(o fato é real, mas os dados aqui apresentados são fictícios)
PARECER
Trata-se de consulta formulada por um registrador imobiliário associado deste Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, envolvendo um pedido de retificação da descrição tabular de um lote urbano, cuja área apurada é 5 vezes maior que a área registrada.
1. Do pedido:
Foi prenotado um pedido retificatório da descrição tabular do imóvel de matrícula 8.551 do Registro de Imóveis de Metrópolis, lote nº 1 da Quadra A do loteamento denominado Residencial Jacarandá (antigo loteamento do início da Década de 80).
2. Situação Jurídica do imóvel:
O imóvel tem origem no registro de um loteamento, portanto sua configuração jurídica não é o que foi acertado entre vendedor e comprador, mesmo que o alienante seja o próprio loteador, uma vez que o novo imóvel surge automaticamente no mundo jurídico com o registro do loteamento, sendo a sua configuração exatamente aquela constante da planta e do memorial descritivo aprovados pelos órgãos públicos e arquivado no registro imobiliário.
Segundo o memorial descritivo, que foi transportado para a matrícula 8.551, o lote nº 1 da quadra A possui a seguinte descrição:
De formato triangular com as seguintes medidas e confrontações: na frente, 25 m em curva confrontando com a Avenida Ipê; no lado direito, 40 metros confrontando com a Rua Araçá; e, do lado esquerdo, 40m com o lote 2 da quadra B; fechando-se o perímetro com uma área de 500m².
A planta arquivada no Registro Imobiliário apresenta melhor a situação jurídica do lote nº 1 da quadra A e dos demais imóveis do empreendimento:
3. Situação Pretendida:
Segundo o levantamento apresentado, a real dimensão do imóvel seria de 2.501 m², uma divergência de quase 500% a maior do direito registrado.
4. Situação fática:
Para melhor analisar o caso, há que se verificar a situação fática do imóvel. Pelas imagens do Google Earth, percebe-se claramente que o levantamento apresentado pelo agrimensor confere com a área de posse do requerente.
5. Decisão:
O pedido retificatório é improcedente, por dois motivos.
Primeiro motivo: não se pode utilizar a retificação para incluir área não titulada, mas apenas para corrigir falha existente na descrição do imóvel. O Lote 1 foi criado juridicamente com o registro do loteamento Residencial Jacarandá, cujo projeto descreve um imóvel com 500 m². A área ocupada pelo requerente possui 2.500 m², ou seja, 5 vezes maior que seu direito registrado. O acréscimo existente não tem respaldo em seu título de propriedade, pois trata-se, claramente, de um acréscimo “extra-muros”.
O direito real de propriedade do requerente está delimitado na imagem a seguir (Lote nº 1 da Quadra A):
O segundo e mais importante motivo está na origem dessa área anexada pelo requerente ao seu imóvel: trata-se de uma área pública de uso comum do povo. O loteador, por algum motivo, não seguiu à risca o projeto de loteamento, tendo deixado de abrir a continuação da Avenida Ipê. Conforme o projeto do loteamento e as matrículas que foram abertas, todos os lotes da Quadra A (onde está o referido lote 1) teriam frente para essa avenida; no entanto, esse trecho da avenida não foi aberto pelo loteador e os lotes estão, na prática, com frente para a Rua Imbuia.
Do outro lado dessa avenida projetada, há um espaço livre até a cerca de divisa com a faixa de domínio do DER (a antiga estrada municipal deu lugar a uma nova rodovia estadual). A parcela da Avenida Ipê (projetada e não concluída) e essa área livre passaram automaticamente ao patrimônio público com o registro do loteamento, não podendo o loteador mudar a sua destinação, conforme o artigo 17 da Lei nº 6.766/1979.
A área ocupada pelo requerente (delimitada nos trabalhos técnicos apresentados) inclui a integralidade de seu imóvel (Matrícula 8.551 - Lote 1), uma parcela da avenida projetada (continuação da Avenida Ipê) e uma parcela da Área Verde.
Diante do exposto, deve-se indeferir o pedido retificatório do imóvel de matrícula 8.551, por estar sendo incluída, no projeto apresentado, uma área pública de quase 2.000 m², a qual não pode ser adquirida nem por usucapião.
Diante das irregularidades constatadas pelo registrador imobiliário, convém encaminhar cópia da decisão ao Ministério Público e ao Juiz Corregedor Permanente, uma vez que há indícios de delitos que podem envolver as seguintes pessoas:
- loteador: descumprimento do projeto de loteamento e, possivelmente, negociação de área pública;
- requerente: utilizando propriedade pública como propriedade particular; e
- autoridade municipal: por ter anuído ao projeto de retificação sem fiscalizar a situação do bem público que está sob sua administração.
