segunda-feira, 26 de março de 2012

Retificação de Registro - Modelo de Edital para Confrontante




Atendendo a pedidos, segue um modelo de Edital para Confrontantes (§3º do artigo 213 da Lei dos Registros Públicos), necessário nas hipóteses em que algum confrontante não anuiu aos trabalhos técnicos nem foi encontrado para ser notificado da existência de procedimento de retificação de registro do imóvel lindeiro ao seu.
§ 3º - A notificação será dirigida ao endereço do confrontante constante do Registro de Imóveis, podendo ser dirigida ao próprio imóvel contíguo ou àquele fornecido pelo requerente; não sendo encontrado o confrontante ou estando em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo oficial encarregado da diligência, promovendo-se a notificação do confrontante mediante edital, com o mesmo prazo fixado no § 2o, publicado por duas vezes em jornal local de grande circulação. 
Caso a imagem esteja dificultando a leitura, segue abaixo o conteúdo do texto. 

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PROCEDIMENTO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO
IMÓVEL DE MATRÍCULA 9.248 

O Dr. Eduardo Agostinho Arruda Augusto, Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Conchas, serviço extrajudicial situado na Rua Minas Gerais nº 411, em Conchas-SP, FAZ SABER que Antonio Foramiglio (RG 22.120.635 SSP/SP e CPF 284.245.658-00); Dirce Foramiglio (RG 21.918.928 SSP/SP e CPF 106.068.958-84); Vilson Foramiglio (RG 11.448.075 SSP/SP e CPF 027.185.978-44) e sua mulher Aparecida do Rosário da Silva Foramiglio (RG 28.653.115-X SSP/SP e CPF 304.876.138-13); Maria Helena Foramiglio Rebeque (RG 23.360.491-1 SSP/SP e CPF 153.170.088-83) e seu marido Josué Rebeque (RG 5.581.966 SSP/SP e CPF 568.223.918-00); Cláudio Foramiglio (RG nº 13.077.493-5 SSP/SP e CPF nº 087.854.028-85) e sua mulher Améris Andreozi Foramiglio (RG 20.505.163 SSP/SP e CPF 106.064.158-58); Eldes Benedito Foramiglio (RG 16.562.113 SSP/SP e CPF 072.948.138-76) e sua mulher Benedita de Fátima Nogueira Foramiglio (RG 21.364.005 SSP/SP e CPF 094.502.268-90), requereram a retificação da descrição tabular do imóvel de matrícula nº 9.248 deste Registro Imobiliário, de sua titularidade, localizado no Bairro das Perobas, no Município de Pereiras-SP, processado nos termos dos artigos 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Devido à falta de anuência expressa na planta e no memorial descritivo do titular do imóvel confrontante de matrícula 10.988, fica o seu titular, Roberto Guedes Lopes (RG nº 5.844.246 SSP/SP e CPF nº 782.683.038-91), NOTIFICADO do inteiro teor dos trabalhos técnicos que se encontram arquivados neste serviço registral, podendo, nos termos do §2° do artigo 213, impugnar fundamentadamente os presentes trabalhos, no prazo legal de 15 dias. O pedido de retificação foi instruído com os documentos enumerados no artigo 213 da Lei dos Registros Públicos, os quais se encontram disponíveis neste serviço registral imobiliário para exame e conhecimento do interessado. Nos termos do §4° do artigo 213 da LRP, a falta de impugnação no prazo da notificação resulta na presunção legal de anuência do confrontante ao pedido de retificação de registro. Portanto, as opções que a lei confere ao NOTIFICADO são: 1) impugnar fundamentadamente; 2) anuir expressamente; e 3) deixar transcorrer o prazo, aceitando os trabalhos tacitamente. Esclarece-se, finalmente, que eventuais falhas que venham a ser provadas no futuro não impedem novo procedimento retificatório nem vinculam a pessoa que anuiu nos presentes trabalhos, estando resguardados seus direitos reais nos termos da legislação civil, exceto nos casos de usucapião (artigo 214, §5°, da LRP). Decorrido o prazo legal sem impugnações, contado da primeira publicação deste edital que será publicado duas vezes, poderá ser deferida a retificação pretendida. Segue abaixo croqui de localização da área. Eu, ________, Vilma Donizeti de Lima, escrevente, digitei e subscrevi.
Conchas, 18 de janeiro de 2011.

Eduardo Agostinho Arruda Augusto
Oficial de Registro


quinta-feira, 22 de março de 2012

CGJ/SP altera entendimento sobre Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro

A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no dia 13 de março de 2012, publicou uma importante alteração nas Normas de Serviço referentes aos serviços extrajudiciais, para constar que, na aquisição de imóvel rural por estrangeiro que já seja titular de outro imóvel rural, a autorização do INCRA somente será exigível se o somatório de todas as suas áreas exceder o limite legal de 3 módulos de exploração indefinida.Trata-se de uma releitura do §3º do artigo 7º do Decreto nº 74.965/1974, cuja literalidade criava obrigação não prevista em lei:
§ 3º Dependerá também de autorização a aquisição de mais de um imóvel, com área não superior a três módulos, feita por uma pessoa física.
O caso concreto que deu origem a essa recente decisão ocorreu no Registro de Imóveis de Conchas, onde atuo como registrador imobiliário, tendo recebido determinação da CGJ para notificar o estrangeiro adquirente para que este regularizasse sua situação no Incra, sob pena de nulidade do registro de sua aquisição.
O argumento principal de nossa manifestação foi o seguinte:


