segunda-feira, 23 de maio de 2011

Inviabilidade da Novação por Retificação de Registro ou Rerratificação do Título

CONSULTA 


Dr. Eduardo Augusto: 
Na matrícula de um imóvel rural de titularidade da Empresa A, há o registro de uma hipoteca garantindo uma dívida, no valor de 2 milhões, que a Empresa C tem em favor do credor Empresa B. 
As partes pretendem, por meio de uma escritura de rerratificação, modificar o valor da dívida de 2 para 5 milhões, mantendo-se todas as demais cláusulas do contrato original.
É possível tal modificação por escritura de "rerrati" ou seria necessário um procedimento de retificação de registro?
MT




PARECER

A alienação e oneração de bem imóvel, por imposição legal visando a garantir a necessária segurança jurídica, possui natureza complexa, assim resumida:
  • negócio jurídico de alienação ou oneração: escritura pública
  • transferência patrimonial ou concretização do ônus real: registro do título aquisitivo ou de oneração
Uma vez presentes os elementos essenciais (que englobam os elementos naturais) do negócio jurídico, este é considerado perfeito e acabado, somente aceitando correções (mediante escritura pública de rerratificação) que sejam absolutamente necessárias para a execução daquilo que foi pactuado na origem, sem a modificação desses elementos essenciais e naturais.
No caso de oneração de bem imóvel, pelo instituto da hipoteca, os elementos essenciais (que não podem ser simplesmente alterados por rerratificação) são:
a) Elementos Essenciais Comuns:
  • agente capaz: credor, devedor e, quando o imóvel não é do devedor, terceiro-garantidor;
  • objeto lícito e idôneo: imóvel matriculado (sem cláusula de inalienabilidade nem decretação de indisponibilidade); e
  • consentimento: manifestação inequívoca das partes (desejo de hipotecar e de aceitar a hipoteca) perante o tabelião
b) Elementos Essenciais Específicos:
  • forma solene: escritura pública; e
  • legitimação: apenas quando o titular do imóvel for casado ou incapaz (outorga conjugal ou alvará judicial)
Os elementos naturais da hipoteca (que também não podem ser simplesmente alterados por rerratificação) são:
  1. dar em "garantia" um imóvel (identificado) por uma dívida (identificada em um outro contrato principal);
  2. a existência de um contrato principal não quitado;
  3. menção expressa aos elementos essenciais e naturais do contrato principal:
    • natureza do contrato (e outras informações que dependem dessa identificação)
    • valor da dívida garantida
    • prazo para pagamento da dívida (termo)
    • eventuais condições existentes (resolutivas ou suspensivas)
    • taxa de juros, mora, etc.
  4. obrigação ex-lege (não precisa estar expressa no título) de registrar a hipoteca na matrícula do imóvel.
Exemplo retificável por escritura pública de rerratificação: uma escritura pública de hipoteca não registrada com falha na identificação do credor (erro evidente de digitação do valor da dívida, havendo divergência entre o valor em algarismos e o valor por extenso, por exemplo) comporta rerratificação pois não há alteração das partes contratantes, dos objetos (o mesmo imóvel em garantia da mesma dívida), nem do consentimento (a falha ocorrida e a correção efetuada não afeta a vontade original das partes).
Mesmo nessas situações, a escritura de rerratificação somente será possível antes do registro desse título. Após isso, caso o vício tenha sido transportado para o registro imobiliário, a solução para corrigi-lo será:
  • procedimento extrajudicial de retificação de registro, caso se comprove que se trata de erro, falha ou omissão de especialidade (objetiva, subjetiva ou do fato jurídico) e que tal erro seja extrínseco ao mérito do negócio jurídico; ou
  • processo judicial de cancelamento de negócio jurídico (da escritura) e de cancelamento de registro (do registro da hipoteca), caso o vício corrompa alguns do elementos essenciais do negócio jurídico (alienante não era o proprietário; existência de erro, dolo, coação, simulação ou fraude; dívida em decorrência de ato ilícito; etc.).
1. Análise do Caso Concreto 
1.1 A Escritura de instituição de hipoteca:
a) título (formal):
  • escritura pública de "hipoteca" (imóvel x dívida).
b) partes (todos agentes capazes):
  • Empresa A (titular do imóvel); 
  • Empresa B (credora); 
  • Empresa C (devedora).
c) objeto lícito e idôneo:
  • imóvel rural em Conchas-SP (matriculado e sem impedimento legal). 
d) consentimento:
  • tabelião conferiu a vontade expressamente manifestada pelas partes; e
  • até o momento não há notícia de qualquer vício nesse aspecto.
e) forma do título:
  • escritura pública sem qualquer vício identificado; e
  • legitimação: se o imóvel fosse de pessoa natural casada, cujo cônjuge não fosse titular do imóvel, haveria necessita de outorga conjugal (uxória ou marital).
f) obrigações:
  • registrar a escritura na matrícula do imóvel; e
  • pagar a dívida para liberar o imóvel da hipoteca.
Conclusão:
A escritura de hipoteca é um negócio jurídico perfeito e acabado (protegido pela nossa Carta Magna), independentemente de seu registro (que é apenas uma das obrigações inerentes a essa espécie de contrato).
CF, artigo 5º, XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

