2005
5.4.5 Instrução Normativa nº 25, de 28/11/2005
5.4.6 Instrução Normativa nº 26, de 28/11/2005
BIBLIOGRAFIA

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Aquisição de imóvel rural por estrangeiro sem autorização do Incra

ESTUDO DE CASO 


Fato
Aquisição, por uma pessoa de nacionalidade portuguesa, de frações ideais de um imóvel rural, localizado no município de Pereiras, comarca de Conchas. 
As aquisições se deram pelos seguintes assentos registrais:

  • Registro nº 2, de 18/7/1986 (escritura de 1986): uma fração ideal “equivalente a 0,605 ha”;
  • Registro nº 3, de 18/6/2006 (escritura de 1987): uma fração ideal “equivalente a 0,053 ha”; e
  • Registro nº 9, de 2/12/2009 (escritura de 2009): uma fração ideal “equivalente a 1,273 ha”.

Nos registros 2 e 3, o adquirente havia sido qualificado como brasileiro (equívoco constante das escrituras). Esse equívoco foi percebido apenas em dezembro de 2009, quando da qualificação de uma nova escritura cuja qualificação pessoal estava correta. 
Nessa oportunidade foi efetuada uma averbação de retificação na matrícula do imóvel (Averbação nº 8) e o registro tardio do "conjunto dessas aquisições" (uma fração ideal de 9,387%, equivalente a “1,931 ha”) no Livro de Controle de Estrangeiros (essa situação foi informada ao Incra pela comunicação trimestral no início de 2010).

Regra aparentemente descumprida:
O §3º do artigo 7º do Decreto nº 74.965, de 26/11/1974, dispõe que dependerá também de autorização do Incra a aquisição de mais de um imóvel rural, com área não superior a três módulos, feita por uma pessoa física; e, pelo artigo 15 da Lei nº 5.709/71,  “a aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito”.

Caso concreto:
Nos termos do inciso I do artigo 4º da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), a referida matrícula constitui um único "imóvel rural", uma vez que possui um único cadastro no Incra, informação esta que expressamente consta da Averbação nº 5 (Cadastro nº 631.000.000.000, Sítio Santa Maria).
As três aquisições representam tão-somente uma única fração ideal de 9,387% do imóvel matriculado (fração esta que, em tese, equivaleria a 1,931 ha). Essa situação, concretamente, não caracteriza a aquisição de “mais de um imóvel rural”, mas apenas o aumento da participação do condômino nas cotas-partes de um mesmo bem imóvel.

Validade do negócio jurídico:
Mesmo considerando o caso concreto como “aquisição múltipla”, tal fato (que descumpriria o §3º do artigo 7º do Decreto nº 74.965/1974) não resulta na nulidade do negócio jurídico.
O artigo 15 da Lei nº 5.709/71 estabelece que “a aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito”, ou seja, a violação que resulta em nulidade deve ser de uma das prescrições constantes da Lei nº 5.709/71 e não de uma norma criada pelo seu regulamento.
Essa regra específica do regulamento (§3º do artigo 7º) não encontra regra similar na lei, tratando-se, portanto, de uma obrigação imposta por decreto, sem amparo legal, uma vez que foi delegada ao regulamento apenas a execução da lei e não a criação de outras limitações.

Conclusão:
Devido a não-incidência da regra de nulidade do artigo 15 da Lei nº 5.709/71, quer pelo fato de as aquisições terem sido de “um único imóvel rural” (não tipificando a irregularidade prevista no §3º do artigo 7º do Decreto), quer pela inaplicabilidade do §3º do artigo 7º do regulamento (que extrapolou os poderes delegados pela lei), não há justa causa para a abertura de procedimento de regularização deste caso.
É o parecer.

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Veja o resultado dessa questão:

A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no dia 13 de março de 2012, publicou uma importante alteração nas Normas de Serviço referentes aos serviços extrajudiciais, para constar que, na aquisição de imóvel rural por estrangeiro que já seja titular de outro imóvel rural, a autorização do INCRA somente será exigível se o somatório de todas as suas áreas exceder o limite legal de 3 módulos de exploração indefinida.
Para saber mais sobre o assunto, veja um outro artigo publicado neste mesmo blog:

CGJ/SP altera entendimento sobre Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro

Eduardo Augusto
Registrador em Conchas, SP
Diretor de Assuntos Agrários do IRIB