O artigo 15 da Lei nº 5.709/71 estabelece que “a aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito”, ou seja, a violação que resulta em nulidade deve ser de uma das prescrições constantes da Lei nº 5.709/71 e não de uma norma criada pelo seu regulamento.
Essa regra específica do regulamento (§3º do artigo 7º) não encontra regra similar na lei, tratando-se, portanto, de uma obrigação imposta por decreto, sem amparo legal, uma vez que foi delegada ao regulamento apenas a execução da lei e não a criação de outras limitações.
Devido a não-incidência da regra de nulidade do artigo 15 da Lei nº 5.709/71, quer pelo fato de as aquisições terem sido de “um único imóvel rural” (não tipificando a irregularidade prevista no §3º do artigo 7º do Decreto), quer pela inaplicabilidade do §3º do artigo 7º do regulamento (que extrapolou os poderes delegados pela lei), não há justa causa para a abertura de procedimento de regularização deste caso.
O caso está relatado (com dados fictícios que não prejudicam o entendimento) no seguinte artigo, publicado neste mesmo blog em 2/6/2011:


Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro sem Autorização do Incra
Abaixo, o Provimento publicado pela CGJ/SP e o parecer que sugeriu a presente inovação normativa.

Eduardo Augusto
Registrador em Conchas, SP
Diretor de Assuntos Agrários do IRIB


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DICOGE 1.2
PROVIMENTO CG N° 05/2012
Altera a redação do item 42.3 da Seção V do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
O Desembargador JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento do texto da normatização administrativa;
CONSIDERANDO o exposto, sugerido e decidido nos autos do Processo nº 2006/3884 – DICOGE 1.2;
RESOLVE:
Artigo 1º - O item 42.3 da seção V do capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça passa a ter a seguinte redação:
42.3. Dependerá também de autorização do INCRA a aquisição de mais de um bem imóvel rural, com área não superior a 3 (três) módulos, feita por uma pessoa física estrangeira residente no Brasil, apenas se a soma das áreas totais dos imóveis exceder a 3 módulos.
Artigo 2º - Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
São Paulo, 01 de março de 2012.
(a) JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça (D.J.E. de 13.03.2012)
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DICOGE 1.2
PROCESSO Nº 2006/3884 – CONCHAS – OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE CONCHAS
Parecer nº 19/2012-E
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Miguel Juan Castells Vidal, espanhol, adquiriu, com o registro de escritura pública de venda e compra, consumado no dia 30 de setembro de 1999, o bem imóvel rural objeto da matrícula n.º 5.370 do Oficial de Imóveis de Conchas/SP (fls. 62/63).
Posteriormente, mediante nova compra e venda, com escritura pública registrada no dia 19 de outubro de 2006, Miguel Juan Castells Vidal incorporou ao seu patrimônio, na qualidade de proprietário, um novo bem imóvel rural, descrito na matrícula n.º 5.371 do Oficial de Imóveis de Conchas/SP (fls. 27/28).
Apurada a aquisição de um novo bem imóvel rural, foram solicitadas, ao registrador, informações sobre eventual autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), à qual estaria condicionada a validade desta segunda aquisição, determinando-se a pronta regularização do negócio jurídico, se inexistente aquela, caso o proprietário, respeitado o limite de 3 módulos de exploração indefinida (MEI), não opte pela unificação das áreas territoriais, com abertura de uma nova matrícula (fls. 44/45).
Sequer cogitando da unificação dos bens imóveis, o registrador afirmou a desnecessidade da regularização determinada, pois, na hipótese vertente, inexigível, mesmo para a segunda aquisição de bem imóvel rural por Miguel Juan Castells Vidal.
Conforme a ponderação apresentada, a soma das áreas territoriais dos bens imóveis rurais corresponde a 18,7215 hectares, ou seja, a 1,817 MEI, a dispensar a prévia autorização do INCRA, porquanto, nos termos do § 1.º do artigo 3.º da Lei n.º 5.709/1971, a aquisição de imóvel rural com área não superior a 3 módulos será livre.
Além do mais, acrescentou: o § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974 - ao exigir, da pessoa física estrangeira, para a válida aquisição de mais de um bem imóvel rural com área não superior a 3 módulos, autorização do INCRA -, criou restrição não prevista em lei, extrapolando a delegação legal (fls. 49).
Por fim, com a informação de fls. 50, determinou-se a juntada aos autos de cópias dos pareceres lançados nos processos CG n.º 95.519/1992, CG n.º 1.322/1994 e CG n.º 2.038/1994 e certidão da matrícula n.º 5.370 do Oficial de Imóveis de Conchas/ SP (fls. 51, itens 1 e 2), providenciada (fls. 52/54, 55/57, 58/61 e 62/63).
É o relatório.
OPINO.
A Constituição Federal de 1988 dispôs, no artigo 190, que “a lei regulará e limitará a aquisição ou arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.”
De acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 5.709/1971, recepcionada pela nova ordem constitucional, a aquisição de bem imóvel rural por pessoa física estrangeira residente no Brasil, que não poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua, será livre, se tratar-se de bem imóvel com área não superior a 3 módulos situado fora de área considerada indispensável à segurança nacional (cf. artigo 7.º), quer dizer, independerá de autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei, cabendo ao Poder Executivo, por sua vez, baixar normas regulamentando a aquisição de área compreendida entre 3 e 50 módulos de exploração indefinida.
A propósito, o artigo 19 de referida lei faz expressa menção ao regulamento a ser baixado pelo Poder Executivo.
E regulamentando a Lei n.º 5.709/1971, o Decreto n.º 74.965/1974 reproduz, no artigo 7.º, o tratamento dispensado à aquisição, por pessoa física estrangeira residente no Brasil, de bem imóvel rural com área não superior a 3 módulos e disciplina a aquisição de bem imóvel rural com área entre 3 e 50 módulos, condicionando a sua validade à prévia autorização do INCRA e, se a área territorial exceder a 20 módulos, à aprovação do projeto de exploração correspondente.
No entanto, estabelece, no § 3.º do artigo 7.º, que também dependerá de prévia autorização do INCRA “a aquisição de mais de um imóvel, com área não superior a 3 (três) módulos, feita por uma pessoa física.”
Trata-se de disposição, ademais, expressa no item 42.3 do capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Neste ponto, contudo, segundo o questionamento formalizado pelo registrador de Conchas/SP, o regulamento, revestido com a capa de decreto, teria extrapolado os estreitos limites de sua potencialidade normativa (fls. 49), desprezando seu caráter “estritamente subordinado, isto é, meramente subalterno e, ademais, dependente de lei” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 11.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 240).
Se interpretado literal e estritamente - sujeitando à restrição enfocada mesmo as aquisições, por uma pessoa física estrangeira, de mais de um bem imóvel rural cujas áreas territoriais, somadas, não excedem a 3 MEI -, o § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974 afronta o princípio da legalidade (artigos 5.º, II, 37, caput, e 84, IV, da CF/1988), limitando, sem o devido respaldo legal, a liberdade e o direito de propriedade da pessoa física estrangeira.
Com efeito, não se contém no desenvolvimento do texto legal, não se mantém dentro da órbita circunscrita pela lei, mas vai além dela, de modo a ampliar as restrições idealizadas na fonte primária do Direito, ignorando, assim, os limites impostos ao poder regulamentar, “porque o inovar originariamente na ordem jurídica consiste em matéria reservada à lei” (Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 376. v. I).
