Aquisição, por uma pessoa de nacionalidade portuguesa, de frações ideais de um imóvel rural, localizado no município de Pereiras, comarca de Conchas.
As aquisições se deram pelos seguintes assentos registrais:
Registro nº 2, de 18/7/1986 (escritura de 1986): uma fração ideal “equivalente a 0,605 ha”;
Registro nº 3, de 18/6/2006 (escritura de 1987): uma fração ideal “equivalente a 0,053 ha”; e
Registro nº 9, de 2/12/2009 (escritura de 2009): uma fração ideal “equivalente a 1,273 ha”.
Nos registros 2 e 3, o adquirente havia sido qualificado como brasileiro (equívoco constante das escrituras). Esse equívoco foi percebido apenas em dezembro de 2009, quando da qualificação de uma nova escritura cuja qualificação pessoal estava correta.
Nessa oportunidade foi efetuada uma averbação de retificação na matrícula do imóvel (Averbação nº 8) e o registro tardio do "conjunto dessas aquisições" (uma fração ideal de 9,387%, equivalente a “1,931 ha”) no Livro de Controle de Estrangeiros (essa situação foi informada ao Incra pela comunicação trimestral no início de 2010).
Regra aparentemente descumprida:
O §3º do artigo 7º do Decreto nº 74.965, de 26/11/1974, dispõe que dependerá também de autorização do Incra a aquisição de mais de um imóvel rural, com área não superior a três módulos, feita por uma pessoa física; e, pelo artigo 15 da Lei nº 5.709/71, “a aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito”.
Caso concreto:
Nos termos do inciso I do artigo 4º da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), a referida matrícula constitui um único "imóvel rural", uma vez que possui um único cadastro no Incra, informação esta que expressamente consta da Averbação nº 5 (Cadastro nº 631.000.000.000, Sítio Santa Maria).
As três aquisições representam tão-somente uma única fração ideal de 9,387% do imóvel matriculado (fração esta que, em tese, equivaleria a 1,931 ha). Essa situação, concretamente, não caracteriza a aquisição de “mais de um imóvel rural”, mas apenas o aumento da participação do condômino nas cotas-partes de um mesmo bem imóvel.
Validade do negócio jurídico:
Mesmo considerando o caso concreto como “aquisição múltipla”, tal fato (que descumpriria o §3º do artigo 7º do Decreto nº 74.965/1974) não resulta na nulidade do negócio jurídico.
O artigo 15 da Lei nº 5.709/71 estabelece que “a aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito”, ou seja, a violação que resulta em nulidade deve ser de uma das prescrições constantes da Lei nº 5.709/71 e não de uma norma criada pelo seu regulamento.
Essa regra específica do regulamento (§3º do artigo 7º) não encontra regra similar na lei, tratando-se, portanto, de uma obrigação imposta por decreto, sem amparo legal, uma vez que foi delegada ao regulamento apenas a execução da lei e não a criação de outras limitações.
Conclusão:
Devido a não-incidência da regra de nulidade do artigo 15 da Lei nº 5.709/71, quer pelo fato de as aquisições terem sido de “um único imóvel rural” (não tipificando a irregularidade prevista no §3º do artigo 7º do Decreto), quer pela inaplicabilidade do §3º do artigo 7º do regulamento (que extrapolou os poderes delegados pela lei), não há justa causa para a abertura de procedimento de regularização deste caso.
É o parecer.
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Veja o resultado dessa questão: A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no dia 13 de março de 2012, publicou uma importante alteração nas Normas de Serviço referentes aos serviços extrajudiciais, para constar que, na aquisição de imóvel rural por estrangeiro que já seja titular de outro imóvel rural, a autorização do INCRA somente será exigível se o somatório de todas as suas áreas exceder o limite legal de 3 módulos de exploração indefinida. Para saber mais sobre o assunto, veja um outro artigo publicado neste mesmo blog:
Foi prenotada uma escritura pública de inventário em que se partilhou um imóvel localizado nesta Comarca. A escritura faz expressa menção à existência de testamento e, por um lapso, nela não consta a existência de autorização judicial para a lavratura do instrumento notarial.
O tabelião informou que se esqueceu de constar na escritura o alvará judicial, que foi expedido em razão de o testamento não se referir ao imóvel que estava sendo partilhado por aquele instrumento público notarial.
Considerando que a existência de testamento é fato impeditivo para o inventário extrajudicial, entendo que eu deva exigir a rerratificação da escritura pública para poder registrá-la na matrícula do imóvel. Está correto este meu entendimento?