1.2. Registro da hipoteca na matrícula do imóvel:
O título foi prenotado, qualificado positivamente pelo RI de Conchas e resultou no registro da referida hipoteca na matrícula do imóvel.
Conclusão:
A garantia hipotecária concretizou-se com o registro, dando àquele negócio jurídico perfeito e acabado (a escritura de hipoteca) a "quitação da primeira obrigação" (o registro da hipoteca).

2. Pretensão atual das partes:
As partes desejam fazer a seguinte alteração referente à hipoteca:
  • aumentar o valor da dívida (de 2 milhões para 5 milhões).

2.1 Análise quanto à possibilidade de Escritura Pública de Rerratificação:
O valor da dívida é um elemento natural do contrato principal (de mútuo ou outro de espécie análoga);
Portanto, o aumento pretendido pode ocorrer de duas maneiras:
  • "alteração" do contrato original pela modalidade da novação (uma nova obrigação que extingue a anterior); ou
  • continuidade do contrato anterior (de 2 milhões) e início de outro contrato (de 3 milhões), totalizando o valor final de 5 milhões desejado pelas partes.
Independentemente da forma ocorrida no contrato principal, a escritura de hipoteca, nesse caso, não comporta rerratificação, pois a alteração que se pretende atinge elementos naturais do contrato principal e, consequentemente, do contrato acessório ("o acessório segue o principal").

Conclusão:
O que se pretende fazer configura um novo negócio jurídico (mesmo que pelo instituto da novação - vide CC, artigos 360 e seguintes).
Portanto, não cabe escritura pública de rerratificação, pois:
  • não há vícios extrínsecos a serem sanados (nem intrínsecos, segundo os relatos); e
  • a escritura anterior é um ato jurídico perfeito que já está produzindo efeitos desde a sua lavratura.
2.2 Análise quanto à possibilidade de Retificação de Registro:
A hipoteca já está registrada na matrícula, portanto só cabe retificação por procedimento de retificação de registro.
Somente cabe retificação de registro se houver erro, falha ou omissão:
  • especialidade objetiva: erro ou imperfeição na descrição do imóvel (nunca substituir um imóvel por outro)
  • especialidade subjetiva: erro na qualificação das partes (nunca substituir uma pessoa por outra)
  • especialidade do fato jurídico: erro na descrição das obrigações (exemplo: na escritura de hipoteca esqueceram de constar a existência da taxa de juros, que consta do contrato principal registrado em RTD ou feito por instrumento público)
Conclusão:
O que se pretende alterar configura um novo negócio jurídico (mesmo que pelo instituto da novação).
Portanto, não cabe procedimento de retificação de registro, pois:
  • não há vícios extrínsecos no registro a serem sanados (nem intrínsecos, segundo os relatos); e
  • o registro está perfeito e continua produzindo efeitos.

3. Solução
Para que o desejo das partes resulte em direitos registrados, há que se fazer inicialmente o seguinte:
  • identificar o que realmente ocorreu com a dívida anterior, ou seja, descobrir se ela foi paga ou se a intenção é uma novação.
Considerando que seja novação (hipótese mais provável), a solução é a seguinte:
  • fazer contrato de novação da dívida principal;
  • escritura de instituição da nova hipoteca, dando por quitada a dívida anterior (que resultará no cancelamento da hipoteca anterior) e instituindo nova garantia sobre a dívida inovada, constando todos os elementos essenciais e naturais do contrato principal de novação.
Considerando que seja um novo contrato (complementar) sem extinção do anterior, a solução passa a ser a seguinte:
  • o contrato anterior e a hipoteca permanecem intactos (não mexer neles);
  • fazer novo contrato principal pelo valor "complementar" de 3 milhões;
  • escritura de instituição de hipoteca de 2º grau para garantir esse novo contrato.
É o parecer. 

Eduardo Augusto
Diretor do Irib

Um comentário:

  1. Dr. Eduardo, foi com grata surpresa que encontrei seu blog, por acaso no google, e tive acesso aos seus trabalhos. Ser-me-ão extremamente úteis aos meus estudos em busca de aprovação em concurso de delegação de serventia extrajudicial.
    Parabéns.

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