De todo modo, caso prevalecesse tal interpretação, isolada do contexto normativo, a ilegalidade do preceito regulamentar gravado no § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974 não poderia ser pronunciada neste âmbito administrativo, no qual inadmissível, uma vez considerado o cunho normativo de futura decisão nesse sentido, o controle de legalidade em sentido amplo, consoante, ademais, precedente extraído do Processo CG n.º 2.038/1994, de 24 de outubro de 1994 (fls. 58/61).
Na realidade - porque inexistente lide, conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, pressuposto do controle judicial incidental de constitucionalidade -, importaria verdadeiro controle de constitucionalidade em tese, em abstrato, exercido por quem desprovido de competência para tanto, resultando num juízo de invalidade da regra enfocada e no seu afastamento do ordenamento jurídico, insuscetível de ser alcançado, repita-se, na esfera administrativa.
Aliás, segundo aludido precedente, que se orientou pela inadmissibilidade do controle de legalidade em sentido amplo no âmbito administrativo - porque amparado em uma interpretação estrita do preceito regulamentar -, a autorização do INCRA, para aquisição do segundo imóvel rural pela pessoa física estrangeira, é indispensável, embora a soma das áreas não exceda a 3 módulos (fls. 58/61).
No mesmo sentido, o julgamento da Apelação Cível n.º 25.691-0/5, realizado, pelo Conselho Superior da Magistratura do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em 28 de setembro de 1995, relator Antônio Carlos Alves Braga.
Todavia, respeitados os entendimentos em sentido contrário, outra, penso, é a melhor interpretação a ser dada ao § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974, assegurando a sua validade e harmonizando-o com o conteúdo do § 1.º de tal artigo, com o artigo 3.º da Lei n.º 5.709/1971 e, particularmente, com o espírito e a finalidade da lei.
Salvo melhor juízo, uma interpretação sistemática, em sintonia com a finalidade da lei e, especialmente, com a necessidade de proteger a soberania nacional, conduz à compreensão de que § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974 objetivou impedir que a restrição legal fosse burlada, de sorte a exigir a autorização do INCRA - requisito de validade para a aquisição de mais de um bem imóvel rural com área inferior a 3 módulos -, apenas se a soma das áreas dos imóveis exceder a 3 módulos.
A interpretação, adverte Eros Roberto Grau, é uma prudência, que, seguindo a lógica da preferência, leva, entre várias possíveis, à escolha da interpretação mais adequada, guiada por pautas hermenêuticas: a primeira, impõe a interpretação do direito no seu todo; a segunda, realça a necessidade de ponderar a finalidade do direito; e a terceira, relaciona-se com os princípios (Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 35, 39 e 93-95).
Enfim, “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”, pois “o significado normativo de cada texto somente é detectável no momento em que se o toma como inserido no contexto do sistema, para após afirmar-se, plenamente, no contexto funcional”, onde avulta a importância da finalidade, pois inexiste norma que não esteja presa a uma (Eros Roberto Grau, op. cit., p. 122).
Tal processo exegético, desenvolvido para extrair a norma do texto do § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974, consagra a hermenêutica estrutural, assim denominada por Miguel Reale, para quem “o primeiro cuidado do hermeneuta contemporâneo consiste em saber qual a finalidade social da lei, no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações particulares. O que se quer atingir é uma correlação coerente entre ‘o todo da lei’ e as ‘partes’ representadas por seus artigos e preceitos, à luz dos objetivos visados” (Lições preliminares de Direito. 26.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 291).
E a compreensão a que se chegou afasta a aplicação isolada do § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974, compatibilizando a norma dele emergente com os conteúdos do § 1.º do mesmo artigo e do artigo 3.º da Lei n.º 5.709/1971, num processo construtivo-axiológico, atento ao objetivo do regramento legal, direcionado à proteção da soberania nacional, fundamento da República Federativa do Brasil e uma das diretrizes da ordem econômica brasileira (artigos 1.º, I, e 170, I, da CF/1988).
Em outras palavras: observa, orienta-se pelas três pautas hermenêuticas acima lembradas. Além disso, descarta o conflito entre as regras, em suma, a antinomia jurídica e, portanto, exerce um controle positivo de legalidade, admissível na seara administrativa, porque afasta a extirpação, da ordem jurídica, das regras examinadas.
De mais a mais, tal solução hermenêutica resguarda a tutela da soberania nacional, sob os prismas político e econômico, mas também a liberdade e o direito de propriedade garantidos aos estrangeiros (artigo 5.º da CF/1988).
Assegura a defesa da integridade territorial e a segurança do Estado brasileiro, sem limitar, além do estritamente necessário à satisfação de tais diretrizes constitucionais, a livre iniciativa do estrangeiro, cuja garantia também é dotada de status constitucional.
Ponderando os interesses em conflito, leva a uma restrição - à liberdade e ao direito de propriedade dos estrangeiros, admitida pela Constituição Federal de 1988 (artigo 190) -, que atende ao princípio da proporcionalidade: nos termos preconizados, a limitação, imposta por meio legítimo, presta-se, adequada e razoavelmente, à consecução da finalidade colimada pelo legislador.
A intervenção estatal, com os contornos definidos acima, assegura uma relação equilibrada entre diferentes valores e princípios constitucionais, harmonizando-os, conciliando-os, em prol da unidade da ordem jurídica pátria.
Dentre os significados passíveis de serem extraídos do § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974, prevalece o que o torna constitucional e válido. Quer dizer: prestigia-se uma interpretação conforme a Constituição (Gilmar Ferreira Mendes; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 112- 113).
Pelo todo exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência sugere:
a) a restrição estabelecida no § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974 - exigindo autorização do INCRA, como requisito de validade, para aquisição de mais de um bem imóvel rural, com área não superior a 3 (três) módulos de exploração indefinida (MEI), feita por uma pessoa física estrangeira residente no Brasil -, deve ser compreendida como aplicável apenas se a soma das áreas totais dos imóveis, com a mais nova aquisição, exceder a 3 módulos;
b) a edição de Provimento com o escopo de atribuir nova redação ao item 42.3. da seção V do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, conforme minuta que segue anexa; e
c) a aquisição do bem imóvel rural descrito na matrícula n.º 5.371 do Oficial de Imóveis de Conchas/SP, consumada, por Miguel Juan Castells Vidal, com o registro da escritura pública de venda e compra no dia 19 de outubro de 2006 (fls. 27/28), prescinde da regularização antes determinada e, assim, particularmente, da autorização do INCRA, pois sua área, somada à do outro bem imóvel rural do qual Miguel Juan Castells Vidal é proprietário (matrícula n.º 5.370 do Oficial de Imóveis de Conchas/ SP -fls. 62/63), não excede a 3 MEI.
Sub censura.
São Paulo, 09 de fevereiro de 2012.
(a) Luciano Gonçalves Paes Leme
Juiz Auxiliar da Corregedoria
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DECISÃO: 
Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, determino que se dê ao § 3.º do artigo 7.º do Decreto n.º 74.965/1974 a compreensão proposta, de modo a tornar prescindível, ademais, a regularização da aquisição do bem imóvel rural identificado na matrícula n.º 5.371 do Oficial de Imóveis de Conchas/SP, e, por conseguinte, edite-se o provimento sugerido, conforme minuta apresentada. Publique-se. 
São Paulo, 23 de fevereiro de 2012. 
(a) JOSÉ RENATO NALINI 
Corregedor Geral da Justiça 
(D.J.E. de 13.03.2012)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Faixa de Fronteira: Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro

PARECER
Trata-se de nova consulta formulada pelo Colégio Registral do Rio Grande do Sul acerca de algumas hipóteses de aplicabilidade da Lei nº 5.709/1971, que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiro, e da Lei nº 6.634/1979, que trata da Faixa de Fronteira. 


Primeira questão: A questão para a qual se pretende uma posição definitiva do IRIB é a seguinte: quando da aplicação da Lei nº 5.709/1971 (para os imóveis rurais não sujeitos à Lei nº 6.634/1979, isto é, situados fora da Faixa de Fronteira), por que a restrição não abarca os direitos reais quando o Código Civil, no seu artigo 80, inciso I, assim os considera? Qual a razão que justifica levar em conta apenas o imóvel na sua concepção física (artigo 79) e não o imóvel assim considerado por ficção legal (artigo 80, inciso I)?
Resposta:
A Lei nº 5.709/1971 e a Lei nº 6.634/1979, ao se referirem a imóvel rural, estão considerando o imóvel na sua concepção física (artigo 79 do Código Civil) e não aos bens considerados imóveis pela ficção jurídica (artigo 80 do Código Civil).
Isso é facilmente observado pelos seguintes pontos:
1) a Lei nº 5.709/1971, em seu artigo 3º, limita a aquisição pelo estrangeiro a 50 módulos de exploração indefinida e o desonera de procedimento administrativo de autorização se a área do imóvel não for superior a 3 módulos de exploração indefinida. Por estabelecer limites em hectares (dimensão física), o “imóvel rural”, objeto da referida lei, somente pode ser o imóvel físico, ou seja, uma parcela do solo brasileiro.
2) a Lei nº 6.634/1979, em seu artigo 2º, traz duas hipóteses limitadoras na Faixa de Fronteira:
V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel;
VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural;
Pelo texto legal, verifica-se que as limitações sempre terão por base o imóvel físico (porção de terreno), uma vez que, nos incisos V e VI, ao se referirem a “direito real” (que, pelo artigo 80 do Código Civil, já seria, por si só, bem imóvel) diz que esse direito deve incidir sobre o “imóvel rural” (considerado aqui em sua concepção física).
Portanto, toda vez que a intenção da lei for incluir os “bens imóveis por ficção legal”, tal situação estará expressa em algum de seus dispositivos, como ocorre, de forma bastante clara, no final do inciso V do artigo 2º da Lei nº 6.634/1979: “de qualquer direito real sobre o imóvel”.