MPM
PARECER
São elementos essenciais do negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito e idôneo, consentimento e, em alguns casos específicos, forma e legitimação.
Para a lavratura de escritura pública de sucessão "causa mortis" em que houve testamento, o alvará judicial é elemento essencial (na modalidade "legitimação") uma vez que a lei indica a seara judicial como o meio eficaz para determinar a sucessão testamentária.
A falta de um elemento essencial torna o negócio jurídico inexistente (situação ainda pior do que nulo). Não havendo suprimento judicial, essa escritura é inexistente, não podendo, logicamente, produzir nenhum efeito.
Mas cuidado com conclusões precipitadas, pois, segundo o seu relato, não foi exatamente isso que ocorreu.
A expressa declaração dos dados do alvará na escritura pública é obrigatória. No entanto, a sua não-indicação no instrumento não torna nulo (ou inexistente) o negócio jurídico. Isso porque o alvará judicial efetivamente existe, é válido e foi decretado antes da lavratura da escritura (que foi elaborada em obediência a ele).
A falha do tabelião não macula a vontade das partes (o negócio jurídico foi "perfeito" e está "acabado"), nem invalida o instrumento. Apenas o torna incompleto, carecedor tão-somente da comprovação da existência desse suprimento judicial.
Como a inserção da autorização judicial não integra a livre manifestação de vontade das partes do negócio jurídico, não há necessidade de rerratificar a escritura pública, mas apenas complementar a documentação faltante para viabilizar o seu registro.
Diante disso, eu exigiria qualquer "documento notarial" em que esse mesmo tabelião esclarecesse a sua falha com a juntada de cópia "autenticada por ele próprio" do referido alvará judicial. Isso tornará o título registrável e "caso encerrado".
Por fim, exigir uma nova reunião das partes apenas para assistir ao tabelião "transcrever as mágicas palavras do alvará judicial numa escritura pública de rerratificação" mais parece um rito de uma seita macabra do que uma formalidade de direito patrimonial.
Vídeo sobre a história de Seu João Alcides, da Comarca de Conchas, que foi por mim apresentado no "GeoAraraquara" (10 de julho de 2004) e em vários outros congressos, simpósios e palestras sobre georreferenciamento de imóveis rurais.
O tema aqui tratado é o impacto gerado pela nova legislação sobre a comunidade rural quando do início da vigência da legislação do georreferenciamento. Esclareço que se trata de uma situação anterior ao Decreto nº 5.570/2005, que solucionou quase todo o problema discutido nesse vídeo.
O impacto gerado pela divulgação do vídeo ao público especializado e aos órgãos governamentais colaborou muito com para a edição do Decreto nº 5.570/2005. Por esse motivo, nossa homenagem ao "Seu João Alcides", que, mesmo sem saber, conseguiu "fazer a diferença".
Seguem abaixo:
1) a narração completa do vídeo; e
2) importante esclarecimento final.
1. A História de Seu João Alcides
Esta é a história de Seu João, um velho produtor rural de nossa comarca de Conchas, um senhor de 87 anos, batalhador, proprietário de um sítio de 18 alqueires na zona rural de Pereiras, comarca de Conchas.
Sempre deu duro na vida, retirando seu sustento da terra. Comprou seu sítio à vista, em 1950, dinheirinho contado na mão do vendedor. Guarda até hoje com muito carinho a escritura devidamente registrada numa velha, mas bem cuidada pasta de plástico. Ali está seu título, o documento que comprova ser ele um homem de posses. São as escrituras de suas terras feitas pelo tabelião João Herculano de Almeida, falecido há muitas décadas. Dentre os guardados com primor e orgulho, está o recibo manuscrito do então ofício judicial, que registrou seu sítio no livro 3A (transcrição 1.019).
Entretanto, a descrição de seu sítio é por demais falha e não define a forma nem a área exata do imóvel. Mas essa era a forma usual da época para descrever os imóveis rurais:
"Um sítio localizado na Água Choca, município de Pereiras, com uma área de mais ou menos 300 braças quadradas, dividindo com Fulano, Sicrano e Beltrano."
As descrições vagas e lacônicas dos registros antigos não foram assim feitas por culpa dos proprietários. Era a regra vigente e por todos aceita. Era o que o Estado fazia e, com base nela, prometia garantir a eles a necessária segurança jurídica.