6. Possível solução para o caso:
Para que essa área adicional possa ser transferida do patrimônio público para o patrimônio do requerente, são necessárias as seguintes providências (exatamente nessa sequência):
- lei municipal regularizando a configuração da Avenida Ipê, conforme a situação fática, e transformando em “área verde” toda a área livre entre o limite dos lotes da quadra A e a faixa de domínio do DER (que engloba parte da então Avenida Ipê que não foi completada pelo loteador);
- com base nessa lei, retificação de registro para possibilitar a abertura de matrícula para a Área Verde em nome do Município de Metrópolis;
- somente após a abertura de matrícula específica para a remodelada “Área Verde”: lei municipal desafetando a área ocupada pelo requerente (parcela da “nova área verde”) e autorizando o Poder Executivo a alienar tal área ao particular; e
- escritura pública de alienação dessa área (parcelamento da área verde em 3 áreas, pois a alienação ao particular refere-se apenas à parcela do “meio”).
Observação: esse roteiro leva em consideração tão-somente os requisitos registrais, não tendo sido analisada a legalidade dessa desafetação e transmissão de terra pública ao particular, principalmente no tocante à Lei de Responsabilidade Fiscal (o TCE poderá não aprovar tal procedimento).
É o parecer.
Eduardo Augusto
Diretor e Consultor do IRIB
Registrador Imobiliário em Conchas, SP
Prezado Dr. Eduardo:
ResponderExcluirTenho duas duvidas e gostaria que me ajudase!
1 - No georreferenciamento de imovel ruaral (lei 10267) quando o imovel rural confronta com imovel urbano (uma sequencia de dez casas) é necessario identificar cada um dos confrontantes? Quais são os dados destes confrontantes precisando ser coletados e constar na planta e memorial descritivo? A preveitura municipal pode dar anuencia por estes confrontantes?
2 - Um imovel rural de um unico proprietario e composto de varias matriculas tem apenas um numero do INCRA ou pode ter varios?
Olá, Lucas.
ExcluirEsta sua questão já foi respondida em outra página (em que vc fez exatamente as mesmas perguntas).
Copio aqui o parecer que foi postado:
1 - Anuência de Confrontantes
Para a retificação da descrição tabular de imóvel, quer pela técnica do georreferenciamento ou não, a obrigatoriedade de se identificar e colher anuências dos confrontantes independe de quantos sejam eles.
O registrador poderá analisar situações especiais em que tal exigência possa ser minorada, aplicando conjuntamente aos princípios da segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade.
Adianto que "uma sequência de dez casas" não chega a configurar justa causa para tal pedido.
2. Cadastro rural do Incra (SNCR)
Considerando o conceito agrário de imóvel rural (Estatuto da Terra, artigo 4º, inciso I), uma área continua de terras, de um mesmo proprietário e detentor, que se destina à exploração rural, deve constituir uma única unidade cadastral, independentemente do número de matrículas pela qual é formada.
Um abraço.
EA
Dr. Eduardo:
ExcluirO Sr. poderia me sugerir uma forma de como aplicar os princípios da segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade, para esta situaçao?
Na região a maioria dos confrontantes nao tem titulo de posse, muitas das familias residentes receberam o imovel de herança e os inventarios nao foram concluidos.
Uma declaração de respeito de limites assinada pelo responsavel tecnico e o proprietario e uma declaração prefeitura (anuencia) iformando que o imovel rural confronta com o perímetro urbano e não invade os imoveis urbanos confrontantes com estes, sendo as divisas materializadas por cerca e respeitada a muitos anos é suficiente?
Olá, Lucas.
ExcluirA Prefeitura não tem legitimidade para anuir em nome de particulares.
Como eu já lhe disse, tudo dependerá do caso concreto. A regra é anuência de todos, com a comprovação da ocupação, caso o ocupante não seja o proprietário tabular. Mas o registrador poderá, na análise do caso concreto, optar por formas alternativas, devendo, no entanto, justificar toda e qualquer mitigação que faça das exigências legais.
Um abraço.
EA
Muito bom o resultado de sobreposicao da avenida projetada sobre imagens do google earth. Excelente artigo, obrigado por compartilhar.
ResponderExcluirOlá, Sérgio.
ExcluirFico feliz em saber que o artigo lhe foi útil.
Um grande abraço.
EA
Prezado Dr. Eduardo, os pareceres e informações aqui postadas tem sido de grande valia, afinal pouco se tem de literatura e ate mesmo cursos sobre a matéria.
ResponderExcluirAproveito o caso acima para questionar uma situação inversa.
O poder publico abre uma estrada sem haver processo de desapropriação ou expropriação, o terreno é dividido em 3 partes, uma delas pelo que entendo pertence ao municipio ( Estrada ), e outras duas remanescentes, como transferir esta área para a municipalidade ?. Penso que o procedimento é de retificação cumulada com a apuração do remanescente.
Parabéns pelo trabalho.
Arq. Edson Matos
Olá, Edson.
ExcluirVou considerar que sua questão se refere a imóvel rural.
Uma estrada aberta pelo Município, após a sua liberação do tráfego, passa automaticamente para o patrimônio público, competindo ao particular prejudicado requer apenas a indenização mediante uma ação judicial denominada "desapropriação indireta".