Aproveitando o ensejo, uma vez que o Parecer contém questões não articuladas na consulta anterior, percebeu-se que, para os imóveis situados na Faixa de Fronteira (sujeitos à Lei nº 6.634/1979 e ao Decreto nº 85.064/1980), foram levados em consideração os artigos 34 e 35 do referido Decreto. O Parecer deixou bem claro que a aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica, neste caso, não depende do montante do capital social titulado por pessoas estrangeiras.
Art. 34 - A participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica brasileira que seja titular de direito real sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira, dependerá do assentimento prévio do CSN.
§ 1º - São direitos reais, assim definidos no Código Civil Brasileiro, além da propriedade e da posse, a enfiteuse ou aforamento, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, as rendas expressamente constituídas sobre imóveis, a anticrese e a hipoteca.
§ 2º - A pessoa jurídica que desrespeitar a exigência deste artigo sujeitar-se-á à dissolução, na forma da legislação pertinente.
Art. 35 - Para a lavratura e o registro de escritura de alienação ou de constituição de direito real, que tiver por objeto imóvel rural situado na Faixa de Fronteira, em que o outorgado for pessoa jurídica, será indispensável verificar se dela participa, como sócio ou acionista, pessoa física ou jurídica estrangeira.
Parágrafo único - A verificação de que trata este artigo far-se-á da seguinte maneira:
I - em se tratando de sociedade anônima - à vista da relação nominal dos acionistas, contendo a nacionalidade, o número de ações com direito a voto e a soma das participações, a qual deverá coincidir com o capital declarado no estatuto social da empresa; a relação será firmada pelos diretores da empresa, responsáveis pela exação da informação, com a declaração de que foi feita de conformidade com os dados existentes no Livro de Registro de Ações da sociedade; e
II - em se tratando de sociedade de outro tipo - à vista do contrato social e de suas alterações.
Diante disso, novas indagações surgiram.
Questão 2: Quando deve ser aplicado o inciso III do artigo 29 do Decreto nº 85.064/80, que trata da aquisição por pessoa jurídica cujo capital majoritário seja de estrangeiro? Ou os artigos 34 e 35 fazem do artigo 29, inciso III, letra-morta? Ou, ainda, os artigos 34 e 35 seriam direcionados apenas aos órgãos que tratam da personalidade jurídica das pessoas jurídicas (Juntas Comerciais e Registros Civis das Pessoas Jurídicas)?
Resposta:
A Lei nº 6.634/1979 não tratou da hipótese de “empresa brasileira sob controle estrangeiro”. A única hipótese determinada pela Lei da Faixa de Fronteira é a participação de estrangeiro “a qualquer título”:
Art. 2º - Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a:
VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural
O Decreto nº 85.064/1980, ao regulamentar a Lei nº 6.634/1979, aproveitou para incluir uma importante regra constante da Lei nº 5.709/1971 (Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro), que é a exigência de finalidade específica para viabilizar a aquisição do imóvel. Trata-se da regra do artigo 5º da Lei nº 5.709/1971, que foi inserida nos artigos 29 e 30 do Decreto regulamentador da Faixa de Fronteira (portanto, o Decreto não foi além, pois tratou de norma já vigente no ordenamento jurídico):

Lei nº 5.709/1971
Art. 5º - As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.
Decreto nº 85.064/1980
Art. 29 - Os negócios jurídicos que, direta ou indiretamente, implicarem obtenção da posse, do domínio ou de qualquer outro direito real sobre imóvel rural situado na Faixa de Fronteira, dependerão do assentimento prévio do CSN e o processo terá início no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), quando adquirente de titularidade daqueles direitos:
I - pessoa física estrangeira residente no Brasil;

II - pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no País; ou

III - pessoa jurídica brasileira da qual participe, a qualquer título, detendo a maioria de seu capital social, pessoa física estrangeira aqui não residente ou pessoa jurídica estrangeira sediada no exterior.

Art. 30 - As pessoas jurídicas referidas nos itens II e III do artigo anterior somente poderão obter o assentimento prévio quando o imóvel rural pretendido se destinar a implantação de projeto agrícola, pecuário, industrial ou de colonização, vinculado aos seus objetivos estatutários.
Portanto, a aplicação do inciso III do artigo 29, combinado com o artigo 30, ambos do Decreto nº 6.634/1974, ocorre na hipótese em que há incidência das duas legislações, a relativa à Faixa de Fronteira (exigência de anuência do Conselho de Defesa Nacional) e à Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro (exigência de projeto específico).