Com o passar do tempo, houve um progressivo (e correto) rigor na interpretação dos princípios registrais, em especial do princípio da especialidade objetiva. No entanto, apenas nós, registradores, sabemos disso. O Seu João, orgulhoso de seu título registrado e muito bem conservado, nunca ouviu falar nisso…
Por volta do final da década de 1960, esse pequeno proprietário rural, que é um leigo, teve parcela de sua terra desapropriada pelo Estado para passagem de uma rodovia. Um pedaço pequeno, num canto, tanto que ele nem fez questão de discutir os valores, aceitando de bom grado a desapropriação amigável. Afinal, a estrada traria progresso para suas terras.
No passado nunca se fazia descrição de remanescente. Resultado: com a perda de parcela de área, seu imóvel, cuja transcrição já estava mal descrita, ficou com a especialidade objetiva e disponibilidade qualitativa ainda mais comprometidas.
“Impossível abrir matrícula, Seu João. Vai precisar pedir pro Juiz”, disse-lhe o cartorário há alguns anos.
Desesperado para emitir cédulas hipotecárias e dar continuidade à sua lavoura, Seu João, com muita dificuldade, paga engenheiro, paga advogado, com dinheiro contado moeda por moeda. O levantamento do engenheiro é lento, demora algumas semanas. Depois disso, o processo é iniciado e tramita muito mais lentamente ainda. No meio do caminho, leis, decretos, portarias do Incra, documentos de que Seu João nunca ouviu falar – bem como e a bem da verdade nem seu advogado.
Antes da sentença, o juiz, cauteloso, remete o processo para manifestação do oficial de registro. Ciente da nova lei do georreferenciamento, o oficial faz seu parecer em teor técnico e de um primor jurídico inigualável. O juiz acata. Decisão interlocutória:
“Prazo para georreferenciar o imóvel sob pena de extinção do feito”.
Seu João não teve alternativa: desistiu da ação por insuficiência financeira para dar prosseguimento ao processo.
Em face disso, pergunto-lhes: Como exigir o georreferenciamento nesse caso? E o princípio da razoabilidade? E o direito do proprietário de dispor de suas terras? E a gratuidade que a lei do georreferenciamento lhe garante?
Como ainda não houve a regulamentação sobre a gratuidade do georreferenciamento, Seu João perdeu tudo. Perdeu o dinheiro pago ao engenheiro, cujo serviço não serviu de nada; perdeu o dinheiro pago ao advogado, cujos honorários lhe são devidos em pagamento aos serviços prestados; perdeu o financiamento que o Banespa lhe havia prometido mediante emissão de cédula rural hipotecária, uma vez que não há como registrar a hipoteca sem abrir matrícula.
Conclusão: criaram um sistema novo para dar mais segurança jurídica ao proprietário rural, para ajudar o produtor rural, para ajudar Seu João, para trazer progresso à suas terras… Louvável iniciativa pública!
Mas, em virtude disso, Seu João está perdendo tudo! Seu João está passando fome!
Desesperado, Seu João encontra alguém que quer comprar suas terras – sua salvação!
Mas não pode vendê-las! O tabelião sabe que não há como descrever o imóvel na escritura nem há como registrá-la. Propõe, então, um contrato de gaveta –paliativo, mas todos fazem–, porém o interessado pelas terras se assusta e vai embora. Seu João perde o negócio, perde de novo; continua a passar fome…
Esta é a história de Seu João Alcides, da comarca de Conchas. Mas também é a história de muitos outros Joãos de nosso imenso Brasil, pessoas honestas, trabalhadoras, de vida sofrida, que necessitam e aguardam a compreensão do Estado para uma vida melhor.
Seu João, essa é a sua história. Seu João, essa é a verdadeira história do Brasil!!!
2. Esclarecimento Final: A Verdadeira História
A história de Seu João foi contada em todo o Brasil. Por ser uma história que se encaixa perfeitamente na difícil situação de vários brasileiros por aí afora, teve que ser repetida à exaustão, pois a realidade comove, a realidade choca.
O registro imobiliário é um repertório de importantes informações sobre a comunidade local. Para conhecer uma boa parte da história de uma localidade, basta pesquisar o conteúdo dos registros públicos, em especial as matrículas e seus assentos modificadores. Praticamente, tudo passa pelo registro, e a história se perpetua, fica gravada para sempre nos arquivos do cartório.