Para ajuizar essa ação, deve o particular apresentar trabalhos de agrimensura que mostrem a parcela perdida e as parcelas remanescentes. No caso por vc relatado, as três parcelas resultarão em matrículas em nome do particular, sendo que a parcela referente à estrada somente será transmitida ao patrimônio do Município, após o pagamento integral da indenização determinada pela Justiça.
Mas isso é exceção, pois não é comum esse tipo de ação judicial, uma vez que tais estradas são antigas, originadas de simples servidões que, com o constante parcelamento dos imóveis por elas beneficiados, acabam se transformando em vias públicas, de uso comum do povo. Nestes casos, sobra ao particular apenas uma única opção: apurar o remanescente de seu imóvel (as duas parcelas restantes), pois a área perdida para a estrada (a 3ª parcela) não mais lhe pertence e nem pode ser registrada em nome do Município, por falta de título hábil para tal finalidade.
No caso de imóveis urbanos, a situação não é tão simples. Isso porque o proprietário, com o intuito de ver-se livre das rígidas exigências da Lei nº 6.766/1979 (LPS - Lei do Parcelamento do Solo), abre ruas em sua grande gleba com o intuito de transformá-la em várias quadras. Ele não poderá requerer a retificação apenas do remanescente (as várias quadras), argumentando que as ruas já passaram automaticamente para o patrimônio público, uma vez que isso configura burla à LPS. Deverá ele buscar todas as licenças previstas em lei (municipais , estaduais e federais) e arcar com todas as obras de infraestrutura. Se a retificação do remanescente pudesse ser feita, os ônus com todas essas obras de infraestrutura seriam jogados nas costas do contribuinte (isso ocorreu muito no passado!).
Um abraço.
EA
Prezado Dr. Eduardo
ResponderExcluirMuito bom o artigo e trouxe luz a situações semelhantes que enfrentamos aqui no PR. Mas gostaria de abusar um pouco mais do seu conhecimento para ratificar o entendimento. Existe um loteamento aprovado e registrado, ocorre que em uma de suas quadras 'deslocaram' o logradouro público porque descobriram que se continuasse a seguir a linha aprovada no projeto iria ficar em cima de uma vala. Só que fizeram isso apenas no local sem retificá-lo junto ao Município e no registro. Esse deslocamento fez com que alguns ocupassem o que antes era a 'rua'. Para a regularização dessa área que agora é considerada como 'sobra da quadra' não caberia o processo administrativo? O problema é que com esse deslocamento se criou uma 'nova área' que altera o confrontante dos lotes já registrados, porque de acordo com a planta todos teriam frente para dois logradouros, o que difere da situação fática. A situação é antiga, tanto que os proprietários dos lotes registrados respeitam a 'posse' e não exigiram 'servidão de passagem' visto terem acesso aos mesmos por outra rua. A usucapião, a meu ver, não seria aplicável porque, para o registro, a área a ser usucapida é 'rua' e, consequentemente, seria do Município. Nesse caso, poderia ser seguido o parecer acima? Desde já agradeço a atenção. Max
Olá, Max.
ExcluirBasta uma lei municipal autorizando essa "desafetação e regularização". Diante disso, é feita a retificação do projeto de loteamento (regularização fundiária de interesse específico).
Por fim, deve haver a efetiva participação de todos os atuais titulares das matrículas afetadas e, por segurança, também dos atuais ocupantes.
Um abraço.
EA
Muito obrigado Dr. Eduardo.
ExcluirOlá,tenho um terreno(com escritura pública) em um loteamento e adquiri,da mesma imobiliária, uma sobra de área (por declaração particular de compra e venda) entre meu lote e outro. Como faço para uni-los em uma só escritura pública?
ResponderExcluirparabens e obrigado por respostas objetivas e didaticas; tenho um caso de RETIFICAÇAO ADMINISTRATIVA, PARA FINS DE DESMEMBRAMENTO, onde uma das faces da propriedade confronta com mais de 70 confrontantes(loteamento de COOHAB onde muitos nao tem o titulo de propriedade e outros sao posseiros sem posse legal) o que gera um transtorno enorme e o registro de imoveis pediu a anuencia de todos... é possivel solicitar ao notario uma reconsideraçao por escrito?
ResponderExcluirPrezado colega Dr Eduardo. Meu nome é Marcio, sou advogado aqui no Paraná. Gostaria de tirar uma dúvida a respeito de sobras de loteamento. A questão pratica é a seguinte: Meu imóvel está localizado entre 3 ruas, devidamente demarcadas, sendo que entre o meu lote e do confrontante existe uma sobra de 10,00 metros de frente, meu confrontante não questiona essa diferença, uma vez que a propriedade dele está devidamente demarcada e murada. A pergunta é a seguinte posso retificar meu imóvel, ou não, e no caso a sobre de terreno pertence ao loteador? Agradeço a resposta.
ResponderExcluirBoa noite ,blog ainda ativo?
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