Fora dessa hipótese da “maioria do capital social” (controle estrangeiro), ou seja, quanto às empresas brasileiras com participação de estrangeiro não controlador, incide tão somente a Lei nº 6.634/1974, havendo necessidade apenas de anuência do Conselho de Defesa Nacional (denominação atual do antigo Conselho de Segurança Nacional), nos termos do artigo 36 da referida lei:
Art. 36 - O assentimento prévio para os atos previstos neste capítulo será dado mediante solicitação do interessado à SG/CSN.

Diante do exposto, as regras impostas pelos artigos 34 e 35 do Decreto regulamentador não são “letra-morta”, pois eles tratam exatamente das restrições e exigências impostas pela Lei da Faixa de Fronteira. Esses dois artigos possuem objetos diversos, submetem-se a diferentes análises e estão destinados a pessoas específicas.

Regra 1 - Artigo 34:
  • previsão legal: Art. 34 - A participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica brasileira que seja titular de direito real sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira, dependerá do assentimento prévio do CSN.
  • objeto central da regra: ingresso de estrangeiro em pessoa jurídica brasileira;
  • análise a ser feita: se a pessoa jurídica é titular de direito real, de qualquer espécie, sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira.
Destinatários do artigo 34:
  • a pessoa jurídica titular de direito real sobre imóvel localizado em Faixa de Fronteira que aceitar sócio ou acionista estrangeiro;
  • o tabelião que lavrar algum ato notarial cujo objeto seja a inclusão de sócio ou acionista estrangeiro em pessoa jurídica titular de direito real sobre imóvel rural localizado em Faixa de Fronteira; e
  • o registrador civil das pessoas jurídicas ou a junta comercial que registrar, averbar ou arquivar documentos que incluam sócio ou acionista estrangeiro em pessoa jurídica titular de direito real sobre imóvel rural localizado em Faixa de Fronteira.

Regra 2 - Artigo 35:
  • previsão legal: Art. 35 - Para a lavratura e o registro de escritura de alienação ou de constituição de direito real, que tiver por objeto imóvel rural situado na Faixa de Fronteira, em que o outorgado for pessoa jurídica, será indispensável verificar se dela participa, como sócio ou acionista, pessoa física ou jurídica estrangeira.
  • previsão legal adicional: Lei nº 6.634/1974; Art. 2º; V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel.
  • objeto central da regra: alienação ou constituição de direito real, de qualquer espécie, em favor de pessoa jurídica, sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira.
  • análise a ser feita: se a pessoa jurídica possui algum sócio ou acionista estrangeiro.
Destinatários do artigo 35:

  • tabelião que lavrar alguma escritura pública de alienação do domínio, transmissão da posse ou de constituição de direito real sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira em favor de pessoa jurídica;
  • registrador imobiliário que registrar escritura pública de alienação ou constituição de direito real sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira em favor de pessoa jurídica; e
  • registrador de títulos e documentos que registrar escritura pública de alienação, transmissão da posse ou constituição de direito real sobre imóvel rural localizado na Faixa de Fronteira em favor de pessoa jurídica.


As próximas questões se relacionam com a aplicação do artigo 46 do Decreto nº 85.064/1980.
Art. 46 - Os Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis exigirão prova do assentimento prévio do CSN para as transações com imóveis rurais, envolvendo estrangeiros, de que trata o Capítulo VI e obedecidas as prescrições da legislação que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil.(Obs.: Capítulo VI - Das Transações com Imóveis Rurais, envolvendo Estrangeiros: artigos 29 a 33 do Decreto nº 85.064/80)
Questão 3: Como se trata de legislação restritiva, sua interpretação deve seguir a mesma linha. Assim, os Registradores Imobiliários e Tabeliães de Notas poderiam se valer unicamente da regra prevista no artigo 46 do Decreto nº 85.064/80? Como este dispositivo legal faz com que os Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis, na dicção da lei, exijam prova do assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional para as transações com imóveis rurais envolvendo estrangeiros, de que trata o Capítulo VI do Decreto, é correto afirmar que eles devem observar os artigos 34 e 35, não incluídos no citado Capítulo (integram o VII)? Qual a razão de se ter feito restrição ao cumprimento das exigências previstas no Capítulo VI pelos Cartórios de Notas e de Registros de Imóveis?
Resposta:
O artigo 46 do Decreto nº 85.064/1980 trata apenas de um alerta daquilo que já estava previsto no artigo 7º da Lei nº 5.709/1971 (Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro):
Art. 7º - A aquisição de imóvel situado em área considerada indispensável à segurança nacional por pessoa estrangeira, física ou jurídica, depende do assentimento prévio da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Ou seja, os registradores e notários já estavam subordinados a tal regra pela Lei nº 5.709/1971, não sendo ela uma criação da legislação sobre a Faixa de Fronteira, que possui regras específicas. Portanto, deverão os notários e registradores observarem não apenas o artigo 46 do Decreto nº 85.064/1980, mas, também, todos os demais artigos desse Regulamento, incluindo, entre eles, os já analisados artigos 34 e 35.