Ano e meio após a produção desse vídeo, chegou no Registro de Conchas um documento para ser averbado numa matrícula. Uma certidão de óbito novinha, extraída há poucos dias, que noticiava o falecimento de um cidadão da comarca. Seria um documento comum, como qualquer outro que chega diariamente ao serviço imobiliário para completar as informações do registro, se não fosse um porém:
A certidão comunicava o falecimento do nosso velho amigo Seu João Alcides.
Mas sua história não teve um final tão trágico como parece. Sua história, contada aos quatro cantos do país, não foi exatamente como narrada.
Na verdade, ao término da ação judicial de retificação de registro, o processo não foi extinto pelo não-cumprimento da lei do georreferenciamento. Não foi porque o Poder Judiciário, o Ministério Público e o Registro Imobiliário de Conchas trabalham com um mesmo fim, todos objetivam a Justiça do caso concreto. A lei, da forma como estava (antes do Decreto nº 5.570/2005), era injusta e merecia flexibilização. E assim foi decidido.
Seu título judicial resultou numa nova matrícula para seu imóvel, totalmente saneada de velhos vícios e, logo em seguida, Seu João efetuou a doação de seu sítio a seus dois únicos filhos, reservando a si o usufruto vitalício do imóvel, uma vez que não possuía nenhum outro bem.
Seus filhos obtiveram acesso ao crédito rural e construíram uma pequena granja. Os negócios vão bem e a família – Seu João, os filhos, as noras e os cinco netos – conheceu finalmente a fartura sobre a mesa. A certidão de óbito apresentada era para extinguir o usufruto. Junto com ela, uma outra cédula de crédito rural hipotecária, ou seja, um outro financiamento, novos negócios, mais progresso para a família.
Seu João cumpriu seu papel social entre nós. Deixou filhos e netos, bem encaminhados. Deixou seu patrimônio previamente partilhado. Deixou tudo bem documentado, como sempre gostou de fazer. Deixou, enfim, muitas saudades!
Na matrícula de um imóvel rural de titularidade da Empresa A, há o registro de uma hipoteca garantindo uma dívida, no valor de 2 milhões, que a Empresa C tem em favor do credor Empresa B.
As partes pretendem, por meio de uma escritura de rerratificação, modificar o valor da dívida de 2 para 5 milhões, mantendo-se todas as demais cláusulas do contrato original.
É possível tal modificação por escritura de "rerrati" ou seria necessário um procedimento de retificação de registro?
MT
PARECER
A alienação e oneração de bem imóvel, por imposição legal visando a garantir a necessária segurança jurídica, possui natureza complexa, assim resumida:
negócio jurídico de alienação ou oneração: escritura pública
transferência patrimonial ou concretização do ônus real: registro do título aquisitivo ou de oneração
Uma vez presentes os elementos essenciais (que englobam os elementos naturais) do negócio jurídico, este é considerado perfeito e acabado, somente aceitando correções (mediante escritura pública de rerratificação) que sejam absolutamente necessárias para a execução daquilo que foi pactuado na origem, sem a modificação desses elementos essenciais e naturais.
No caso de oneração de bem imóvel, pelo instituto da hipoteca, os elementos essenciais (que não podem ser simplesmente alterados por rerratificação) são:
a) Elementos Essenciais Comuns:
agente capaz: credor, devedor e, quando o imóvel não é do devedor, terceiro-garantidor;
objeto lícito e idôneo: imóvel matriculado (sem cláusula de inalienabilidade nem decretação de indisponibilidade); e
consentimento: manifestação inequívoca das partes (desejo de hipotecar e de aceitar a hipoteca) perante o tabelião
b) Elementos Essenciais Específicos:
forma solene: escritura pública; e
legitimação: apenas quando o titular do imóvel for casado ou incapaz (outorga conjugal ou alvará judicial)
Os elementos naturais da hipoteca (que também não podem ser simplesmente alterados por rerratificação) são:
dar em "garantia" um imóvel (identificado) por uma dívida (identificada em um outro contrato principal);
a existência de um contrato principal não quitado;
menção expressa aos elementos essenciais e naturais do contrato principal:
natureza do contrato (e outras informações que dependem dessa identificação)
valor da dívida garantida
prazo para pagamento da dívida (termo)
eventuais condições existentes (resolutivas ou suspensivas)
taxa de juros, mora, etc.
obrigação ex-lege (não precisa estar expressa no título) de registrar a hipoteca na matrícula do imóvel.
