sexta-feira, 14 de maio de 2010

Retificação da Dimensão do Imóvel



Limites da Divergência

A retificação não se presta a alterar a dimensão do imóvel, quer para mais ou para menos, exceto em situações muito especialíssimas permitidas pelo ordenamento jurídico (aluvião, abertura de estradas, alagamento de parcela do imóvel por represa, dentre outras hipóteses).
Não se retifica o imóvel, mas a sua descrição.[1]
Retificar significa corrigir falha ou inserir dado omisso. Não significa, necessariamente, adequar o registro imobiliário à realidade fática, pois muitas realidades fáticas não são juridicamente aceitas, como ocorre no caso de um imóvel registrado com 250 m2 mas com 320 m2 existentes no interior dos muros levantados, sendo esse excesso, por exemplo, uma área adquirida do vizinho por acordo informal (que, apesar de irregular, é muito comum).
No entanto, se for provado que o imóvel sempre teve aquela área e que a falha está no dado registrado, aí sim a retificação é o caminho correto para a regularização. Não existe limite matemático para essa correção, mas apenas o limite do bom-senso, pois, quanto maior a divergência, maior o ônus do titular em comprovar que se trata de erro e não de acréscimo irregular de área.
O norte a ser seguido, a nosso sentir, deve estar balizado na diferenciação ontológica dos institutos. Acréscimo de área alheia ao imóvel originalmente descrito, agregada anterior ou posteriormente à descrição que se pretende alterar: usucapião. Acréscimo de área originalmente integrada ao imóvel cuja descrição foi imprecisa ou omissa: retificação.[2]
Portanto, mesmo que as confrontações sejam exatamente as mesmas do registro anterior e que todos os titulares desses imóveis tenham anuído aos trabalhos técnicos, não há garantia da inexistência de fraude na retificação, pois poderá ocorrer uma dessas situações:
a)   inclusão de parcela de um imóvel confrontante declarado;
b)   inclusão de parcela de um imóvel confrontante que foi omitido;
c)   inclusão da totalidade de um imóvel confrontante que foi omitido.
As figuras seguintes representam cada uma dessas situações, sendo hipotéticos todos os dados apresentados.





Exemplo 1: Inclusão de parcela de um imóvel confrontante declarado

Projeto apresentado. 

Pontilhado: correta delimitação do imóvel.

Divergência encontrada: área titulada e área não titulada.

Conclusão: tentativa de inclusão 
de parcela do imóvel confrontante

Exemplo 2: Inclusão de parcela de um imóvel confrontante que foi omitido

Projeto apresentado.


Pontilhado: correta delimitação do imóvel.

Divergência encontrada: área titulada,
área não titulada e omissão de confrontação.

Conclusão: tentativa de inclusão
de parcela de imóvel confrontante omitido.

Exemplo 3: Inclusão da totalidade de um imóvel confrontante que foi omitido

Projeto apresentado.


Pontilhado: correta delimitação do imóvel.



Divergência encontrada: área titulada e área não titulada.


Conclusão: tentativa de inclusão 
de imóvel adquirido irregularmente.

Atente que essas situações poderão ocorrer em variadas proporções, ou seja, poderá tanto haver um aumento de área insignificante como descomunal. Mas isso não importa, inclusão de área não abrangida pelo título original somente poderá ocorrer pelas formas legais:
a)   extrajudicial: aquisição derivada do todo ou de parcela do imóvel vizinho e posterior unificação com o imóvel em estudo;
b)   judicial: aquisição originária dessa parcela excedente por usucapião, comprovando o lapso temporal da posse daquela área.
A utilização do §1º do artigo 500 do Código Civil (divergência de área encontrada na venda “ad mensuram” de bem imóvel) como esteio para a decisão do caso é puro equívoco. Essa regra (do limite da divergência ser de 1/20 ou 5%) refere-se a direito contratual, direito disponível, embate exclusivo entre A e B, solução “inter partes”, enfim, situação que se julgada de forma incorreta trará prejuízo apenas a uma das partes da lide.
Art. 500 - Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§1º - Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.
§2º - Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§3º - Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.
A retificação de registro, no entanto, cuida dos direitos reais imobiliários, que são direitos “erga omnes”, cuja publicidade registral deve ser abrangente e segura, pois é dirigida a todos indistintamente, pois todos os demais são sujeitos passivos da obrigação de respeitar o direito real constituído. Direito registral imobiliário é direito público, é direito indisponível, somente podendo ser alterado nos estritos termos da lei.
Conclui-se, portanto, pela não-aplicabilidade do artigo 500 do Código Civil como parâmetro na análise dos procedimentos de retificação de registro. O escopo é diferente, cada regra se aplica ao campo para o qual foi criada. No registro público a regra é pela não inclusão de área sem permissivo legal. Ou o acréscimo se dá pela aquisição derivada e devidamente formalizada (instrumento público de aquisição e unificação) ou por uma das formas de aquisição originária (usucapião, acessão). Nos demais casos, o acréscimo real de área é ilegal não podendo ser revalidado pela retificação (mesmo se judicial).



[1]    Venicio Antonio de Paula SALLES, Direito registral imobiliário, 2006, p. 20.
[2]    Ricardo Guimarães KOLLET, As retificações no registro imobiliário, p. 101.

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