Questão 4: Ainda, na sequência do mesmo artigo 46, o legislador manda que Cartórios de Notas e de Registros observem as prescrições da legislação que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil.
Por qual razão o legislador não elencou a brasileira equiparada a estrangeira, uma vez que não se pode confundir a brasileira nem com a pessoa natural estrangeira, nem com a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil?
Seria possível considerar que se o legislador quisesse teria incluído a pessoa jurídica equiparada à estrangeira?
O problema em considerar a aplicação literal do artigo 46 é que a legislação incidente sobre a Faixa de Fronteira seria mais benéfica, mais branda, quando a razão de sua existência conduz a outro caminho...
Resposta:
O artigo 46 do Decreto nº 85.064/1980 não fez menção à pessoa jurídica brasileira sobre controle estrangeiro, tendo se limitado a dizer “pessoa jurídica estrangeira”. Isso não quer dizer que as empresas brasileiras sobre controle estrangeiro estão livres de tal regra, nem tampouco que tal dispositivo legal esteja falho.
O Decreto nº 85.064/1980 é o regulamento da Lei nº 6.634/1974, que trata da Faixa de Fronteira. Portanto, tem por missão disciplinar tudo que lhe foi delegado pela respectiva lei. O artigo 46 é apenas uma referência expressa a uma outra legislação, a Lei nº 5.709/1971, que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiro. Portanto, ao se referir a qualquer regramento daquela legislação, deve fazê-lo sem inovar, utilizando os mesmos termos utilizados pela legislação-base.
A Lei nº 5.709/1971, ao impor suas inúmeras regras, só faz menção à “pessoa jurídica estrangeira”. Apenas no §1º do artigo 1º (de constitucionalidade duvidosa), a referida lei esclarece que tal rubrica abrange as pessoas jurídicas brasileiras sob controle estrangeiro:
Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.§ 1º - Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.
Portanto, a não-inclusão, no artigo 46, da rubrica “pessoas jurídicas brasileiras sob controle estrangeiro” em nada prejudica o comando legal, uma vez que o mesmo artigo 46 fez expressa menção à legislação específica, repetindo expressamente o comando do seu artigo 1º, cuja interpretação deve ser efetivada conforme a lei de origem:

Lei nº 5.709/1971
Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil
Decreto nº 85.064/1980
Art. 46 - …obedecidas as prescrições da legislação que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil.

Por fim, não há nenhuma hipótese que permite afirmar que a legislação referente à Faixa de Fronteira (Lei nº 6.634/1974) seja mais branda do que a legislação que disciplina a aquisição de imóvel rural por estrangeiro (Lei nº 5.709/1971), pelos seguintes motivos:

  • a Lei nº 6.634/1974, mais rígida, incide apenas sobre os imóveis localizados na Faixa de Fronteira; 
  • a Lei nº 5.709/1971, que restringe a aquisição de imóvel rural por estrangeiros, incide sobre toda a zona rural do território brasileiro, quer esteja ou não na Faixa de Fronteira; 
  • portanto, na Faixa de Fronteira há a incidência das duas legislações, não havendo nenhuma hipótese de conflito entre elas, uma vez que as regras inclusas nos dois decretos regulamentadores são coerentes e harmônicas entre si. 


Mais uma vez, agradecemos ao IRIB na pessoa de seu Distinto Presidente e de seu Diretor de Assuntos Agrários, renovando nossas votos de apreço e admiração.
Cordiais Saudações.
Bel. Julio Cesar Weschenfelder
Presidente do Colégio Registral do Rio Grande do Sul

O IRIB agradece pela confiança depositada no Instituto e espera ter colaborado mais uma vez para dirimir as dúvidas dos registradores imobiliários gaúchos, destacando que nossas portas estão sempre abertas aos amigos do Colégio Registral do Rio Grande do Sul.
Conchas, 14 de março de 2012.
Eduardo Agostinho Arruda Augusto
Diretor de Assuntos Agrários do IRIB

quinta-feira, 1 de março de 2012

RRT - Registro de Responsabilidade Técnica: Arquitetura e Urbanismo

CONSULTA 
Na hipótese de retificação de registro cujo projeto seja elaborado por arquiteto, pode o registrador imobiliário aceitar um RRT (Registro de Responsabilidade Técnica) no lugar da ART que é exigível pelo inciso II do artigo 213 da Lei dos Registro Públicos? 
Na hipótese de ser afirmativa a resposta, não haveria necessidade de exigir-se, também, a ART referente ao trabalho de topografia? 
MAZO/HPM 
_____________________________________  
PARECER 
A Lei nº 12.378/2010, que criou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR), determinou que os arquitetos deverão emitir o RRT e que compete ao CAU/BR disciplinar as hipóteses de obrigatoriedade: 
Art. 45.  Toda realização de trabalho de competência privativa ou de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas será objeto de Registro de Responsabilidade Técnica - RRT.  
§ 1o  Ato do CAU/BR detalhará as hipóteses de obrigatoriedade do RRT.
Texto integral da lei:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Lei/L12378.htm
Em cumprimento a esse dispositivo legal, o novo Conselho publicou a Resolução CAU/BR nº 9, de 16/1/2012, em que disciplina as hipóteses em que a emissão de RRT é obrigatoria.

Texto integral da Resolução:
http://www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucao-cau-br-9-2012.htm
Ou seja, a lei determinou que os arquitetos e urbanistas devem reportar sua responsabilidade técnica ao CAU (e não mais ao CREA) e que a denominação de tal documento, para evitar confusões com o documento fiscalizado pelo CREA, passou a ser "RRT" (Registro de Responsabilidade Técnica) e não "ART" (Anotação de Responsabilidade Técnica).
Portanto, a responsabilidade técnica dos profissionais que elaboram plantas de imóveis e de construções passou a ser comprovada por um dos seguintes documentos:
  • RRT: arquitetos e urbanistas, filiados ao CAU; e
  • ART: demais profissionais ligados à engenharia, filiados ao CREA.
De certa forma, a Lei nº 12.378/2010 gerou uma "cisão parcial" do CONFEA ("CREA/BR"), que deu origem ao CAU/BR, que passou a ser o órgão fiscalizador dos arquitetos e urbanistas.
Hoje, esses profissionais não fazem mais parte do CREA, pois possuem, agora, um conselho específico, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
Dizer que o profissional de Arquitetura e Urbanismo não pode assinar trabalhos topográficos seria tornar irregular a construção de nossa Capital Federal, cujo traçado foi planejado pelo arquiteto-urbanista Lúcio Costa e cujos prédios e monumentos foram concebidos pelo também arquiteto Oscar Niemeyer.
De certa forma, a Lei nº 12.378/2010 gerou uma "cisão parcial" do CONFEA ("CREA/BR"), que deu origem ao CAU/BR, que passou a ser o órgão fiscalizador dos arquitetos e urbanistas.