Exemplo retificável por escritura pública de rerratificação: uma escritura pública de hipoteca não registrada com falha na identificação do credor (erro evidente de digitação do valor da dívida, havendo divergência entre o valor em algarismos e o valor por extenso, por exemplo) comporta rerratificação pois não há alteração das partes contratantes, dos objetos (o mesmo imóvel em garantia da mesma dívida), nem do consentimento (a falha ocorrida e a correção efetuada não afeta a vontade original das partes).
Mesmo nessas situações, a escritura de rerratificação somente será possível antes do registro desse título. Após isso, caso o vício tenha sido transportado para o registro imobiliário, a solução para corrigi-lo será:
procedimento extrajudicial de retificação de registro, caso se comprove que se trata de erro, falha ou omissão de especialidade (objetiva, subjetiva ou do fato jurídico) e que tal erro seja extrínseco ao mérito do negócio jurídico; ou
processo judicial de cancelamento de negócio jurídico (da escritura) e de cancelamento de registro (do registro da hipoteca), caso o vício corrompa alguns do elementos essenciais do negócio jurídico (alienante não era o proprietário; existência de erro, dolo, coação, simulação ou fraude; dívida em decorrência de ato ilícito; etc.).
1. Análise do Caso Concreto
1.1 A Escritura de instituição de hipoteca:
a) título (formal):
escritura pública de "hipoteca" (imóvel x dívida).
b) partes (todos agentes capazes):
Empresa A (titular do imóvel);
Empresa B (credora);
Empresa C (devedora).
c) objeto lícito e idôneo:
imóvel rural em Conchas-SP (matriculado e sem impedimento legal).
d) consentimento:
tabelião conferiu a vontade expressamente manifestada pelas partes; e
até o momento não há notícia de qualquer vício nesse aspecto.
e) forma do título:
escritura pública sem qualquer vício identificado; e
legitimação: se o imóvel fosse de pessoa natural casada, cujo cônjuge não fosse titular do imóvel, haveria necessita de outorga conjugal (uxória ou marital).
f) obrigações:
registrar a escritura na matrícula do imóvel; e
pagar a dívida para liberar o imóvel da hipoteca.
Conclusão:
A escritura de hipoteca é um negócio jurídico perfeito e acabado (protegido pela nossa Carta Magna), independentemente de seu registro (que é apenas uma das obrigações inerentes a essa espécie de contrato).
CF, artigo 5º, XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
1.2. Registro da hipoteca na matrícula do imóvel:
O título foi prenotado, qualificado positivamente pelo RI de Conchas e resultou no registro da referida hipoteca na matrícula do imóvel.
Conclusão:
A garantia hipotecária concretizou-se com o registro, dando àquele negócio jurídico perfeito e acabado (a escritura de hipoteca) a "quitação da primeira obrigação" (o registro da hipoteca).
2. Pretensão atual das partes:
As partes desejam fazer a seguinte alteração referente à hipoteca:
aumentar o valor da dívida (de 2 milhões para 5 milhões).
2.1 Análise quanto à possibilidade de Escritura Pública de Rerratificação:
O valor da dívida é um elemento natural do contrato principal (de mútuo ou outro de espécie análoga);
Portanto, o aumento pretendido pode ocorrer de duas maneiras:
"alteração" do contrato original pela modalidade da novação (uma nova obrigação que extingue a anterior); ou
continuidade do contrato anterior (de 2 milhões) e início de outro contrato (de 3 milhões), totalizando o valor final de 5 milhões desejado pelas partes.
Independentemente da forma ocorrida no contrato principal, a escritura de hipoteca, nesse caso, não comporta rerratificação, pois a alteração que se pretende atinge elementos naturais do contrato principal e, consequentemente, do contrato acessório ("o acessório segue o principal").
Conclusão:
O que se pretende fazer configura um novo negócio jurídico (mesmo que pelo instituto da novação - vide CC, artigos 360 e seguintes).
Portanto, não cabe escritura pública de rerratificação, pois:
não há vícios extrínsecos a serem sanados (nem intrínsecos, segundo os relatos); e
a escritura anterior é um ato jurídico perfeito que já está produzindo efeitos desde a sua lavratura.
2.2 Análise quanto à possibilidade de Retificação de Registro:
A hipoteca já está registrada na matrícula, portanto só cabe retificação por procedimento de retificação de registro.
Somente cabe retificação de registro se houver erro, falha ou omissão:
especialidade objetiva: erro ou imperfeição na descrição do imóvel (nunca substituir um imóvel por outro)
especialidade subjetiva: erro na qualificação das partes (nunca substituir uma pessoa por outra)
especialidade do fato jurídico: erro na descrição das obrigações (exemplo: na escritura de hipoteca esqueceram de constar a existência da taxa de juros, que consta do contrato principal registrado em RTD ou feito por instrumento público)
Conclusão:
O que se pretende alterar configura um novo negócio jurídico (mesmo que pelo instituto da novação).
Portanto, não cabe procedimento de retificação de registro, pois:
não há vícios extrínsecos no registro a serem sanados (nem intrínsecos, segundo os relatos); e
o registro está perfeito e continua produzindo efeitos.
3. Solução
Para que o desejo das partes resulte em direitos registrados, há que se fazer inicialmente o seguinte:
identificar o que realmente ocorreu com a dívida anterior, ou seja, descobrir se ela foi paga ou se a intenção é uma novação.
Considerando que seja novação (hipótese mais provável), a solução é a seguinte:
fazer contrato de novação da dívida principal;
escritura de instituição da nova hipoteca, dando por quitada a dívida anterior (que resultará no cancelamento da hipoteca anterior) e instituindo nova garantia sobre a dívida inovada, constando todos os elementos essenciais e naturais do contrato principal de novação.
Considerando que seja um novo contrato (complementar) sem extinção do anterior, a solução passa a ser a seguinte:
o contrato anterior e a hipoteca permanecem intactos (não mexer neles);
fazer novo contrato principal pelo valor "complementar" de 3 milhões;
escritura de instituição de hipoteca de 2º grau para garantir esse novo contrato.
Usucapiãoé o direito de propriedade adquirido por aquele que exerce a posse de um bem móvel ou imóvel, após um determinado período estipulado pela lei. Tal direito deve ser reconhecido pelo juiz em sentença declaratória em uma ação de usucapião.
Sobre esse tema, há uma questão polêmica:
Pode o proprietário de um imóvel (aquele cujo nome consta da matrícula do imóvel) requerer um provimento judicial que reconheça seu direito de propriedade por usucapião?
Costuma-se dizer que "o proprietário tabular não tem interesse de agir para usucapir seu imóvel"; portanto, o pedido é julgado improcedente por carência de ação.
Vamos analisar bem essa situação.
São condições da ação: legitimidade, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir. O interesse de agir deve ser analisado sob dois aspectos: o da necessidade e o da adequação.
proprietário da totalidade do imóvel que quer apenas retificar a descrição constante da matrícula: falta-lhe "necessidade" de declaração judicial de propriedade, pois ele já é titular do imóvel e inexiste "adequação", pois o procedimento eleito pela lei para a satisfação da pretendido é a retificação de registro, que pode ser judicial ou extrajudicial (artigo 212 da Lei de Registros Públicos);
proprietário de fração ideal do imóvel que quer reconhecida a titularidade sobre parcela certa do mesmo imóvel: não há "adequação", pois a lei oferece dois procedimentos para isso: escritura de divisão amigável ou ação judicial de extinção de condomínio.
Diante disso, a assertiva "o proprietário tabular não tem interesse de agir para usucapir seu imóvel" parece estar correta. No entanto, isso não se mostra verdadeiro diante de circunstâncias especiais.
Vejamos um exemplo mais detalhado, a do condômino que pretende usucapir a porção de terra em que ele mantém sua posse mansa e pacífica. No condomínio, cada consorte tem uma fração ideal sobre o todo e não sobre uma parte certa e localizada do imóvel. Ou seja, em um imóvel de 10ha com 2 condôminos com frações iguais (50%), cada um tem a metade ideal do imóvel, o que não significa que cada um tenha 5 alqueires, mas sim que "cada um deles tem 10ha com poderes e deveres limitados a 50%".
A extinção do condomínio deve ser sempre buscada, sob pena de vir a trazer complicações futuras de difícil solução. Por esse motivo, há quem denomine essa multiplicidade de coproprietários de "condomínio perverso", pois, além de ser um ambiente emulador de discórdias, costuma se tornar inviável com o aumento exagerado de participantes. Sem a tão desejada extinção, com o passar do tempo as pessoas vão falecendo e deixando sua fração ideal a uma pluralidade de herdeiros. Um simples condomínio de 2 pessoas pode, após décadas, ter se transformado num condomínio de dezenas de pessoas desconhecidas, perdidas no mundo, sem interesse na coisa comum, impedindo a localização de todos para uma eventual alienação do todo ou para a extinção da copropriedade. Isso sem falar dos casos de falecimento em que não se processam inventários, atravancando a matrícula de forma tão incisiva que a única solução viável será uma ação de usucapião proposta por aqueles que efetivamente ocupam todo o imóvel ou uma parcela dele.