A Lei nº 12.378/2010 garante expressamente ao arquiteto e urbanista a competência para trabalhos de topografia:
Artigo 2º - As atividades e atribuições do arquiteto e urbanista consistem em:  /.../ 
Parágrafo único.  As atividades de que trata este artigo aplicam-se aos seguintes campos de atuação no setor: 
VI - da Topografia, elaboração e interpretação de levantamentos topográficos cadastrais para a realização de projetos de arquitetura, de urbanismo e de paisagismo, foto-interpretação, leitura, interpretação e análise de dados e informações topográficas e sensoriamento remoto; 
Outro ponto interessante é sobre a necessidade ou não de se emitir ART e RRT para um mesmo serviço.
Diante dessa inovação legislativa, arquiteto não pode mais assinar ART, pois ele não mais pertence ao CREA. Somente poderá emitir RRT.
Por outro lado, os demais profissionais da engenharia não podem emitir RRT, pois não integram o CAU. Para eles, o documento a ser emitido é a ART.
Conceitualmente, ART e RRT têm exatamente o mesmo significado. As únicas diferenças são o órgão fiscalizador e o profissional que pode emiti-los.
Há hipóteses em que é obrigatória a emissão de ART e RRT para um mesmo projeto. Mas isso se refere a situações especiais (que não compete ao registrador imobiliário fiscalizar), que podem ser bem ilustradas com um pequeno exemplo:
PROJETO DE UM GRANDE E COMPLEXO LOTEAMENTO

  • levantamento do perímetro do imóvel (realidade física do imóvel a ser parcelado): feito por um engenheiro agrimensor (CREA - ART)
  • projeto urbanístico (traçado das ruas, das quadras e divisão dos lotes) elaborado com base no referido levantamento: feito por um arquiteto urbanista (CAU - RRT)
  • projeto de reflorestamento da área verde (exigência da Cetesb), elaborado com base nos dois trabalhos efetuados anteriores: feito por um engenheiro agrônomo ou por um engenheiro florestal (CREA - ART)
No entanto, nada impede que todos esses trabalhos sejam feitos apenas por um arquiteto, pois a Lei nº 12.238/2010 lhe confere tais poderes no inciso V do parágrafo único de seu artigo 2º:
V - do Planejamento Urbano e Regional, planejamento físico-territorial, planos de intervenção no espaço urbano, metropolitano e regional fundamentados nos sistemas de infraestrutura, saneamento básico e ambiental, sistema viário, sinalização, tráfego e trânsito urbano e rural, acessibilidade, gestão territorial e ambiental, parcelamento do solo, loteamento, desmembramento, remembramento, arruamento, planejamento urbano, plano diretor, traçado de cidades, desenho urbano, sistema viário, tráfego e trânsito urbano e rural, inventário urbano e regional, assentamentos humanos e requalificação em áreas urbanas e rurais; 
Ou seja, quem assinar a planta emite o documento de responsabilidade (ART ou RRT) conforme seja a sua filiação (CREA ou CAU).
Por fim, convém tratar um pouco da competência para elaborar trabalhos técnicos de georreferenciamento de imóveis rurais.
Pode o arquiteto ser credenciado pelo Incra para tal atribuição?
A Decisão da Sessão Plenária 1.314 do CONFEA, de 21/2/2003, relacionou os profissionais que podem ser credenciados pelo Incra. Desse rol, constam expressamente "arquitetos e urbanistas". 

Profissionais habilitados a fazer trabalhos de georreferenciamento, ou seja, aptos a serem credenciados pelo Incra:
  • Engenheiro Agrimensor 
  • Engenheiro Agrônomo 
  • Engenheiro Cartógrafo, Engenheiro de Geodésica e Topografia, Engenheiro Geógrafo 
  • Engenheiro Civil, Engenheiro de Fortificação e Construção 
  • Engenheiro Florestal 
  • Engenheiro Geólogo 
  • Engenheiro de Minas 
  • Engenheiro de Petróleo 
  • Arquiteto e Urbanista 
  • Engenheiro de Operação - nas especialidades Estradas e Civil 
  • Técnico de Nível Superior ou Tecnológo - da área específica 
  • Técnico de Grau Médio em Agrimensura 
  • Geólogo 
  • Geógrafo 
Obs.: Tecnólogos e Técnicos de grau médio das áreas acima explicitadas devem anotar estas atribuições no CREA ou no CAU.
Portanto, os arquitetos e urbanistas (ligados agora ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU) têm competência legal para fazer quaisquer trabalhos de topografia (retificação de registro, parcelamento, loteamento, reserva legal) e projetos de construção (averbação de construção) que ingressam no registro imobiliário, devendo, para isso, juntar o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) com o comprovante de seu recolhimento.

É o parecer.
Eduardo Augusto
Registrador em Conchas-SP
Diretor do IRIB