Para que o coproprietário (aquele possui um título registrado na matrícula do imóvel) tenha exclusividade sobre uma parcela certa e localizada do terreno, a legislação prevê dois caminhos: uma escritura pública de divisão amigável ou uma ação judicial de extinção de condomínio. Por esse motivo, costuma-se dizer que:
O proprietário tabular não tem "interesse de agir" para usucapir seu imóvel, tanto pela falta de "necessidade" (não precisa de decisão judicial para declarar um direito que já possui) como pela falta de "adequação" (a via judicial adequada é a extinção de condomínio e não a ação de usucapião).
No entanto, há que se corrigir certas impropriedades dessa afirmação.
Quanto à ausência de necessidade (modalidade 1 da falta de interesse de agir), isso não é bem verdade, uma vez que o direito de propriedade constante do registro (fração ideal de um todo) é diverso do direito de propriedade que se pretende ver reconhecido pelo Judiciário (titularidade sobre porção certa e localizada do terreno). Lógico que esse novo direito reconhecido judicialmente substitui por completo o direito matriculado, devendo ser averbada na matrícula do imóvel não apenas a exclusão da parcela da área usucapida, como também a exclusão do ex-condômino do respectivo rol de titulares.
Quanto à ausência de adequação (modalidade 2 da falta de interesse de agir), muitos casos apresentam peculiaridades que demonstram ser excessivamente oneroso (quando não impraticável) os procedimentos eleitos pela lei. Existem muitas matrículas que possuem um excessivo número de proprietários tabulares, isso sem contar as prováveis alienações informais, as possíveis sucessões "causa mortis" não formalizadas e eventuais aquisições por usucapião de parcelas do mesmo imóvel matriculado, situação esta que inviabiliza a identificação de todos os condôminos e sucessores para o procedimento regular.
Não sendo possível a participação dos demais condôminos para a lavratura de escritura pública de divisão amigável e sendo inviável a ação judicial de divisão (devido a multiplicidade de condôminos e a indefinição de quem sejam alguns), a única solução que sobra ao condômino interessado em solucionar seu problema é o pedido de usucapião "da área específica em que mantém posse". Diante disso, o Judiciário reconhecerá o "interesse der agir", pois estará comprovada a "necessidade" de um provimento judicial e a ação de usucapião é o procedimento que apresenta melhor "adequação" para satisfazer a pretensão do autor.
Desde que preenchidos os requisitos legais, a lei não impede a utilização do procedimento de usucapião para a regularização dos direitos incidentes sobre bem imóvel (sendo inclusive mais seguro, uma vez que possui rito mais rigoroso, depende de publicação de editais e há a participação das fazendas públicas no processo).
Quanto a considerar justo título a escritura pública devidamente registrada, isso já está pacificado, havendo muitos acórdãos e doutrina nesse sentido. Se uma escritura viciada não registrada é justo título, por que uma escritura de fração ideal devidamente registrada (que possui fé pública "juris tantum") não teria o mesmo benefício legal? Tal discriminação não faria nenhum sentido, pois privilegiaria o "título ruim" em detrimento do "ato jurídico perfeito".
Por fim, há vários precedentes, dos quais se destaca um caso ocorrido na Comarca de Conchas, decidido pelo Tribunal de Justiça:
Usucapião tabular - Imóveis rurais com descrições imperfeitas, que se encontram parcialmente registrados em nome dos autores - Partes ideais calculadas sobre valores e não sobre frações - Registros omissos e errados - Usucapião como modo não só de adquirir a propriedade, mas de sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado - Possibilidade jurídica do pedido - Incidência do artigo 515, §3º do CPC - Ação procedente - Recurso provido. (Apelação Cível nº 385.907.4/3-00, da Comarca de Conchas, rel. designado: Francisco Loureiro, j. 20/10/2005).
Diante de todo o exposto, conclui-se o seguinte:
Não há carência de ação pela falta de interesse de agir (falta de adequação) na ação de usucapião ajuizada pelo proprietário tabular, se for comprovado que os instrumentos legais adequados são de excessiva onerosidade (ou até mesmo inviáveis) para a solução do vício existente no registro de seu bem imóvel.
(Tema de RCPJ - Registro Civil de Pessoas Jurídicas)
CONSULTA
Sociedade simples, que permaneceu unipessoal por mais de 180 dias, leva agora a registro a alteração contratual incluindo novo sócio. O registrador, com base no inciso IV do artigo 1.033 do Código Civil, devolve o título sob o argumento de que a sociedade está dissolvida e, por esse motivo, não há como incluir o novo sócio.
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias.
Essa sociedade está extinta?
E os atos praticados por ela durante esse período?
A única saída seria, então, um novo contrato social para um novo registro da sociedade?
O que mais me parece viável, é o registro da alteração contratual incluindo novo sócio para "salvar" a sociedade ("princípio da preservação das empresas"). Mas conheço decisões de algumas Corregedorias Permanentes que indeferiram a averbação da alteração contratual após o prazo de 180 dias.
Como solucionar essa situação?
Obrigada
KFMS
PARECER
O complicado trajeto percorrido pelas sociedades tem início numa pequena e promissora cidade denominada "constituição", possui um longo e tortuoso percurso no vale da "atividade" e, caso o "condutor" se perca diante das várias bifurcações existentes, pode atingir o temido vilarejo da "dissolução".
Tendo um determinado "condutor" chegado a esse decadente vilarejo e percebido, de imediato, que os moradores não gostam de forasteiros, consulta seu GPS e percebe que essa estrada continua em direção ao distrito da "liquidação" e, logo mais à frente, termina num abismo denominado "extinção".
Sem saber o que fazer, percebe que seu veículo é cercado por várias pessoas mal-encaradas que ficam no aguardo de sua decisão. Que enrascada!
Diante disso, convém analisar o seguinte:
essa "estrada" é uma via de mão única?
o xerife local pode proibir que esse "condutor" retorne ao vale da "atividade"?
os capangas do xerife podem forçar o "condutor" a seguir em frente, escoltando-o até a saída da cidade?
Isso está me parecendo um filme de terror...
A lei trata da constituição, da atividade, da dissolução, da liquidaçãoe da extinçãodas sociedades.
Mas não se encontra nenhuma previsão quanto à obrigatoriedade de se percorrer todo esse caminho.
Aliás, o nosso ordenamento jurídico (em especial, a nossa Carta Magna) defende ferozmente a "vida", a "liberdade", a "livre iniciativa", a "saúde" e, ao tratar de infortúnios, ainda o faz com muita complacência (ex.: proibição da pena de morte e de trabalhos forçados). Ou seja, a lei incentiva a "atividade saudável" e abomina toda e qualquer "irregularidade"; e, diante das irregularidades, a regra sempre foi o "saneamento" (pena alternativa), aceitando, apenas como exceção, a "pena capital" (estado de guerra, legítima defesa, aborto terapêutico).
Diante disso, como defender que pode o ordenamento jurídico decidir antecipadamente pela "morte" (extinção) de um "enfermo" (sociedade dissolvida), impedindo-o de se tratar?
Isso me parece um contrassenso.
A lei mostra o complicado caminho para a extinção das sociedades, mas, pelo que me parece, em nenhum momento proibiu que os sócios desistissem de seu percurso e regularizassem a entidade. A escolha pelo retorno não estaria inserida no "direito de ir e VIR"?
Portanto, enquanto juridicamente não ocorrer a "morte" da sociedade (que somente se concretiza pela extinção), parece-me que nada impede que esta se restabeleça e venha a cumprir a sua função societária (em prol dos sócios) e a sua função social (colaborando com o progresso e desenvolvimento nacional). Enquanto ela estiver viva, a ninguém é permitido atentar contra a sua vida.
Lógico que a sociedade responderá, nos termos da lei, por todos os atos (regulares ou irregulares) que praticar durante esse "período sombrio", pois a regularização não tem efeito "ex-tunc", ou seja, apenas na data do registro da documentação necessária, ocorrerá a sua "reagregação" (reversão da dissolução; senti-me compelido a inventar essa palavra). Barrar sua regularização é o mesmo que cortar o suprimento de oxigênio de um doente para vê-lo agonizar até a morte.
Não estou contrariando o artigo 1.033 do Código Civil, pois concordo plenamente com seu mandamento. Passado o prazo de 180 dias sem a pluralidade de sócios, ela estará dissolvida de pleno direito, continuando nessa "desagradável situação" até que seus sócios decidam por uma dessas alternativas:
pratique todos os atos necessários para a "sua extinção", passando pela "liquidação" (o maior óbice: obter a CND de contribuições previdenciárias); ou
regularize sua situação no registro competente e, a partir daí, volte a colaborar com a economia nacional.
Até o momento, esta é a minha convicção sobre o tema.